terça-feira, outubro 23, 2007

O declínio do riso

por Roger Scruton

A razão se mostra em todas as nossas tentativas de entender o mundo e em todas as maneiras de nos relacionarmos uns com os outros. Está presente nas nossas escolhas, e também nas nossas reações involuntárias. Apenas um ser racional é capaz de chorar ou corar, mesmo que essas duas reações estejam fora do alcance de nossa vontade. E apenas o ser racional é capaz de rir. Hienas fazem um som como de riso, mas não se trata na realidade de um sinal de contentamento, nem tem a função social que o riso tem – que é iluminar as nossas diferenças e alegrar-se com o que compartilhamos. O riso não é somente regozijo e satisfação, é a principal maneira de aceitarmos os defeitos de nossos semelhantes. E o riso, embora restrito aos seres racionais, deve ser espontâneo caso se pretenda real. O riso programado é uma espécie de zombaria; a risada espontânea é uma aceitação daquilo que a provoca, mesmo quando, ao rirmos de alguém, quebramos sua auto-confiança.

Uma sociedade que não ri é uma sociedade sem uma válvula de escape importante, e uma sociedade onde não se interpreta o humor bruto como o primeiro passo em direção a relações amistosas, mas como uma ofensa mortal, é uma sociedade onde a vida cotidiana tornou-se perigosa. Seres humanos que vivem em comunidades de estrangeiros necessitam desesperadamente de rir, caso não queiram ver suas diferenças transformadas em guerra civil. Essa foi uma das funções desempenhadas pela piada étnica. Quando poloneses, irlandeses, judeus e italianos competiam por territórios no Novo Mundo para onde haviam fugido, eles se abasteciam com uma reserva de piadas étnicas para rirem de suas manifestas diferenças.

O humor étnico foi estudado com profundidade pelo sociólogo britânico Christie Davies, e suas descobertas – no livro Mirth of Nations – são uma lembrete salutar da facilidade com que as soluções espontâneas criadas pela sociedade podem ser confiscadas pelos censores sem humor que querem nos governar. As piadas e provocações são gestos de conciliação, em que as diferenças se tornam inofensivas, jogadas para escanteio pelo riso. No entanto, em qualquer lugar do mundo moderno uma espécie de vigilância puritana está destruindo a piada étnica, condenando-a como uma ofensa à nossa humanidade. O que tradicionalmente era considerado como uma forma de prevenir conflitos sociais agora é visto como uma de suas principais causas: A piada étnica é acusada de “criar estereótipos,” e então maculada com a indelével pecha de racismo.

Ainda mais reprovável que a piada étnica aos olhos de nossos guardiões morais está a velha comédia dos sexos. Apesar de todo o inventivo labor das feministas, as pessoas comuns notam as diferenças bem reais entre os sexos, e a bastante necessidade de se acomodar essas diferenças e reduzir os conflitos a que elas podem dar ensejo. O humor tem sido o recurso clássico da humanidade para esse propósito, com o homem submetendo-se com graça à sua “melhor metade” e a mulher acatando os editos do “chefe da casa”. Mas quem agora ousaria fazer uma piada sobre relações sexuais ou sobre o temperamento feminino no campus de uma faculdade? Você pode pensar que a censura tem apenas um sentido: Haja vista que denúncias ferozes contra os homens, e disciplinas pseudo-acadêmicas inteiras dedicadas a repetí-las, são traços familiares na vida universitária americana. Mas tente fazer uma piada sobre os defeitos masculinos, e você se verá nos mesmos apuros que se tivesse feito uma piada sobre a fragilidade feminina. Isso porque para as feministas as falhas dos homens não são objeto de riso. Não há surpresa, portanto, no fato de na literatura feminina o humor estar ausente – o que faz bastante sentido, porque se o humor fosse empregado na literatura feminina, ela morreria rindo de si mesma.

