quinta-feira, janeiro 22, 2009

Eu fui à Bahia

Uma vez fui à Bahia conhecer o candomblé,
as crioulas gordas giravam ao redor de si,
eu, que não tou morto, não fiquei parado.
Fui atrás da crioula e derrubei-a sem
querer. Ela levantou e me disse: "Malvado."
Na roda de macumba, também tava lá o Zé,
gente boa ele, seu pé não parava no chão,
ele rodopiava com a baiana, e passava a mão,
o assanhado, mas a baiana não queria nada
com ele. Mandou embora o danado,

que foi chorar num bar. Chamou o garçom
e o moço chegou com ar indulgente:
o Zé disse que queria a marrom-bombom
mas que aceitava (já que não tinha opção)
uma pinga das boas, veja lá homem!

Noite de lua-cheia, mas não houve lobisomem,
houve briga à toa. Alguém tropeçou
nas pernas de um sonâmbulo encachaçado
e o enluarado se foi: Pau pra todo lado.
Ao fim a vitória do sonâmbulo, carregado
por seus amigos até o cais de Iemanjá:
E eu, então, ouvi o Caymmi cantar
com vozeirão: É doce morrer no mar.

Foi o que eu vi na Bahia. Adeus, Bahia! Fui-me
embora com uma stella-guia, numa jangada.
Fomos bem, com velocidade de dez nós
em direção à lua de Copacabana,
onde está a sós o meu Senhor.

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Proprietários nas favelas

No artigo acadêmico O debate jurídico em torno da urbanização de favelas no Rio de Janeiro, Rafael Soares Gonçalves defende, ao invés da outorga de títulos de propriedade aos moradores das favelas, títulos imobiliários que possam "implicar numa atuação estatal mais forte, impondo certos limites à utilização do bem --como a concessão do uso para fins de moradia precariamente regulamentada pela medida provisória no 2020-- o que permite tanto assegurar o valor comercial do bem conforme regulamentado, como desencorajar uma descontrolada especulação imobiliária local."

O artigo todo é bastante bom, e me permitiu entender melhor a situação político-social das favelas, porém não posso concordar com o autor em preferir à outorga de títulos de propriedade, conforme propugnado pelo economista Hernando de Soto na obra O Mistério do Capital, o qual é citado por Rafael, a outorga de títulos sujeitos a certas limitações definidas pelo Poder Público. Não consigo entender por que ele defende isso. Logo no capítulo seguinte ele cita um caso de tentativa do Poder Público em aliança com uma rede de hotéis de demover a favela do Vidigal para a construção de um hotel no local, projeto este que não vingou. Nos EUA, no caso Kelo versus cidade de New London, que chegou à Suprema Corte daquele país, o Poder Público tentou com êxito desapropriar todo um conjunto habitacional para em seguida repassá-lo a um fundo de investimento que desejava a construção de um parque comercial no local. De modo que o argumento de que o Estado deva assitir os favelados para que eles não sejam vítimas de especulação imobiliária me parece fraco. E, mesmo considerando que o Estado fosse com toda a certeza possível proteger os moradores da especulação imobiliária, o que ele não vai, como apontamos, ainda assim seria melhor para os favelados possuírem o direito pleno de propriedade, sem mediação do Poder Público, pois um cidadão tem o direito de vender o imóvel se desejar fazê-lo.

O processo de regularização fundiária nas favelas traria a injustiça de tornar proprietários uma série de "latifundiários" das favelas, como os chama Rafael, que alugam os vários imóveis que possuem de fato para os favelados, porém junto com eles pequenos proprietários também receberiam seu título. Se, junto com o título, eles teriam que pagar tributos ao Poder Público, esse é o preço da legalidade, o preço que todo cidadão do asfalto paga. No caso de os tributos ficarem muito altos, aquele cidadão dono de propriedade na favela sempre terá o direito de vender seu imóvel para adquirir outro mais barato em outra localidade. Todo cidadão do asfalto, como passei a chamar quem tem seu título de propriedade devidamente regularizado, age desse modo. Por que os favelados não deveriam agir?

A atitude de indulgência excessiva frente a essa situação não desagrada de todo aos favelados, que continuam vivendo em seus imóveis sem precisar pagar os tributos correspondentes à legalidade, porém o preço dessa lerdeza em resolver o problema é o que todos cariocas sabemos: A ocupação das favelas pelos traficantes de drogas. A outorga do título de propriedade teria também o condão de criar nos favelados um maior zêlo pelo local onde vivem, em razão de que teriam a segurança jurídica de saberem que não poderiam ser expulsos da favela.

Que o exemplo do morro Dona Marta, recentemente ocupado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, sirva de parâmetro. Os imóveis da favela não páram de aumentar de valor e os moradores pensam em fazer obras em suas casas, agregando capital.

A melhor forma de tornar os favelados cidadãos é dar a eles os mesmos direitos que os cidadãos podem ter: títulos de propriedades plenos, na forma dos artigos nono e seguintes do Estatuto da Cidade. Falta agora quebrar a proibição genérica insculpida no parágrafo terceiro do art. 183 da Constituição Federal ao usucapião de imóvel público.

A virtude em Platão

No diálogo Mênon, Platão explica que a virtude não é uma ciência, pois se fosse, haveria mestres nessa ciência, ao passo que eles não existem. Também afirma que heróis da Grécia, bons em variadas atividades, e também virtuosos, procuraram educar seus filhos nessas atividades, porém na seara da virtude não eram capazes de transmití-la, como quem transmite o conhecimento matemático de que dois mais dois são quatro.

