segunda-feira, agosto 30, 2010

"If what you ask has spiritual value,
I will give you all that you ask.
For I desire you to have all you need
though I cannot give all you want,
Until all you want is what I want for you."

(Horn, Merritt. The Call of the Spirit)

"Se o que pedes tem valor espiritual,
Dar-te-ei tudo que pedires.
Porque desejo que tenhas tudo que precises
embora não possa dar-te tudo que queiras,
Até quando tudo o que queiras é o que quero para ti."

Tradução minha.

terça-feira, agosto 24, 2010

Marina Silva é íntegra. Ela pode estar pronta, o seu partido é que ainda está, por assim dizer, verde.

No debate promovido pelo canal Canção Nova, da Igreja Católica, gastou o latim. Lamento que um de seus momentos felizes, quando disse que rotular as pessoas é uma maneira de se afastá-las de um debate, e que, como numa igreja, dentro de um partido há pessoas boas, pessoas mais ou menos, e pessoas difíceis, momento em que chegou a ser aplaudida, não foi disponibilizado em vídeo pela emissora de TV. Abaixo, a partir do oitavo minuto, ela diz como o político pode ser a favor da vida e respeitar o procedimento democrático, e, citando Cristo Jesus, que os cristãos podem ser contra a prática homossexual mas não devem discriminar injustamente homossexuais, o que, ressalva, padres e pastores não fazem.

sexta-feira, agosto 20, 2010

Lirilizando a política

"Embora chames burguesa,
ó poeta moderno, à rosa,
não lhes tira a beleza.

A tua sanha imprevista
contra a vítima formosa,
é um mero ponto de vista.

Pode a sanha ser moderna,
pode ser louvada, a glosa:
mas sendo a Beleza eterna,

que vos julgue o Tempo sábio:
entre os espinhos, a rosa,
entre as palavras, teu lábio.

(Meirelles, Cecília. Metal Rosicler, 35)

......

"Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente...
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda a gente,

Nem é deste Planeta... Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal...

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda...

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
nossos comuns desejos e esperanças!...

(Quintana, Mario. A Rua dos Cataventos, IV)

segunda-feira, agosto 09, 2010

Cícero sobre o estudo

"Ainda quanto a ti, meu filho Marco, que naquele ano freqüentaste Crátipo, na própria Atenas considera-se preciso abundar em preceitos e pelos institutos de filosofia em busca de apogeu e da autoridade de doutor e da cidade, capaz de progredir na ciência de um, e outros exemplos ainda, entretanto, para a minha utilidade, sempre conjugo as idéias latinas com as gregas, tampouco fico apenas com a filosofia, além de me exercitar com discurso, realizei-os, igualmente para teu proveito, julgo para fazer, que tenhas igual habilidade em qualquer discurso. E no que deveras nos toca, como somos vistos, prestamos grande ajuda a nossos próximos, não como na maneira rude dos livros gregos; que os doutores, entretanto, em alguma medida se justifiquem para adeptos e para quem se deva falar e expor considerações.

Quão vantajosamente estudas ao menos sobre o principal da geração dos filósofos e estudas durante muito tempo o que queres; no entanto, deverás querer muito durante este longo tempo, até o ponto em que conquanto avances não será o bastante. Todavia, nossos escolhidos não dissentem muito dos peripatéticos, porque tanto os socráticos quanto os platônicos devem ser queridos, faz uso no teu julgamento das próprias coisas -- nada o impede deveras --, proferirás com êxito discurso na língua latina para nossos leitores satisfeitos. Que eu não queira superestimar-me deveras. A seu turno, não se concede a muitos a ciência de filosofar, sejas consagrado ao que é próprio da oratória, apto, distinto e ornamentado, uma vez que pelo estudo se atravessa a vida inteira, se para mim o assumo, sou considerado em meu dever apto de alguma maneira a reivindicá-lo."