Há muitos textos sem piadas na nossa literatura religiosa. O Velho Testamento está cheio delas – pense no aterrador livro de Josué – e o Corão é tão rigidamente sem piadas como qualquer documento que tenha sobrevivido aos esforços da humanidade de trivializá-lo. Mas isso aponta para outra área em que o humor se tornou perigoso. Cristãos, Judeus, ateístas, e Muçulmanos, vivendo lado a lado com aguda consciência das divisões entre si, e precisando desesperadamente da piada religiosa. Pela experiência da Diáspora, vivendo como estrangeiros ou residentes temporários em comunidades que a qualquer momento poderiam se voltar contra eles, os Judeus há bastante tempo têm consciência disso. Como resultado, as tradições rabínicas estão cheias de piadas auto-depreciativas, que sublinham a absurda posição de povo escolhido de Deus, vivendo às margens de um mundo que não sabe que é isso o que eles são. O humor judaico é um dos melhores mecanismos de sobrevivência jamais inventados – que ajudou não somente a sua sobrevivência mas a preservação da identidade judaica, em meio a uma história sem igual de tentativas de apagá-la.

Está claro para mim que precisamos de um repertório de piadas religiosas e do hábito de expressá-las sem temor. No entanto, muitos muçulmanos têm uma susceptibilidade exagerada para sentir-se desdenhados, e mal se pode fazer uma piadinha sequer sobre o Islam que não venha a ser interpretada como expressão de hostilidade. Aqui também os censores trabalham duro, privando a humanidade de sua maneira natural de resolver conflitos, e forçando-nos a adotar todo tipo de cuidados e deferência temerosa que são em realidade muito mais hostis do que uma gargalhada bem dada. É óbvio que religião é um assunto sensível, e a resposta britânica tradicional, de que não se deve jamais mencioná-la em sociedade polida, é compreensível. Mas num mundo em que os artigos de fé são cada vez mais beligerantes, a solução britânica deixou de ser viável. Sátiras do tipo que Molière dirigiu a Tartufo são exatamente o que os mullahs merecem. Satirizando-os, nós acertamos as contas com eles; também distinguimos seu ridículo farisaísmo da branda vereda de acomodação que os muçulmanos querem e precisam.

Um observador de fora não pode deixar de ficar atônito com o declínio deste tipo de humor nos Estados Unidos. Esse recurso humano universal, que nas obras de James Thurber, H.L. Mencken, Nathanael West, e outros grandes expoentes permitiram à América atravessar sem riscos convulsões sociais, e até acomodar a nova mulher americana, agora foi marginalizado ou desaprovado. Uma piada de mau-gosto pode custar-lhe a carreira, como Don Ismus recentemente descobriu – e qualquer piada que fale de raça, sexo ou religião, sofisticada o quanto seja, traz um sério risco de punição. Consequência disso é que um lúgubre silêncio envolve as grandes questões da sociedade americana moderna – um silêncio pontuado aqui e ali pelas histéricas manifestações de falta de humor dos que vêem suas sensibilidades artificiais provocadas.

Que isso é uma situação pouco saudável não é necessário mencionar. Mais deprimente, no entanto, são os efeitos na moral ordinária. No passado, era axiomático que as faltas deviam ser perdoadas se seguidas de clara intenção de repará-las. Esse axioma, ao que parece, não se aplica ao mundo da censura americana. Uma observação julgada “racista”, “sexista”,“estereotipada”, ou “homofóbica”, e você deve deixar o mundo das almas salvas para sempre. É o fim de suas perspectivas em qualquer carreira sobre as quais os censores exerçam controle – e isso significa qualquer carreira na educação ou no governo. Você pode rastejar o quanto queira, como fez Don Ismus; você pode representar o equivalente à peregrinação descalça do rei Henry II a Canterbury, e não fará diferença. Uma falta e você já era.

E não importa que não seja uma falta: Sua observação pode ter sido mal compreendida, sua piada pode ter ganho uma intenção não desejada, você pode ter cometido um ato falho – você pode, como o herói da grande novela de Philip Roth, The Human Stain, ter apenas usado no sentido comum uma palavra a que fora dado contexto político em algum romance.

De mais a mais, a habilidade dos auto-intitulados censores de discernir pecados ideológicos e heresias foi bastante acentuada pelo seu exercício diário de ressentimento. Esses acusadores sabem como distinguir crimes de pensamento racista, sexista e homofóbico na maior sem cerimônia. E eles não conhecem o perdão, porque eles não praticam, tal como todas as pessoas desprovidas de humor, o processo de auto-conhecimento. O desejo de acusar, que traz consigo a reputação de virtude sem o custo de adquirí-la, tomou o lugar da atitude humana habitual de perdoar, criando uma personalidade biônica familiar a todos que tenham tido de lidar com os lobbies que agora controlam a opinião pública na América.