Para Platão, portanto, a virtude não é algo de que o virtuoso tem a posse, mas antes uma dádiva divina. "Se não é graças à ciência, então, resta que é graças a uma feliz opinião? Servindo-se dela os políticos administram as cidades, não sendo eles em nada diferentes, em relação ao compreender, dos pronunciadores dos oráculos e dos advinhos inspirados. Pois também estes, quando os deuses estão neles, falam com verdade, e mesmo muitas coisas, mas não sabem das coisas que dizem." Esse tema voltará a ser tratado por Platão no diálogo Apologia de Sócrates, quando retrata Sócrates fazendo sua defesa de que era o homem mais sábio da Grécia, mesmo sem ter plena consciência disso, comparando-se a outros personagens da vida grega, especialmente os do gênero poético, os quais são capazes de montar histórias e palavras belíssimas, mas nem sabem direito como o fizeram, enquanto ele, Sócrates, sabia que era ignorante em variados assuntos onde os outros tinham a certeza, equivocada, de que eram mestres. Claro que a crença comum de que Sócrates fosse um bobo atrás de respostas não é adequada, pois ele se mostrava tremendamente irônico e altaneiro conversando. Guardava Sócrates, não obstante, um profundo respeito pelo mistério da vida.

O filósofo da Academia arremata a questão da seguinte forma: "Mas se nós, agora, em toda essa discussão, pesquisamos e discorremos acertadamente, a virtude não seria por natureza coisa que se ensina, mas sim concessão divina, que advém sem inteligência àquele que advém." Essa frase de Platão derruba qualquer estudioso que algum dia pensou em chamá-lo de gnóstico. Aqui ele afirma claramente que a virtude não deriva do conhecimento, pois se derivasse, poderia ser ensinada, sendo no entanto uma graça divina. Séculos depois Jesus Cristo preferiria entre seus apóstolos aos homens comuns, sendo que dois deles poderiam ser considerados medíocres. Jesus não repudiava a inteligência, ao contrário, mas tampouco desprezava os que não a tinham.

No Livro de Urântia, conta-se que Jesus "ensinou a moralidade, não a moralidade saída da natureza do homem, mas da relação do homem com Deus." Ou seja, o homem solipsista não pode ser bom, pois o homem precisa da relação pessoal com Deus. "A moralidade de Jesus era sempre positiva. A regra de ouro restabelecida por Jesus demanda contato social ativo; a regra negativa mais antiga poderia ser obedecida em isolamento."

Outro dia falaremos sobre a natureza do conhecimento em Platão.

Pinturas de Camões


Forte de Copacabana 1920.


São Cristóvão e Serra dos Órgãos em 1820.

Mais pinturas do Rio Antigo você vê aqui.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Consigne-se

Cesar Maia, o maior representante da direita brasileira, terminou o mandato de prefeito da cidade do Rio de Janeiro ostentando um broche do Partido Comunista.

terça-feira, janeiro 06, 2009

sexta-feira, janeiro 02, 2009

--Você leu esse livro de poesia, A Luta Corporal, do Ferreira Gullar? Uma droga, não é mesmo?

--Sim, tampouco gostei.

--Os temas dele são só o desespero, os versos são livres claro. Reconheço que ele escreve bem, tem talento, mas de que serve se for para escrever sobre temas imprestáveis? Tá tudo uma droga e vai piorar. Ou, como os russos dizem, depois da tempestade, vem a inundação. Digo, ele pensa assim, eu não.

-- Mas você não acha que é um exercício razoável fazer de conta que está tudo ruim, falar da morte, do desejo de que tudo acabe, etc? Grandes autores trataram do desespero.

--Sim, estou por dentro disso. Mas o desespero dele não tem sentido. É um desespero por princípio, não aquele desespero silencioso, que todo homem pode ter, mas que volta e meia passa, se arranjamos algo de bom para fazer e nos dedicar, seja um curso de teatro, filosofia, dança. Parece que para o Gullar o mundo não tem jeito mesmo. Ponto final. Então, por que ele escreve isso?

--Ora, às vezes eles querem se expressar, só isso, jogar o desespero para fora, não sei direito.

--Nem eu sei. Alguns livros eu tenho vontade não apenas de me desfazer deles, mas de queimá-los, sabia?

--Isso inclui o livro do Gullar?

--Talvez, estou pensando no caso dele. Mas, por exemplo, O Manifesto do Partido Comunista é um livro que não quero que ninguém leia, joguei fora, podia ter vendido num sebo, mas joguei fora. Porque não quero que ninguém leia.

--Não seja tolo. O livro é influente, também não morro de amores pelo Marx, mas o livro deve ser lido.

--Por que deve ser lido? Vá lá, sei que é influente, mas acho um crime dar de ler a uma criança, a um jovem imberbe ainda, o Manifesto para ele. Que vá ler Platão, ou Aristóteles.

--E depois, bem depois, o Manifesto poderia ser lido, suponho?

--Supôs bem.

--E o que diria de quem chama isso de autoritarismo? Ou seja, essa tentativa de jogar para debaixo do tapete obras ruins para serem lidas só por gente madura?

--Chamaria de uma atitude platônica, ao invés de autoritária. Platão sabia que o jovem deve ser formado por obras edificantes. Vá lá que ele não gostava dos poetas, sobretudo da imitação tola...

--Eu tampouco gosto, tem imitação que não é tola, é macaquice.

--Foi o que eu disse. Indigna de um ser humano. Eu acho que não é errado você dar a ler ao jovem As nuvens, de Aristófanes, por exemplo, onde o autor satiriza Sócrates do início ao fim. Injustamente até, diria eu. Mesmo assim, é bom contrabalançar asperezas da filosofia com um pouco do senso do ridículo. Mas abusar da inteligência com filosofias pequenas, feito a de Marx, não.

--Pode ser, pode ser.