-- Cícero, em De Officiis, ou Dos Deveres, tradução minha, com revisão de José Serrano.

sexta-feira, agosto 06, 2010

No debate presidencial de ontem, o candidato Plínio, não o Salgado mas Sampaio, perguntou a outros candidatos o que eles pensavam a respeito de limitar o tamanho das propriedades. Nenhum dos adversários respondeu a contento, apenas usaram evasivas dizendo que o Brasil é um país muito grande, ou que é prudente respeitar as diferenças regionais, ou então "é melhor não arranjar sarna para se coçar" (José Serra, como você deseja ser presidente da República sem valer-se de princípios e ideais, que os homens amam e os movem, apenas tratando de questões operacionais dentro de um "debate de idéias"?). O candidato Plínio saiu-se então triunfante, dizendo que seus adversários eram a favor do latifúndio.

Tanto Dilma Roussef quanto José Serra deveriam ter-lhe respondido que o preço da carne no supermercado custa R$10,00 o quilo, porque o agronegócio alcançou níveis impressionantes de produtividade. O brasileiro pode adquirir alimentos por um preço relativamente baixo porque o latifúndio consegue produzí-los.

Algumas palavras-mantras inibem e envergonham o pensamento humano. No caso brasileiro, evoca-se latifúndio para imantar o pensamento numa irrealidade carregada de pseudo-significados, a respeito da qual supõe-se que se deva ter uma "atitude". Ora, quem é a favor do latifúndio é mal, não é verdade? Mas se o latifúndio for produtivo e alimentar a população brasileira, não parecerá ser tão ruim assim.

O pensamento ideológico pode fazer uma mixórdia de significados em palavras esvaziadas de sentido, "tubos vazios onde cada um coloca o que quer", assim Pirandello entendia o fascismo. Às vezes, no entanto, sequer se lhes pode colocar o que quer, porque a corrupção de significado já se implementou e direcionou de tal maneira que à mente humana resta ou aderir a ela, ou, o que aqui tento fazer, buscar decodificá-la, mostrando que o rei está nu.

Uma hora os conceitos precisam descer de seu "palácio matemático" para beber da água da vida.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Tive um instrutor, enganado, que acreditava que ética, disciplina que ministrava, era sinônimo de revoltar-se com as injustiças do mundo. Ética, na realidade, é querer o bem ao próximo, e cuidar de querer os maiores valores.

Lá atrás, quando Moisés repassou os mandamentos para o povo hebreu, qual era o primeiro? "Amar a Deus sobre todas as coisas". Indignar-se com uma injustiça pode ser importante, desde que o sentimento se subordine a um dever para com a presença do Pai.

quarta-feira, julho 28, 2010

Semana passada uma colega me disse que a construção crescente de presídios nos Estados Unidos da América responde a uma política de segregação do negro, tido como inferior. Pior: disse que consiste numa visão de direita, o que não poderia ser mais falso, uma vez, por exemplo, que Salvador Allende escreveu em sua tese de doutorado que a raça judaica ou cigana inclinava os indivíduos a si pertencentes para a prática de crimes, ou que Karl Marx advogava o extermínio eugênico de raças inferiores. A evidência de se discernir raças entre os homens, e o mau uso que disso se pode fazer, o que constitui o racismo precisamente, são compartilhados por esquerda e direita.

A política estadunidense de construir mais presídios visa a alojar criminosos, sejam eles brancos ou negros. Se os negros cometem mais crimes, é óbvio que eles serão a população carcerária majoritária. Não ignoro o fato de que negros possam ser condenados a prisão em processos que em algum momento foram movidos segundo um automatismo racista, não obstante, valendo-me aqui da teoria realeana sobre o direito, o fato não implica o valor, tampouco a norma. Dificilmente se pode dizer que a construção de presídios se inclui dentro de uma política de segregação do negro. Talvez ainda não seja uma realidade a 'post-racial America', sobretudo em estados do Sul, porém as baterias da Administração Pública estadunidense estão menos voltadas contra que a favor do negro.

terça-feira, julho 27, 2010

Bem-te-vis de São Luís

Na direção do Palácio do Governo, o céu tinha-se aberto. E debaixo das nesgas azuis, irromperam das árvores, ainda úmidas de chuva, bandos ruidosos de bem-te-vis. De início, Dom Manuel ouviu-lhes o tatalar das asas nervosas. E eram tantas, que ele se assustou. Depois, começou, no largo espaço entre o Palácio do Bispo e o Palácio do Governo, a bulha dos gritos divertidos, ora aqui, ora ali, ora mais além, depois novamente aqui, e sempre no tom de uma vaia peralta, que só mesmo os bem-te-vis sabem dar.



