quinta-feira, abril 24, 2008

Nelson Rodrigues entrevistado por Otto Lara Resende



"O maior acontecimento do século vinte é a rebelião do cretino fundamental." Está na parte 2, não perca. Mas a melhor mesmo está na parte 3. Otto pergunta:
--O nome do seu livro, O Reacionário, é uma técnica de publicidade?
Responde Nelson:
--É uma técnica de sinceridade.

A Webb of Lies

por Wendy McElroy

Appeared in The Free Market, Volume 18, Number 2 (February 2000)

In The Foundations of Leninism, Stalin declared “For the overthrow of the bourgeoisie, we must have the efforts of the proletarians of several advanced countries.” What he secured instead was the slavish devotion of Western intellectuals who claimed to represent the proletariat: left intellectuals. With some exceptions, these apologists either ignored or adamantly denied the atrocities of Stalinism. In doing so, they became accomplices to the bloodbath that was Soviet communism; that is, Marxism as popularized by Lenin.
The carnage was inevitable. Soviet communism openly advocated using violence in order to create the “new Soviet man”—an evolved human being whose nature would conform to a collectivist ideal. This man, multiplied by millions, would constitute a brave new society dedicated to a common goal and acting as though directed by a single will. In short, Soviet communists wanted to reprogram human nature.

But how? Marx contended that a man who had grown up in isolation would not be a human being. By contrast, a man shipwrecked alone would be human because of his prior socialization. He would have already been exposed to language, reasoning, art...all the factors that create “humanity.” In essence, Marx argued that human beings are social constructs. Ludwig von Mises described the Marxist view of individual man, “The notion of an individual, say the critics, is an empty abstraction.” To fill this abstraction, to mold it into an ideal man, it was necessary to control absolutely the society that would define him. If he resisted redefinition, he could be eliminated.

The attempt to speed up and direct evolution was doomed. To no avail, classical liberals explained that a man who developed in isolation would remain a human being with human characteristics. For example, he would have a scale of preferences and act to achieve the highest one first. True, without social interaction, much of his potential would never develop. For example, he was unlikely to develop language skills. If he were placed within a society, however, these potentials might emerge. But if they did, the development would be possible only because of his inherent nature as a human being. Not because a collective defined them into existence. Thus, instead of evolving a new man to fit a political ideal, classical liberals adopted a political approach (natural rights) that fit human nature. Their ideal society required few controls.

As implausible as the new Soviet man might seem, left-wing radicals in the West applauded the Soviet Experiment. They clearly believed Trotsky’s description in Literature and Revolution: the “average human type” under communism would be the equal of Aristotle and “above this ridge new peaks” of humanity would rise. Among the loudest voices cheering were the prominent British socialist utopians, Sidney and Beatrice Webb.

In 1932, the Webbs traveled to Russia. This was the same year that Stalin directed a campaign of genocide against the kulaks—the millions of farmers, largely Ukrainian, who refused to be collectivized. When shooting them proved too slow, Stalin created a famine by sealing off roads and railway lines. Then the kulaks were stripped of all food, fuel, farm animals, and seed for planting. The death toll is estimated variously from six to ten million people.

The Webbs toured the Ukraine during the height of the famine (1932–1933), interviewing Soviet officials as they went. They concluded that anti-communists had invented the famine. The Webbs’ two-volume book Soviet Communism: A New Civilization (1935) repeated the claim: no famine had occurred, planned or otherwise.

Malcolm Muggeridge, a correspondent for the Manchester Guardian, also toured the Ukraine in 1932– 1933, but he strayed from the pre-packaged Soviet itinerary. He called the famine “the most terrible thing I have ever seen” and claimed that “all the correspondents in Moscow were distorting it.” He described the Webbs’ response to him. “The Webbs were furious. Mrs. Webb in her diary says, ‘Malcolm has come back with stories about a terrible famine in the USSR. I have been to see Mr. Maisky (the Soviet ambassador in Britain) about it, and I realize that he’s got it absolutely wrong.’ Who would suppose that Mr. Maisky would say, ‘No, no, of course he’s right’?”