Qual deveria ser nossa resposta a isso? É fácil de dizer que deveríamos rir disso. Mas perder sua carreira não tem graça alguma; menos graça ainda tem ser posto na lista negra da máquina de guerra islâmica. A mim parece que o necessário é uma classe de jornalistas rudes, arrogantes e cultos, que emprestariam apoio uns aos outros ao ridicularizarem a pretensão dos censores.

Nós tínhamos uma classe de jornalistas assim na Inglaterra até há bem pouco tempo. Durante todo o período de domínio das universidades pela extrema-esquerda nos anos 70, jornalistas como T.E. Utley, Peregrine Worsthorne, George Gale e Colin Welch dariam a seus leitores uma cobertura humorística, desrepeitosa e sem rodeios dos novos movimentos intelectuais. Como conseqüência, esses movimentos ganharam controle apenas das universidades e não da opinião pública. Alguns representantes daquela corajosa geração de jornalistas estavam na esquerda, como Alan Watkins e Hugo Young; alguns estavam na direita, como Utley e Worsthorne. Mas na disputa contra os censores eles juntavam forças, unidos no desprezo pela doença puritana. O resultado foi que cada um podia ser rude o quanto quisesse sobre o mar de estupidez que os cercava e ainda arrancar risadas acolhedoras dos leitores.

Infelizmente, a maioria daqueles jornalistas não está mais conosco, e lendo sobre o episódio de Don Ismus na mídia americana, eu imagino o que aconteceria se eles tivessem o seu equivalente por aqui.

tradução: Daniel Lourenço

sábado, outubro 20, 2007

Carta de um bebê

Recomendo o texto Carta de um bebê, no blogue de Leilah Carvalho, com link ao lado.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Quando nada mais resta

por Viktor Frankl. Capítulo do livro O homem em busca de sentido.

Enquanto avançamos aos tropeços, quilômetros a fio, vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente nos apoiamos um no outro, erguendo-nos e arrastando-nos mutuamente. Nenhum de nós pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento que cada um ainda só pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o céu aonde vão empalidecendo as estrelas, ou para aquela região no horizonte em que assoma a alvorada por detrás de um lúgubre grupo de nuvens. Mas agora meu espírito está tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva, que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ouço-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo e - tanto faz se é real ou não a sua presença - seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo. Um pensamento me sacode. É a primeira vez na vida que experimento a verdade daquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintessência da sabedoria, por tantos poetas cantada: a verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana. Compreendo agora as coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - em fé humana: a redenção pelo amor e no amor! Passo a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste neste mundo, pode tornar-se bem-aventurada - ainda que somente por alguns momentos - entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. Pela primeira vez na vida entendo o que quer dizer: Os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita. . .

A minha frente um companheiro cai por terra, e os que vão atrás dele também caem. Num instante o guarda está lá e usa seu chicote sobre eles. Por alguns segundos se interrompe minha vida contemplativa. Mas num abrir e fechar de olhos eleva-se novamente minha alma, salva-se mais uma vez do aquém, da existência prisioneira, para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido: Eu pergunto - ela responde; ela pergunta - eu respondo.

