segunda-feira, agosto 25, 2008

O real, o ideal e o verdadeiro

Conversando com amigos no carro, eles me contaram de um professor estrangeiro que não conseguia admitir a equivalência entre o real e a verdade. Cria ele que a verdade não podia ser o real tendo em vista que uma operação matemática é verdadeira sem ser real. A matemática está no plano ideal.

A crise enfrentada pelo professor decerto não é nova mas nem por isso difícil de ser resolvida. Para esse fim, é preciso considerar a verdade como um conjunto que compreende tanto o subconjunto real quanto o subconjunto ideal da matemática. Sendo assim, a verdade inclui o real e o transcende para compreender também o ideal matemático. O real, portanto, é a verdade, embora a verdade não seja o real.

Sendo assim, o papel e o lápis com que escrevo, essa presença real ululante à minha frente, são tão verdadeiros quanto dois mais dois dão quatro.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Nossismo

"Mas foi Pedro Rego quem ensinou a Dorival uma visão prática do Comunismo. “Pedro Rego, que ficava ali pelo Terreiro de Jesus, varejando os estudantes de Medicina, era um embiritado, um maluco, um tipo de rua, meio filósofo. Ele criou a teoria do nosso, o Nossismo. Certa vez, Dorival estava acompanhado de um amigo estudante de Medicina, quando Pedro Rego, que já tinha cabelos brancos mas conservava uns olhos travessos, declarou: “Acabei de nossificar cinco mil-réis”. O Nossismo queria dizer que se algo pertence tanto a você quanto a mim, então é nosso. Ou como resumia seu criador: “O que é meu é seu, é nosso”. “Eu sempre achei linda essa teoria do Pedro Rego. Ele sabia que todo estudante tem mesada, e o melhor lugar para praticar o Nossismo era nas mesadas”. – analisa o compositor. A verdade é que Pedro Rego não tinha nada de seu e não queria nada dos outros exclusivamente. Mas que o delegado não o ouvisse!"

Caymmi, Stella. Dorival Caymmi, o mar e o tempo (São Paulo: Editora 34, 2001)

domingo, agosto 17, 2008

Recordações de Caminha, Carvalho e Brito

"De manhã, pus-me a recapitular todos esses episódios; e sobre todos pairava a figura inflada, mescla de suíno e de símio, do célebre jornalista Raul Gusmão. O próprio Oliveira, tão parvo e tão besta. tinha alguma coisa dele, do seu fingimento de superioridade, dos seus gestos fabricados, da sua procura de frases de efeito, de seu galope para o espanto e para a surpresa. Era já o genial, com quem viria travar conhecimento mais tarde, que me assombrava com o seu maquinismo de pose e me colhia nos alçapões de apanhar os simples. E senti também que o espantoso Gusmão e o bobo Oliveira me tinham desviado da observação meticulosa a que vinha submetendo o padeiro de Itaporanga. Achava extraordinário que um varejista de um vilarejo longínquo cultivasse e mantivesse amizades tão fora do seu circulo; não se explicava bem aquele seu norteio para os jornalistas, a especial admiração com que os cercava, o carinho com que tratava todos.

No teatro e na rua, cumprimentou mais de uma dezena deles e apontou-me, sem lhes falar, uma dúzia de outros. É de tal jornal diário, dizia; é de tal semanário; “faz guerra, faz marinha”... Conhecia minuciosamente toda a vida jornalística. Informava-me sobre os nomes dos redatores, dos proprietários, dos colaboradores; sabia a tiragem de cada um dos grandes jornais, como a de cada semanário de caricaturas... Havia nisso uma mania pueril ou o que era? Não se manifestava homem de leituras, político ou dado às letras; não lhe senti a mais elementar preocupação intelectual; todo ele me pareceu convergindo para os negócios, para as coisas de dinheiro, especulações... Por isso, a sua jovialidade e sociabilidade não impediram que, aqui e ali, repontassem em mim alguns propósitos sobre a sua honestidade."

Barreto, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha.

Percebe-se nesse trecho o quanto o escritor Lima Barreto influenciou Olavo de Carvalho. No início de sua carreira como colunista político Olavo usava e abusava de expressões como "fingimento de superioridade", afetação, maneirismos, presunção, nas quais se enxerga a nítida influência do Lima Barreto de Recordações. O mestre da filosofia disse em uma aula a que assiti que lera toda a obra de Lima Barreto antes dos vinte anos de idade. Lembrando de sua vida e morte trágicas, Olavo confidenciara que dissera a si mesmo então que não deixaria o Brasil vencê-lo, como o fizera este com Lima Barreto.

