domingo, outubro 20, 2019

Levi Eshkol


"No seu sotaque tonitroante, começou a ler o texto tropegando, sua língua revolvendo consoantes matreiras e vogais arrevesadas num esforço infeliz para anglicizar sua dicção ídiche, pausando com freqüência para checar de novo o que estava dizendo. Logo chegou aos parágrafos que não tivera tempo para revisar, que falavam do peso enorme na economia nacional de Israel causado pela afluência massiva de imigrantes sem qualificação e sem um tostão furado no bolso.

Afinal de contas, esta era uma ocasião para arrecadar fundos.

A incredulidade assomou nos olhos do primeiro-ministro e sua voz esmaeceu em descrença. Apoiando-se na tribuna, seus olhos perfurando os meus, tirou satisfação em hebraico: "Que droga é essa"?

Eu encolhi-me mortificado enquanto um burburinho, murmúrios, risadinhas, esgares e cutucadas audíveis espalhavam-se de mesa em mesa.

"O que eu acabei de dizer não é verdade", declarou Levi Eshkol à sua platéia perplexa, sem um traço de constrangimento. "O exato oposto é verdadeiro". E então, azar da sintaxe, passou a elaborar dizendo como cada novo imigrante não era uma fardo, mas um ativo indispensável para o crescimento futuro da economia de Israel.

Quando sentou foi cumprimentado com um estralar de aplausos que se expandiam num crescendo. Deram-lhe uma ovação de pé. Eles o amavam. Amavam sua honestidade, sua autenticidade, sua espontaneidade refrescante. Com o rosto radiante, Levi Eshkol observava como tiravam o talão de cheques do bolso, a tampa de suas canetas-tinteiros e demonstravam sua generosidade com abundância.

Passada a adoração, o sr. Eshkol chamou-me para si, e, num leve sussuro, seu nariz quase tocando o meu, soltou com aspereza: "Boychik, se você não parar de escrever seu nonsense estiloso chique e começar a escrever o que eu quero dizer, do jeito que eu quero dizer, vou encontrar outra pessoa que o faça.

"Sim, primeiro-ministro," balbuciei, calçando as sandálias da humildade que demoraria toda uma vida para ajeitar nos pés."

Yehuda Avner (na foto).

Levi Eshkol, primeiro-ministro israelense um tanto subestimado, soube somar forças para conduzir Israel à vitória acachapante e insperada na guerra dos seis dias. Foi ele quem primeiro trouxe para o governo Menachem Begin, figura complexa e um gênio político do século XX.