"Alto!" Chegamos ao local da obra. "Cada qual busque sua ferramenta! Cada um pegue uma picareta e uma pá!" E todos se precipitam para dentro do galpão completamente às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme. "Como é, não vão se apressar, seus cachorros imundos?" Dali a pouco estamos no valo, cada um em seu lugar da véspera. A picareta estilhaça o chão congelado, soltando até fagulhas. Nem mesmo os cérebros ainda degelaram, os companheiros continuam calados. Meu espírito ainda se apega à imagem da pessoa amada. Continuo falando com ela, e ela continua falando comigo. De repente me dou conta: nem sei se minha esposa ainda vive! Naquele momento fico sabendo que o amor pouco tem a ver com a existência física de uma pessoa. Ele está ligado a tal ponto à essência espiritual da pessoa amada, a seu "ser assim" (nas palavras dos filósofos) que a sua "presença" e seu "estar aqui comigo" podem ser reais sem sua existência física em si e independentemente de seu estar com vida. Eu não sabia, nem poderia ou precisaria saber, se a pessoa amada estava viva. Durante todo o período do campo de concentração não se podia escrever nem receber cartas. Mas isto naquele momento de certa forma não tinha importância. As circunstâncias externas não conseguiam mais interferir no meu amor, na minha lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada. Se naquela ocasião tivesse sabido: minha esposa está morta - acho que este conhecimento não teria perturbado meu enlevo interior naquela contemplação amorosa. O diálogo intelectual teria sido intenso e gratificante em igual escala. Naquele momento me apercebo da verdade: "põe-me como selo sobre o teu coração... porque o amor é forte como a morte." (Cântico dos Cânticos 8.6).

quinta-feira, outubro 11, 2007

Filmando a grande fraude

por Jefrrey Nyquist

© 2007 MidiaSemMascara.org

O cineasta Robert Buchar está tentando montar um documentário sobre o fim da Guerra Fria e o colapso do comunismo na Europa. O título provisório é “The Grand Deception – Uncertain History.” [A Grande Fraude – História Incerta]. Baseado em entrevistas com ex-agentes de inteligência do bloco comunista, funcionários graduados da CIA e estudiosos, o filme mostra que o colapso do comunismo não foi espontâneo. A diretiva para a mudança veio de Moscou. O “Poder do Povo” nada teve a ver com esse colapso. De acordo com Buchar, “ao longo dos últimos três anos não pude descobrir qualquer órgão da mídia interessado nesse tópico”. “Autoridades”, “especialistas” e âncoras de TV nos diziam, repetidas vezes, que as revoluções no Leste Europeu foram causadas pelo descontentamento popular. De acordo com os partidários do conservadorismo americano, a União Soviética caiu porque Ronald Reagan a derrubou. Não foi bem assim, diz Buchar: “A versão dos eventos apresentada ao público é bastante diferente daquilo que realmente aconteceu”.

Sobre este tema, Buchar entrevistou vários insiders e analistas. O ex-chefe do departamento de contra-inteligência da CIA responsável pelo bloco soviético, Tennent H. “Pete” Bagley [1], contou a Buchar que havia uma obscura mão por trás do colapso do comunismo no Leste Europeu. “Havia uma verdade diferente a esse respeito”, diz Bagley. “[...] e essa é uma verdade que foi tão bem ocultada que eu não sei se um dia sequer virá à tona...”. De acordo com Ludvik Zivcak, um oficial da polícia secreta comunista cuja tarefa foi a de organizar a demonstração que serviu de gatilho à “Revolução de Veludo” [2] na Tchecoslováquia, “Muitas pessoas pensam ou acreditam que, em 1989, houve um levante em massa da nação. Considerando o que eu fiz, ou onde trabalhei, não houve levante algum. Hoje é difícil encontrar quem escreveu o script, mas este não foi escrito nos EUA. Os EUA simplesmente pegaram o bonde quase no final. Assim, o enredo foi escrito, muito mais provavelmente, no Leste Europeu”.

De acordo com o pesquisador dissidente e ex-preso político soviético Vladimir Bukovsky, “a KGB foi parte integrante de toda a perestroika de Gorbachev.” Bukovsky relatou a Buchar que o Ocidente “nunca entendeu o sistema soviético como tal”, falhando ao não compreender “porque era inerentemente agressivo” e perigoso. O Ocidente assinou tratados inúteis com a Rússia, “Como se um pedaço de papel pudesse algum dia deter o monstro.” O Ocidente não entendeu Stalin, nem Khrushchev ou Brezhnev e jamais compreenderia o lado sinistro da ofensiva de paz de Gorbachev. “Deste modo, acreditariam em qualquer nonsense”, enfatiza Bukovsky. “[Acreditariam] até no incrível nonsense de que havia uma disputa entre reformistas e a linha-dura no Politburo e na liderança do PCUS”.[3]