A lamentar no escritor de boas histórias é o abuso dos advérbios, sobretudo os terminados em 'mente' - de que o trecho escolhido não dá mostra -, os quais na língua portuguesa "pesam", conforme nos contava outro mestre, esse da área de tradução, o falecido Daniel Brilhante de Brito.

quarta-feira, agosto 13, 2008

"Por isso o exercício intelectual no tempo de Machado consistia, e nisso pouco mudamos, em fazer de conta que se pensava, em fingir-se que se admirava a inteligência, quando, em verdade, dela se fugia mais que o diabo da cruz."

Luiz Costa Lima, no ensaio O palimpsesto de Itaguaí.

terça-feira, agosto 12, 2008

Uerj contra as mulheres

Começou a vigir na Uerj uma norma que permite travestis de usar o banheiro feminino. Ontem uma jornalista fez uma reportagem televisiva no andar da minha faculdade; aproveitando o fato de não haver aula na sala, a jornalista, carregando um travesti a tiracolo, fabricou as cenas do travesti conversando com alunos da minha turma, que se prestaram ao papel. Muito bem.

Um travesti não é identificável apenas pelo aspecto físico. É sobretudo pela sua atitude sexual, de fazer sexo com homens. Isso significa que qualquer homem pode agora se vestir de mulher e ingressar no banheiro feminino. Fica a pergunta: Quem vai impedir um tarado de fazê-lo? Como acusá-lo de ser heterossexual e não homossexual?

Pênis agora dividirão o espaço do banheiro feminino com as mulheres. E o que era uma diferença biológica dá lugar a uma atitude sexual de impossível comprovação.

domingo, agosto 10, 2008

Ficar ou não ficar?

Ficar ou não ficar - eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
a dor da fome perpetrada pelo estômago feroz
Ou pegar em guloseimas preparadas pelo amigo fiel -
E, combatendo-a, dar-lhe fim? Comer; dormir;
Só isso. E com a repleção - dizem - extinguir
os roncos na barriga e as mil azias naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Comer - ir -
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
O lamento de não ter interpretado Hamlet
Quando tivermos escapado ao tumulto teatral
Nos obrigam a decidir: e é essa reflexão
Que dá à aventura uma vida tão intensa.
Pois quem suportaria a melancolia e a hesitação de Hamlet,
A afronta do rei, a fome das dez da noite,
furar um compromisso à casa do amigo, as delongas dos lanchinhos,
A ingenuidade de Ofélia, e o desfecho molhado
Que o mérito paciente recebe da chuva forte,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples mingau? Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida de ator,
Senão porque o arrependimento de alguma coisa após ter ido -
O personagem não interpretado, de cujos atributos
Jamais conheceu nenhum glutão - nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar o Hamlet que já temos,
ao jantar na casa do amigo?
E assim a reflexão faz de todos nós decididos por ficar.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma na firme vontade de representar o ser-ou-não ser.
E empreitadas de vigor e coragem,
Bem refletidas, saem do caminho do vou-me-indo
e ganham o nome de decisão

Para Marcio, que vai entender muito bem.

A Bia, parabéns pela interpretação de Polônio.

Aos outros amigos, obrigado pela ótima noite em que lemos Hamlet.

terça-feira, agosto 05, 2008

To the worm that first gnawed the cold flesh of my dead body I dedicate in remembrance this posthumous memory.

To the reader

That Stendhal had confessed he wrote one of his books to one hundred readers, it is something that wonders and dismays. What will not wonder, nor probably dismay is if this other book won't have the one hundred readers of Stendhal, nor fifty or twenty, but ten for maximum. Ten? Maybe five. In fact, it's a diffuse work, in which I, Brás Cubas, if adopted the free form of a Stern, or of a Xavier de Maistre, possibly I put in some pessimism marks. Possibly. Work of a dead guy. I wrote it with the jest's feather and the melancholy's ink, and it is not hard to foresee what can come out from this marriage. You can add that the grave people won't find the semblance of a pure romance in the book, and the frivolous people wont't find the usual romance in it, which are the two maximum columns of opinion.

But I still hope to gather the appreciation of the opinion, and the first step is to escape from an explicit and long prologue. The best prologue is the one that contains less things as possible, or the one which tells them in an obscure and tightened manner. Therefore, i avoid to tell the extraordinay process used in the composition of this Memories, worked out here in the other world. It would be funny, but overmuch extense, and by the way desnecessary to the understanding of the work. The work in itself is everything: if it pleases you, dear reader, then my job is done; if it does not, I flick you, and good bye.