Muggeridge continued, “My wife’s aunt was Beatrice Webb. And so one saw close at hand the degree to which they all knew about the regime, knew all about the Cheka (the secret police) and everything, but they liked it. I remember Mrs. Webb, who after all was a very cultivated upper-class liberal-minded person, an early member of the Fabian Society and so on, saying to me, ‘Yes, it’s true, people disappear in Russia.’ She said it with such great satisfaction that I couldn’t help thinking that there were a lot of people in England whose disappearance she would have liked to organize.” The Webbs staunchly supported Stalin through the Great Purge, the show trials and even the Hitler–Stalin Pact.

If the former USSR has any lessons for the world, they are in danger of being lost. The objective histories that should have been written remain blank pages. The wall of denial from the left continues. For example, Walter Duranty—the New York Times correspondent who won a Pulitzer Prize for his reports on Russia—also dismissed the famine as propaganda. To this day, the Times has not issued a retraction.

Meanwhile, a double standard is applied to Russia. As bombs devastate Chechnya, Clinton and much of the media look away. The chaos and collapse of Russia is ascribed to “failed capitalism” or to a drunken Yeltsin, not to the ruinous decades of totalitarianism. No wonder Soviet communism threatens to regain popularity among the Russian people. Left-wing radicals have betrayed working people by refusing to confront the failure of the “Soviet Experiment.” Some of them do it with silence, others with words that lie. In both cases, they deny to the dead the right to be mourned. And to the living, the need to remember.

Wendy McElroy escreve no site wendymcelroy.com

segunda-feira, abril 21, 2008

Nelson Rodrigues em Asa de Borboleta e Bárbara Heliodora

Leio no blog Asa de Borboleta um texto de Nelson Rodrigues. A autora teceu alguns comentários. Eu teço os meus. Vamos ao texto e depois aos comentários.

"Hoje, o sujeito vai ver uma peça e tem vontade de pedir como o Hélio Pellegrino: - 'Seja burro, meu amigo, seja burro!'. Não falo por ouvir dizer. Nos últimos tempos, tenho sofrido, na carne e na alma, experiências trágicas. As minhas peças Viúva porém honesta, Os sete gatinhos (a última virgem) e por fim O beijo no asfalto foram encenadas e todas por diretores inteligentíssimos.

Notem: - inteligentíssimos. E foi o mal, o grande mal. E há uma coincidência: - todos diretores paulistas. Por isso quero crer que, hoje, o teatro mais inteligente do Brasil é o de São Paulo. Há, nos palcos de lá, uma rapaziada feroz que reescreve qualquer texto. Que faça isso comigo, vá lá. Quem sou eu, senão um autor modesto, de uma bem-intencionada mediocridade? Portanto, é talvez justo que um diretor paulista sapateie em cima dos meus textos como uma bailarina espanhola. Mas ele fará o mesmo com Sófocles, Shakespeare, Ibsen, etc. etc.

(...)Em suma: - querem assassinar a palavra, e a pauladas, como se ela fosse uma gata prenha. Portanto não existe mais um único e escasso grego, não existe mais um único e escasso Shakespeare, não existe mais ninguém. Quem existe é a rapaziada de São Paulo. Vamos admitir que o teatro existe desde que se esboçou o primeiro gesto humano ou o homem disse a sua primeira palavra. Portanto, é essa tradição de 1 milhão de anos que os diretores paulistanos estão liquidando. é como se alguém afastasse com o lado do pé uma barata seca.

Se o jovem diretor não fosse inteligente, preservaria o texto, e seria fidelíssimo ao texto. E então o público veria O beijo no asfalto, e veria Nelson Rodrigues. Desgraçadamente, estamos diante da inteligência. De intérpretes inteligentíssimos. De contra-regras inteligentíssimos. De bilheteiros inteligentíssimos. Todos estão autorizados a improvisar. Por enquanto, sou eu. Mas quando for um Shakespeare? Façam idéia de um Otelo em arrancos triunfais de cachorro atropelado; e vociferando: - 'Vou-te às fuças!'. Mas esta paródia já fazia Dercy, há trinta anos, com seu maravilhoso histrionismo.