Dá gosto ouvi-los, ainda cedo, à primeira luz matutina, ou depois de uma pancada de chuva, assim que o sol se abre, esses bem-te-vis de São Luís. Umas cidades têm as suas andorinhas; outras, os seus pardais; São Luís tem os seus bem-te-vis, que nascem com a luz do sol e parecem cantar com ela pelo resto do dia. De relance, dir-se-ia que voam em bando. Na verdade, ao contrário das andorinhas, voam solitários, sem prejuízo das reuniões eventuais no mesmo fio telegráfico, no beiral do mesmo telhado, nos ramos da mesma árvore. Destemidos, apesar de medirem pouco mais de meio-palmo, lançam-se aos urubus em pleno vôo, e os afugentam. Cá embaixo parecem passarinhos bem comportados.



Um deles grita, escandindo as sílabas:

-- Bem-te-vi!



Embora circunscrito às três sílabas inconfundíveis, o grito nada tem de monótono, porque varia de inflexão e disposição oral. Assim: bem-em-em-em-te-vi! Ou simplesmente: te-vi! Por vezes, ouvindo-os ao raiar do dia ou ao cair da tarde, salteia-nos a impressão de que um deles, mais moleque e jovial, zomba do outro, com este grito diferente: eh, eh, eh. E logo ouve a réplica, depois de um ruído repetido de asas no ar: bem-te-vi! bem-te-vi!" (Montello, Josué. Os tambores de São Luís)

sábado, julho 24, 2010

Contra o cálculo por juros nominais, a favor do cálculo por juros reais, que desconta a inflação (ou deflação) antes de remunerar o credor, a seguinte lição de Mr. Slang:

"Eis a razão do horror que o Brasil inspira ao capital europeu e americano. Os homens de negócios preferem 3% lá a 12% aqui, porque 3 lá são 3, e os 12 de cá valem tanto como uma parada em roleta. Podem ser muito, podem ser zero." (LOBATO, Monteiro. Mr. Slang e o Brasil)

O britânico referia-se à oscilação violenta da moeda nos anos 20, mas suas palavras adequar-se-iam com justeza se tratassem do padrão de juros.

quarta-feira, julho 14, 2010

Ética clássica por Shakespeare

"(...)

Mi perdonato, meu gentil senhor, pois concordo nisso tudo, contente de que persista no intento de aspirar às doçuras da doce filosofia. Apenas, meu bom amo, por mais que admiremos essa virtude, essa disciplina moral, rogo-lhe que não nos tornemos estóicos ou insensíveis. Nem tão devotos da ética de Aristóteles a ponto de achar Ovídio desprezível. Apóie a lógica nos seus conhecimentos do mundo e pratique a retórica na conversa usual; inspire-se na música e na poesia e não tome da matemática e da metafísica mais do que o estômago pode suportar; o que não dá prazer não dá proveito. Em resumo, senhor, estude apenas o que lhe agradar."

(Extraído de A Megera Domada, tradução de Millôr Fernandes)

quarta-feira, julho 07, 2010

Conselho a um autor

por Lord Shaftesbury

“Aqueles que não recebem qualquer ajuda do aprendizado para observar os períodos mais amplos ou revoluções humanas, as alterações que ocorrem nos costumes, e o fluxo e refluxo da polidez, espirituosidade, e arte, estão sempre prontos a fazerem da sua própria época a padrão, e não imaginam barbaridade ou selvageria alguma, a não ser o que é contra os costumes de seu tempo. Os mesmos pretensos juízes, houvessem eles aflorado na nossa Bretanha ao tempo em que César realizou sua primeira incursão, teriam condenado, como um crítico extravagante, o homem que tivesse sido corajoso para censurar nossas deficiências de vestuário ou rir de nossas bochechas azuis e peles coloridas que eram moda entre nossos ancestrais então. Este deve necessariamente ser o juízo daqueles que são críticos apenas por um modismo. Mas para um justo naturalista ou humanista, que conhece a criatura Homem, e julga o seu desenvolvimento e progresso na sociedade, parece evidente que nós homens britânicos éramos tão bárbaros e incivilizados em comparação com os romanos sob César, quanto os romanos, eles próprios, o eram em comparação com os gregos, quando invadiram aquela nação sob Múmio.