No fim da Guerra Fria, durante a Cúpula de Malta, mantida entre o presidente Bush (pai) e Gorbachev, a seguinte troca de idéias ficou registrada para a posteridade: o então Secretário de Estado James Baker levantou a questão de defender os valores ocidentais e os russos ficaram perturbados e agitados. O presidente George H. W. Bush interveio com um comentário decisivo: “Vamos evitar palavras descuidadas e outras discussões sobre ‘valores’. Do fundo de nossos corações, saudamos as mudanças vindouras”. Isso era tudo que os russos queriam ouvir. Valores americanos e ajuda na queda do comunismo não eram bem-vindos porque a KGB estava montando a sua própria versão de democracia e a sua própria versão de capitalismo.[4] Bukovsky interpreta esse diálogo da seguinte maneira: “Gorbachev simplesmente disse a Bush que mudaria completamente os regimes na Europa Oriental... e que pedia seriamente aos EUA e aos seus aliados ocidentais que não se envolvessem. Para não criar mais problemas, porque era uma transição muito frágil, um período muito delicado, etc. “Nós as faremos [as mudanças], não se preocupe, só não se meta. Não estrague tudo”. E Bush não se meteu.

Portanto, as mudanças foram iniciadas a partir de Moscou e aos EUA foi dito que ficassem de fora. Era um assunto da KGB administrar o colapso do comunismo, e agora vemos – mais claramente do que vimos em 1991 – para onde esse colapso nos levou. A atitude européia mudou para uma posição de confrontação à política externa americana. Para nossa consternação, um alto oficial da KGB é o presidente da Federação Russa. Ex-agentes e funcionários das polícias secretas comunistas são os líderes de muitos dos países “ex-membros” do Pacto de Varsóvia. A opressão da dissensão é levada a cabo ao estilo dos assassinatos entre gangues (tal como nas mortes de Anna Politkovskaya e Paul Klebnikov). O encarceramento de dissidentes é conduzido sob pretextos legais. O jornalista e político tcheco Jan Stetina disse a Buchar que: “Depois de alguns anos ficou claro que o termo ‘queda do comunismo’ não reflete a realidade. O entusiasmo não durou muito e eu diria que hoje estamos num estado de desilusão”. O dissidente e ex-prisioneiro político tcheco Petr Cibulka explicou: “Eu fui solto da prisão em 17 de novembro de 1989 e durante as duas primeiras semanas eu acreditei que estavam acontecendo mudanças. Mas bastaram apenas mais algumas semanas para que eu percebesse que as mudanças eram apenas cosméticas, mudanças de cenário; que o poder continuaria nas mãos dos comunistas e que eles não precisavam se preocupar quanto a perder o que quer que fosse”. Cibulka declarou ainda: “Isto não é uma revolução, mas outra trapaça comunista”.

O ex-prisioneiro político tcheco Vladimir Hucin relatou a Buchar: “Eu assinei a Carta 77 [5] depois de solto da prisão em 1986. Quando mais tarde eu tive acesso a documentos dos arquivos da STB (polícia secreta comunista), descobri quantas pessoas da Carta 77 estiveram envolvidas com a STB, quantos agentes a STB tinha nesse grupo. Isso foi um grande desapontamento para mim”. Conforme o historiador tcheco Pavel Zacek confirmou a Buchar: “A STB funcionou com muita eficácia. Eles se infiltraram em todos os grupos regionais de oposição. Eles manobraram de modo a colocar seus agentes nas principais posições de liderança do Fórum Cívico, além de recrutarem novos agentes entre os quadros dos partidos social-democratas populares da Tchecoslováquia. Não foram encontrados documentos sobre como essa operação foi conduzida...”.

Robert Buchar é um cineasta da Tchecoslováquia e que de lá fugiu em 1980, indo para os EUA em 1981. Trabalhou como operador de câmera para a rede de TV CBS e, desde 1990, ensina cinematografia no Columbia College, em Chicago. Em 1999 produziu o documentário Velvet Hangover [Ressaca de Veludo], que foi transformado em livro em 2003, sob o título Czech New Wave Filmmakers in Interviews [Novos Cineastas Tchecos em Entrevistas]. “Foi o trabalho que fiz para esse livro que me levou à idéia de rodar um filme”, explicou Buchar. “E foi o ex-dissidente e prisioneiro político tcheco Petr Cibulka quem me convenceu a fazê-lo quando me disse: ‘Se você não fizer o filme, ninguém mais o fará’. Assim, comecei a trabalhar neste documentário ‘The Grand Deception – Uncertain History’ em 2004 e finalizei a fotografia principal em junho de 2007. Estou editando entrevistas, mas está tudo parado, pois preciso levantar dinheiro para comprar imagens de arquivo de noticiários da época para terminar o filme. Talvez eu tenha de publicar o livro antes de acabar o filme”.