E cabe uma dúvida: - querem acabar com a palavra. Mas acabar com o que não existe? o teatro brasileiro não chegou à sua palavra, não inventou a sua língua. Está certo que o francês faça algo parecido. Já realizou infinitas variações com a sua música verbal. A prosa francesa pensa pelos seus autores e faz os seus autores. Escrevendo aqui, na pobre língua que não temos, Valéry seria talvez nosso J.G. de Araújo Jorge. Primeiro, vamos fazer a nossa Palavra para assassiná-la, depois, com rútilas patadas." (crônica publicada no jornal O Globo em 17/01/1970, republicada em O Reacionário, páginas 125/126, Ed. Companhia das Letras, 2002, São Paulo)

Náo sei se em São Paulo ainda é assim, mas aqui no Rio é. Vejam, essa peça Otelo de William Shakespeare, que foi montada à maneira clássica, não recebe indicação do jornal O Globo enquanto a peça de Chico Buarque por óbvio sim. A mera apresentação de uma peça de William Shakespeare é um evento. Não é nem o caso de a peça ter sido mal montada. Ah, quero dizer que não sou contra reinterpretações, revisões, etc. Isso pode ser muito saudável e até dar um sopro de vitalidade à obra clássica. Por exemplo, o filme Hamlet(não sei quem foi o diretor, mas o ator que intrepretava Hamlet era Ethan Hawke e Polônio foi interpretado por Bill Murray) teve um ótimo resultado substituindo o cenário do reino da Dinamarca por uma grande corporação moderna. O filme Otelo, onde o personagem Otelo não é um general mas chefe da polícia de Londres, também foi bem feito. Pois então, não sou contra revisões, relativizações, mas o relativismo tem que ser feito com conhecimento de causa, com conhecimento do clássico. Só com o fundamento você pode "viajar" depois. Uma casa precisa do alicerce antes de chegar ao telhado. Agradeço à autora do Asa de Borboleta, que aliás se bem me lembro foi o primeiro blog que visitei, pelo texto. E recomendo o blog da Bárbara Heliodora que entra em ativa na próxima semana na revista Bravo. Quem já assistiu a uma palestra da Bárbara, sabe que valerá a pena o blog. A mulher tem tanta autoridade que se ela mandar alguém calar a boca, é impossível a pessoa dizer não, restando apenas obedecer.

Tlön, Urântia, Borges, Deus

por Yuri Vieira

“Não rir, não lamentar, nem detestar, mas compreender.” Baruch Espinosa

Em 1941, Jorge Luis Borges publicou El Jardín de los senderos que se bifurcan e, neste livro, o conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, que mais tarde também apareceu em Ficciones(1944). O conto narra, de início, as supostas peripécias de Borges e de seu amigo Bioy Casares, outro conhecido escritor argentino, em busca do porquê de o verbete “Uqbar” constar na enciclopédia deste último mas não no volume correspondente da de Borges. Uqbar, segundo a Anglo-American Cyclopaedia, seria um país localizado na Ásia Menor, com sua própria história, geografia, literatura, língua, etc. O termo Tlön surge aí pela primeira vez, relacionado a uma “região imaginária” presente com certa freqüência nas epopéias e lendas de Uqbar. No entanto, por mais que os dados do verbete tragam certa verossimilhança, a tal enciclopédia não lhes parece senão uma falaz reprodução da Encyclopaedia Britannica(1902) — certamente criada com o único intuito de divulgar semelhante fraude. Afinal, além desse país não ser mencionado por nenhum atlas oficial, a estranha história de Uqbar e Tlön leva-os tão somente a infrutíferas pesquisas. Assim, anos mais tarde, ainda segundo o próprio conto, tendo esquecido o assunto, o narrador descobre entre os pertences do engenheiro inglês Herbert Ashe — um amigo de seu pai, falecido havia pouco — um livro de 1001 páginas intitulado A First Encyclopaedia of Tlön. vol. XI em cuja primeira página se vê um “óvalo azul” com a inscrição: “Orbis Tertius“. E não pára aí. Aos poucos, toda uma enciclopédia sobre o planeta Tlön vem à luz, magnetizando as atenções gerais. Sim, ao invés de um único verbete perdido numa enciclopédia comum, despontam, ao redor do globo, volumes e mais volumes de uma enciclopédia tratando unicamente da vida num estranho planeta. Borges, então, passa a descrever detalhes minuciosos das crenças, da ciência, da filosofia, da psicologia, da história, da literatura, enfim, dos mais diversos âmbitos da vida inteligente de Tlön. E avisa: com o correr dos anos, todo esse conteúdo chegou a afetar a humanidade a tal ponto que nosso mundo simplesmente passou a ser Tlön, uma vez que, nas escolas, nas universidades e na vida cotidiana, a Terra deixou de ter qualquer importância, não se estudando, respeitando ou vivendo senão os aspectos e atributos desse novo orbe: “El contacto y el hábito de Tlön han desintegrado este mundo”. E então, sem deixar de lembrar que no latim inventar e descobrir são sinônimos, Borges indaga: “¿Quiénes inventaron a Tlön?”