(…)

Porém deixem que nossos autores e poetas reclamem sempre demais do gênio de nosso povo, é evidente que não somos tão bárbaros ou góticos quanto eles pretendem. Não somos por natureza um solo ruim; e temos partes musicais, que podem ser cultivadas com grande vantagem, se estes senhores usassem a arte dos mestres na sua composição. Eles têm poder para atuar sobre nossas melhores inclinações, e podem saber por certos indícios que sua audiência está disposta a receber temas mais nobres, e a apreciar uma melhor performance do que aquela que, por indulgência para consigo mais do que para com o mundo, eles se satisfazem em escolher.

À parte algumas tentativas louváveis feitas com sucesso tolerável, nos últimos anos, ao encontro de uma maneira justa de escrever, tanto nos estilos heróico quanto no familiar, temos provas mais antigas de uma disposição correta em nosso povo para o caminho moral e instrutivo. Nosso poeta dramático antigo1 pode testemunhar em favor de nosso bom ouvido e apetite valoroso. Não obstante sua natural rudeza, seu estilo impolido, seu discurso e engenho antiquados, sua falta de método e coerência, e sua deficiência em quase todas as graças e ornamentos deste gênero; ainda assim, pela justeza de sua moral, a argúcia de muitas de suas descrições, e a simplicidade e naturalidade de caráter de vários de seus personagens, ele agrada sua audiência, e com freqüência ganha sua atenção, sem um único suborno da luxúria ou do vício. Aquela sua peça2, a que mais parece ter influenciado os corações ingleses, e que talvez tenha sido representada com mais freqüência dentre quaisquer que já tenham subido ao palco, é quase uma moral contínua; uma série de reflexões profundas, tirada de uma boca, sobre o tema de um único acidente e calamidade, naturalmente capaz de instigar horror e compaixão. Deve ser dito, com propriedade, sobre essa peça, se eu não me engano, que ela tem apenas Um personagem ou parte principal. Não contém qualquer adoração ou lisonja ao sexo; qualquer ataque aos deuses; qualquer heroísmo facúndio; nem qualquer coisa daquela mistura curiosa do feroz com o terno, que faz a marca da tragédia moderna, ela varia gostosamente entre os pontos de amor e honra.

No todo: Uma vez que nos dois grandes gêneros poéticos, o épico e o dramático, podemos observar o gênio moral tão naturalmente prevalente: uma vez que nosso3 poema heróico mais louvado não tem a delicadeza de linguagem, nem o caráter perspicaz, na moda; mas apenas pensamento consistente, raciocínio forte, paixão nobre, e um fio contínuo de doutrina moral, piedade e virtude, para recomendá-lo; podemos inferir com justiça que não é tanto o ouvido público, do que a mão ruim e maneiras viciosas de nossos poetas, que precisa ser repensada.

E assim, por fim, voltamos ao nosso artigo de Conselho antigo, aquela preliminar principal de auto-estudo e convivência interior, que descobrimos muito em falta nos autores de nosso tempo. Eles deveriam somar a sabedoria do coração à tarefa e exercício do cérebro, para trazer proporção e beleza aos seus trabalhos. Se a sua composição e talento para a escrita podem ser naturais e livres, eles precisam acertar-se, em primeiro lugar, consigo mesmos. E tendo ganho uma mestria aqui, eles podem facilmente, com ajuda de seu gênio, e um uso correto da arte, comandar sua audiência, e estabelecer um bom gosto.”

1Shakespeare

2A tragédia de Hamlet.

3Paraíso Perdido, de Milton.

(Lord Shaftesbury, Characteristics of men, manners, opinions, times with a collection of letters; Advice to an author, part. 2, sect. 3, pp. 234, 235, 237-239, tradução minha)

......

Anthony Ashley Cooper, o Lord de Shaftesbury, escreveu este opúsculo no início do século XVIII.

quinta-feira, julho 01, 2010

De Wanda, minha colega num curso na Urantia Book Internet School, a respeito de Jesus:

"Não se trata de acreditar nele, mas com ele."

Eu acredito no que ela diz.

segunda-feira, junho 28, 2010

"O filósofo se parece com o poeta, porque ambos se ocupam do maravilhoso."