Na qualidade de ex-cidadão da Tchecoslováquia comunista, o que Buchar aprendeu dessas entrevistas? “De antemão, você tem uma idéia desse evento”, diz Buchar, “e essa idéia muda quando você ouve todos os detalhes descritos por testemunhas oculares. E então, é claro, ao ligar os pontos de diferentes lugares, você é levado a um quadro terrificante e a uma conclusão que me preocupa. As pessoas normalmente me olham de um jeito estranho quando digo que decidi fugir do meu país, porque, lá pelo final dos anos 70, eu cheguei à conclusão de que o processo de mudança do sistema já estava em curso e quando acontecesse de verdade seria orquestrado desde dentro, com um resultado predeterminado e inaceitável para mim. Eu só não imaginava que aconteceria tão cedo. Eu imaginava mais uns dez anos para que acontecesse”.

Os leitores podem estar curiosos quanto ao que Buchar pensa a respeito da reação ocidental ao colapso do comunismo. “Bem…”, diz ele, “uma coisa que eu aprendi e da qual eu não estava nada ciente antes – é o nível de incompetência da CIA no que diz respeito ao seu grau de compreensão do sistema comunista, do modo de operação nos países do Bloco Oriental; uma incompetência que ignorava a importância da ideologia e o nível da infiltração soviética na própria agência. É algo parecido ao que Bill Gertz chama de mentalidade ‘antianticomunista’ [contrária ao anticomunismo] na CIA. Isso foi realmente chocante para mim”.

© 2007 Jeffrey R. Nyquist

Publicado por Financialsense.com

Tradução: MSM

[1] Ver CIA: Mito e História

[2] NT: A expressão "Revolução de Veludo" foi cunhada por jornalistas após os acontecimentos, aceita pela mídia mundial e em seguida, usada pela própria Tchecoslováquia.

[3] NT: Liderança do Partido Comunista da União Soviética, órgão colegiado e composto por muitos membros, dentre os quais eram escolhidos os membros do Politburo. O Politburo sempre contou, necessariamente, com membros da KGB e esteve sempre acima do comando das forças armadas soviéticas.

[4] Ou seja, captação de pesados investimentos estrangeiros, especialmente europeus, em petróleo e gás, e a máfia russa, desde sempre controlada pela KGB.

[5] Charta 77 (em Tcheco e Eslovaco) foi, nominalmente, uma iniciativa cívica informal na Tchecoslováquia, de 1977 a 1992, cujo nome deriva do documento Carta 77, de janeiro de 1977. Os seus membros fundadores e arquitetos foram Václav Havel, Jan Patočka, Zdeněk Mlynář, Jiří Hájek, e Pavel Kohout. Depois da “Revolução de Veludo” de 1989, muitos de seus membros desempenharam papéis importantes na política tcheca e eslovaca.

Verdade inconveniente com reservas

Juiz britânico admite que o filme Verdade inconveniente seja exibido em colégios britânicos, porém os alunos deverão ser avisados de que ele contém nove mentiras. Um pai de um aluno entrara na Justiça pedindo a proibição da exibição do filme. O juiz considerou que o filme tem viés político, porém limitou-se a mandar que as mentiras do filme sejam identificadas para os alunos.

ver reportagem em: http://www.dailymail.co.uk/pages/live/articles/news/news.html?in_article_id=486969&in_page_id=1770

terça-feira, outubro 02, 2007

True Outspeak

Quem quer que queira entender algo do que acontece no Brasil e no mundo, escute ao programa de rádio do jornalista brasileiro Olavo de Carvalho. O link é esse: www.blogtalkradio.com/olavo. O programa é transmitido pela rede.