Em 1997, recebi em meu apartamento, na Universidade de Brasília, a visita de uma amiga que me apresentou um livro de 2100 páginas, em inglês, com três círculos azuis concêntricos na capa e o título The Urantia Book. Comecei a folheá-lo distraído e, sem que me apercebesse, acabei virando a noite sobre ele. Quando finalmente me senti cansado, o sol já dourava o lago Paranoá. Minha inclinação pela literatura de cunho fantástico não me permitiria outra atitude: tive a sensação de estar com o Graal dos livros de literatura fantástica em minhas mãos. Do que tratava? Bem, a mera leitura de seu índice me causou vertigens, haja vista suas 59 páginas. Sim, 59 páginas apenas de sumário. Havia capítulos e seções com títulos tais como: “Os níveis espaciais do Universo Mestre”, “O circuito de gravidade mental”, “Os sete Superuniversos do Espaço-Tempo”, “Os mundos Vorondadec”, “A respiração do espaço”, “A energia, a mente e a matéria”, “Os ultimátons, os elétrons e os átomos”, “As Personalidades do Universo Local”, “As sedes centrais das constelações”, “As hostes seráficas”, “A união trinitária da Deidade”, “A natureza da Ilha Eterna”, “Os domínios do Absoluto Não Qualificado”, “O sistema Paraíso-Havona”, “Os artesãos celestiais”, “O superuniverso de Orvonton”, “As Esferas Arquitetônicas”, “Os Serafins Transportadores”, “Os Sete Espíritos Reitores”, “O Espírito Materno do Universo”, “A estabilidade dos sóis”, “A origem dos mundos habitados”, “Os manipuladores da energia”, “Tipos físicos planetários”, “Os mundos dos que não respiram”, “As criaturas volitivas evolucionárias”, “A rebelião de Lúcifer”, “A origem de Monmátia - o sistema solar de Urântia”, “Os níveis da realidade no Universo”, “A associação terciária transcendental da realidade”, “O conceito filosófico do EU SOU”, “A supervisão da evolução”, “O fim da idade dos répteis”, “A origem das raças de cor”, “Os Príncipes Planetários”, “Os Adãos Planetários”, “Os sete Mundos das Mansões”, “O governo de um planeta vizinho”, “Dalamátia — a cidade do Príncipe”, “Os edenitas entram na Mesopotâmia”, “Os adanitas entram na Europa”, “A encarnação de Maquiventa Melquisedec”, “A verdadeira natureza da religião”, “A ciência e a religião”, “A finalidade do destino”, “As auto-outorgas de Cristo Miguel”, “A viagem de Jesus a Roma”, “O significado da morte na cruz”, “O totalitarismo secular”, “O problema do cristianismo”, “O futuro”… Eu lia trechos e mais trechos de arrepiar os cabelos, como, por exemplo, a informação de que, na sede central do Universo Local, mais de um bilhão de seres materiais, “moronciais” e espirituais assistiram, ao vivo, juntos e embasbacados, no anfiteatro em torno ao “Mar de Cristal”, ao martírio e à crucificação do Soberano de Nebadon no mísero planeta Urântia, um dos planetas isolados pela rebelião de Lúcifer, que havia sido escolhido previamente como cenário para a experiência material de seu próprio Criador. Sim, o livro narra a vida de Jesus na Terra — Urântia — sem saltar um dia sequer… Embora a princípio tudo se assemelhasse à mera explanação da excêntrica doutrina de mais uma possível seita de fanáticos cristãos, eu lia aquelas páginas como quem se depara com o guia do mais vasto, completo e coerente mundo de Role Playing Game. O texto parecia elaborado por uma equipe de seis Jorges Luises Borges e quatro J.R.R.Tolkiens juntos. E, no correr dos últimos onze anos, tal impressão não se desvaneceu, ao contrário, amplificou-se, uma vez que uma coesa unidade de conceitos e princípios perpassa toda a obra. O responsável por aquilo tudo não há de ter sido nenhum idiota. A obra traz conhecimentos avançados sobre teologia, religião comparada, filosofia, antropologia, sociologia, política, física, astronomia, biologia e, ousarei dizer?, história. Até mesmo o prêmio Nobel de química Kary Mullis publicou artigos confessando sua surpresa diante de dados científicos exatos apontados pelo livro com décadas de antecedência. Na minha singela opinião, ou o livro é resultado de toda uma vida de elucubrações espantosas — a obra dum anônimo e delirante gênio — ou é a evidência de que alguma sociedade secreta decidiu entrar para valer na guerra cultural que assolou todo o século XX e que continua a agir por trás de todos os grandes conflitos deste novo milênio. As alternativas me assombram. Principalmente porque há também a opção — nem um pouco impossível, vale lembrar — defendida pelo próprio livro: trata-se da “Quinta Revelação Epocal”. Quem enfim teria inventado (descoberto?) O Livro de Urântia?