Tomás de Aquino, em Comentário à Metafísica, I, 3.

Créditos para o saite Contra Impugnantes.

terça-feira, junho 15, 2010

A educação brasileira tende a se fundar sobre três pilares: Inclusão digital, ambientalismo e prática esportiva superdimensionada. Para quem gosta de siglas, seria a educação de MALUCOS, ou seja, Meio Ambiente Limpo, Universalidade Computacional e Overdose de Sports. Os três 'R's, no inglês, de Reading, Writing and Arithmetics, não fazem mais a cabeça dos educadores.

Certa feita, Ferreira Gullar disse-me que um bom professor forma um aluno até mesmo debaixo de uma árvore. Parecia reverberar a lição de Josué Montello, seu conterrâneo maranhense.

O Barão "tirou do baú um de seus livros que o muito manuseio ensebara, e disse a Damião, debaixo da sombra de uma ingazeira.

-- Vou te ensinar a ler.

E ali mesmo principiou-lhe a mostrar as letras (...), ao cabo de um mês, já o Barão passara a ler com ele a História de Carlos Magno e os doze pares da França." (Montello, Josué. Os tambores de São Luís)

Por que não retomar o ensino de latim? Além do benefício lógico -- um gramático poderia dizer que cada aula de latim é uma aula de lógica --, obrigar-se-ia o aluno a passar largo tempo consultando o dicionário, tal que ao efeito positivo atribuído ao esporte, qual seja, de afastar da rua e seus perigos o menino e adolescente, o estudo de latim igualmente se prestaria.

quarta-feira, junho 02, 2010

Erro de Zubiri

Ele comete o erro primário de confundir psique com alma, erro que Rene Guénon procura desfazer já no título do capítulo XXXV de seu 'O reino da quantidade e o sinal dos tempos'. Zubiri diz: "O aspecto psíquico da substantividade humana tampouco é, como se costuma dizer, "espírito" (termo também muito vago). Poderia chamar-se alma se o vocábulo não estivesse sobrecarregado de um sentido especial, arquidiscutível, a saber: o sentido de uma entidade "dentro" do corpo e "separável" de si. Prefiro portanto chamar a este aspecto simplesmente "psique"." (Zubiri, El hombre y su cuerpo, tradução minha) Nem alma nem espírito, Zubiri, na realidade, a psique se pode chamar também de mente. Alma e espírito são termos impróprios porque correspondem a outro aspecto da substantividade humana, que não o psíquico. Vejamos o trecho do Livro de Urântia que explica resumidamente os níveis da realidade na experiência humana:

"1. Corpo. O organismo material ou físico do homem. O mecanismo eletro-químico vivo de natureza e origem animal.

2. Mente. O mecanismo de pensar, perceber e sentir do organismo humano. A experiência total, consciente e inconsciente. A inteligência associada à vida emocional, buscando, por meio da adoração e da sabedoria, alcançar o nível acima, do espírito.

3. Espírito. O espírito divino que reside na mente do homem -- o Ajustador do Pensamento. Este espírito imortal é pré-pessoal -- não é uma personalidade, se bem que esteja destinado a transformar-se em uma parte da personalidade da criatura mortal, quando da sua sobrevivência.

4. Alma. A alma do homem é uma aquisição experiencial. À medida que uma criatura mortal escolhe "cumprir a vontade do Pai dos céus", assim o espírito que que reside no homem torna-se o pai de uma nova realidade na experiência humana. A mente mortal e material é a mãe dessa mesma realidade emergente. (...) Essa é a alma emergente que está destinada a sobreviver à morte física e iniciar a ascensão ao Paraíso." (Livro de Urântia, Introdução, seção V)

Zubiri acredita que o homem forma uma unidade estrutural psico-orgânica. Exagerando as conseqüências desta teoria, incorre em outro erro ao dizer o seguinte: "(...) Quando o cristianismo, por exemplo, fala de sobrevivência e imortalidade, quem sobrevive e é imortal não é a alma mas o homem, isto é, a substantividade humana inteira." (Zubiri, El hombre y su cuerpo, tradução minha) Destrinchemos suas palavras: Por alma, no caso, ele deseja significar a psique, apenas utilizou o termo mais caro à tradição cristã, ao qual entretanto ele prefere o termo "psique". Este não é o ponto. Zubiri afirma que a substantividade humana inteira sobrevive. Que é, então, essa substantividade humana inteira? "O homem não é psique "e" organismo, porém sua psique é formal e constitutivamente "psique-de" este organismo, e este organismo é formal e constitutivamente "organismo-de" esta psique." (Zubiri, El hombre y su cuerpo, tradução minha) Ele acredita portanto que o corpo, junto com a psique, enquanto sub-sistemas do sistema constitutivo humano, deverão sobreviver. Isto é erradíssimo. Pois:

"No tempo, o corpo do homem é tão real quanto a mente ou o espírito, mas, na morte, tanto a mente (a identidade) quanto o espírito sobrevivem, enquanto o corpo não." (Livro de Urântia, doc. 12, seção 8)

Conceda-se a Zubiri, entretanto, que o homem sobrevivente em sua ascensão até o Paraíso ganhará novas formas -- termo empregado aqui conforme o uso corriqueiro --, ou vestimentas, com que se apresenta -- em termos zubirianos, o equivalente ao "momento de corporeidade" da substância psico-orgânica -- mas que não são, obviamente, um organismo físico-químico*, nem se concebe que Zubiri as tenha imaginado assim, o que seria um erro bisonho. "Tais formas, embora totalmente reais, não são os padrões de energia da ordem material, como vós entenderíeis agora. Contudo, ela vos servem, nos mundos do universo local, aos mesmos propósitos que os vossos corpos materiais vos serviram nos planetas do vosso nascimento humano." (Livro de Urântia, doc. 112, seção 6)

Do pouco ainda que conhecemos de sua obra, podemos já dizer que Zubiri é um filósofo de excelentes "insights". Sua teoria de que a substantividade humana consiste numa unidade estrutural em que "seus elementos não se determinam como ato e potência mas co-determinam-se mutuamente" (Zubiri, 'El hombre, realidad personal', tradução minha), de sorte que a psique seria estruturamente orgânica, porque vertida a um corpo, e o organismo, por sua vez, estruturalmente psíquico, pelo mesmo motivo, é realmente importante. Entretanto, Zubiri parece ter deixado de lado os outros e, por assim dizer, mais "estruturais" níveis de realidade humana, como o espírito, o qual é dotado ao ser humano tão logo ele tome sua primeira decisão moral, geralmente quando criança. A personalidade, crème de la crème, é a qualidade estruturadora, ela unifica os níveis da realidade e coordena suas relações.


*Em termos zubirianos, novamente, é impreciso igualar o organismo físico-químico ao corpo. Dir-se-ia, mais corretamente, que o corpo é o organismo na sua função somática, ou seja, enquanto "fundamento material da corporeidade do sistema." (Zubiri, El hombre y su cuerpo, tradução minha)

terça-feira, junho 01, 2010

Cecília Meirelles, em Metal Rosicler, 35

Embora chames burguesa,
ó poeta moderno, a rosa,
não lhes tira a beleza.

A tua sanha imprevista
contra a vítima formosa,
é um mero ponto de vista.

Pode a sanha ser moderna,
pode ser louvada, a glosa:
mas sendo a Beleza eterna,

que vos julgue o tempo sábio:
entre os espinhos, a rosa,
entre as palavras, teu lábio.

sábado, maio 29, 2010

A moral da espada e a despedida de McArthur

"(...) A paz jamais deverá ser ou conseguirá ser permanente no planeta, a não ser que os estados pacificamente organizados preservem alguns dos antigos elementos da disciplina militar. Uma economia de paz seguramente exitosa não pode ser uma simples economia do prazer. No futuro em maior ou menor grau socialista em direção ao qual a humanidade parece se dirigir, ainda precisamos nos submeter coletivamente àquelas severidades que respondem à nossa real posição neste planeta apenas parcialmente hospitaleiro. Precisamos fazer com que novas energias e dificuldades continuem a virilidade à qual a mente militar tão fielmente se presta. As virtudes marciais devem ser o cimento duradouro; intrepidez, desprezo pela moleza, abandono dos interesses particulares, obediência ao comando, devem permanecer como a pedra sobre a qual os estados são construídos. (...)" (James, William. The Moral Equivalent of War, tradução minha)

Selecionei e traduzi as passagens de um discurso do general norte-americano McArthur se despedindo do serviço militar. Ele foi o general que comandou o Japão no pós-guerra, realizando um trabalho que deixou saudade. Escolhi a epígrafe acima para dizer que as virtudes marcias devem sempre ser contempladas, porque são virtudes. Um planeta sem guerras não existirá pelo incentivo ao tipo de homem que Arnold Schwarzenegger chamou de "girly-man". Antes, as virtudes marciais podem ser trabalhadas em outros projetos que não exatamente os militares. O serviço desinteressado e a honra são satisfeitos numa escola de escoteiros ou numa missão para ensinar saneamento básico nos confins da Amazônia, por exemplo.

Cada parágrago em português será seguido do original em inglês.

"Dever, Honra, Pátria: estas três palavras sagradas ditam de modo reverente o que você deve ser, o que você pode ser, o que você será. Elas são o vosso ponto para reunião de forças: construir a coragem quando ela parece falhar; renovar a fé quando parece haver pouco motivo para isto; criar esperança quando a esperança fica abandonada. Infelizmente, eu não possuo nem essa eloqüência de dicção, nem a poesia da imaginação, ou o brilho da metáfora para dizer-lhes o que significam.

Duty, Honor, Country: Those three hallowed words reverently dictate what you ought to be, what you can be, what you will be. They are your rallying points: to build courage when courage seems to fail; to regain faith when there seems to be little cause for faith; to create hope when hope becomes forlorn. Unhappily, I possess neither that eloquence of diction, that poetry of imagination, nor that brilliance of metaphor to tell you all that they mean.

Os céticos dirão que se trata apenas de palavras, de um slogan, de uma frase vistosa. Todo pedante, todo demagogo, todo cínico, todo hipócrita, todo criador de problemas, e, desculpem-me dizê-lo, alguns outros de um caráter totalmente distinto, tentarão rebaixá-las até o nível da zombaria e do ridículo.

The unbelievers will say they are but words, but a slogan, but a flamboyant phrase. Every pedant, every demagogue, every cynic, every hypocrite, every troublemaker, and, I am sorry to say, some others of an entirely different character, will try to downgrade them even to the extent of mockery and ridicule.

Mas estas são algumas das coisas que as palavras fazem. Elas formam seu caráter básico. Elas vos moldam para suas funções futuras como guardiões da defesa da nação. Elas o tornam forte o bastante para saber quando se está fraco, e valente o bastante para ver o próprio rosto quando você está com medo.

But these are some of the things they do. They build your basic character. They mold you for your future roles as the custodians of the nation's defense. They make you strong enough to know when you are weak, and brave enough to face yourself when you are afraid.

Elas o ensinam a ficar orgulhoso, tranqüilo e firme no fracasso honesto, porém humilde e gentil no êxito; a não substituir palavras por ação; a não buscar o rumo do conforto, mas enfrentar o desgaste e instigar-se com a dificuldade e o desafio; a se levantar na tormenta, mas a ter compaixão pelos que caem; a se dominar antes de querer dominar os outros; a ter um coração limpo e um objetivo alto; a aprender a rir, sem todavia esquecer como chorar; a alcançar o futuro, sem negligenciar o passado; a ser sério, sem entretanto se levar tão a sério; a ser modesto para lembrar a simplicidade da verdadeira grandeza, a mente aberta da verdadeira sabedoria, a brandura da força verdadeira.

They teach you to be proud and unbending in honest failure, but humble and gentle in success; not to substitute words for action; not to seek the path of comfort, but to face the stress and spur of difficulty and challenge; to learn to stand up in the storm, but to have compassion on those who fall; to master yourself before you seek to master others; to have a heart that is clean, a goal that is high; to learn to laugh, yet never forget how to weep; to reach into the future, yet never neglect the past; to be serious, yet never take yourself too seriously; to be modest so that you will remember the simplicity of true greatness; the open mind of true wisdom, the meekness of true strength.

Elas te dão uma vontade temperada, uma qualidade de imaginação, um vigor de emoções, um frescor das primaveras profundas da vida, uma predominância temperamental da coragem sobre a timidez, um apetite pela aventura ao invés do amor à preguiça. Elas criam em seu coração o senso para se maravilhar, a esperança infalível sobre o que vem em seguida, e a alegria e inspiração da vida. Elas te ensinam dessa maneira a ser um oficial e um cavalheiro.

They give you a temperate will, a quality of imagination, a vigor of the emotions, a freshness of the deep springs of life, a temperamental predominance of courage over timidity, an appetite for adventure over love of ease. They create in your heart the sense of wonder, the unfailing hope of what next, and the joy and inspiration of life. They teach you in this way to be an officer and a gentleman."

domingo, maio 23, 2010

Moral revelada e filosofada

"A virtude é retidão -- conformidade com o cosmo. Dar nome às virtudes não é definí-las; vivê-las, no entanto, é conhecê-las. A virtude não é mero conhecimento, nem mesmo sabedoria, mas antes, é realidade, de experiência progressiva, durante o alcançar dos níveis ascendentes da realização cósmica. No dia-a-dia da vida do homem mortal, a virtude é ealizada pela preferência consistente do bem ao mal, e tal capacidade de escolha é a evidência da posse de uma natureza moral.
A escolha feita pelo homem, entre o bem e o mal, é influenciada não apenas pela acuidade de sua natureza moral, mas também por forças, tais como a ignorância, imaturidade e ilusão. Um certo senso de proporção também está envolvido no exercício da virtude, porque o mal pode ser perpetrado quando o menor é preferido ao maior, em conseqüência de distorção ou engano. A arte de estimar relativamente, ou de medida comparativa, entra na prática das virtudes do âmbito moral.

A natureza moral do homem seria impotente sem a arte da medida, da discriminação incorporada à capacidade de escrutinar os significados. Do mesmo modo, a escolha moral seria mera futilidade, sem aquela clarividência cósmica que produz a consciência dos valores espirituais. Do ponto de vista da inteligência, o homem ascende ao nível de ente moral por ser dotado de personalidade.

A moralidade nunca pode ser promovida pela lei nem pela força. É uma questão da personalidade e do livre-arbítrio, e deve ser disseminada pelo contágio, a partir do contato das pessoas moralmente atraentes com aquelas que são menos responsáveis moralmente, mas que, em alguma medida, também estão desejosas de cumprir a vonta de Pai." (Livro de Urântia, documento 16, seção 7, p. 193)

"Não investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do contrário o nosso estudo seria inútil." (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro II, 2)

"A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática. E é um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta; pois que, enquanto os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, a virtude encontra e escolhe o meio-termo. E assim, no que toca à sua substância e à definição que lhe estabelece a essência, a virtude é uma mediania; com referência ao sumo bem e ao mais justo, é, porém, um extremo." (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro II, 6)

"(...) Isso não é fácil de determinar pelo raciocínio, como tudo que seja percebido pelos sentidos; tais coisas dependem de circunstâncias particulares, e quem decide é a percepção.
Fica bem claro, pois, que em todas as coisas o meio-termo é digno de ser louvado, mas que às vezes devemos inclinar-nos para o excesso e outras vezes para a deficiência. Efetivamente, essa é a maneira mais fácil de atingir o meio-termo e o que é certo." (Aristóteles, Ética a Nicômaco, livro II, 9)

sábado, maio 22, 2010

O direito da criança adotável a ter o melhor pai

Qualquer discussão sobre a adoção de crianças deve começar pelo princípio, "first things first", e o princípio está no título acima.

Não há um direito de homossexuais a adotarem crianças. Dadas as circunstâncias, não obstante, o melhor para a criança poderá ser a adoção por homossexuais, porque na falta de um casal heterossexual, o que é a melhor solução para si, a adoção homossexual pode ser sua opção. Neste caso, ter um pai homossexual pode ser melhor do que não ter pai algum.

Um juiz deverá ouvir as dificuldades que a criação por homossexuais pode acarretar, e, considerando as opções que a criança tem, decidir sobre sua adoção conforme lhe seja melhor.

quarta-feira, maio 12, 2010

"A prece é a escada misteriosa de Jacó: por ela sobem os pensamentos ao céu; por ela descem as divinas consolações."

Machado de Assis, em Helena, cap. XIII.