Escreveu Borges: “¡Oh dicha de entender, mayor que la de imaginar o la de sentir!” Sim, a vida interior é detentora dos maiores prazeres. E nada excita mais o intelecto do que um complexo quebra-cabeça, por mais esdrúxulo e improvável que ele pareça. Tal quebra-cabeça pode ser, o que é muito comum, uma mulher. Ou, quem sabe, o sentido da vida. Ou um livro sem autor. A descoberta de uma resposta pode vir a ser um verdadeiro orgasmo psíquico. Ou não, depende do valor dessa resposta. Há sempre a possibilidade de uma ejaculação precoce ou de uma simples e frustrante broxada. Borges descreve assim a descoberta do primeiro volume da enciclopédia sobre Tlön: “Numa noite do Islã, que se chama a Noite das Noites, abrem-se de par em par as secretas portas do céu e é mais doce a água nos cântaros; se essas portas se abrissem, eu não sentiria o que senti naquela tarde.” Foi assim que me senti ao ter O Livro de Urântia nas mãos pela primeira vez. Por mais cético que um homem seja — e Borges, apesar de seu gosto literário, era um cético — nada poderá satisfazê-lo mais do que a revelação de que a Terra não está só no cosmos. A não ser, é claro, a comunhão plena com outro indivíduo. Porque há de fato gente que passa pela vida sem jamais ter seu coração minimamente tocado por outra pessoa. Há gente que vive como um planeta sem sistema a flutuar solitário, carente de sol, no negro infinito. Ninguém a comove, ninguém a aquece. Ser amado é mais fácil que ser compreendido; mas certamente não há compreensão real sem amor. Henry Miller foi apaixonado por June e pela vida desde o início, mas talvez só as tenha compreendido de verdade ao encerrar sua Crucificação Encarnada, a trilogia formada pelos romances Sexus, Plexus e Nexus, na qual exercita sua capacidade de amar a… a criação literária. Foi nesta trilogia que li, pela primeira vez, uma apologia a Oswald Spengler (1880-1836), polêmico filósofo e historiador alemão, que se autodenominava “o primeiro Filósofo do Destino”. Isto porque o quebra-cabeça predileto de Spengler — a sua, digamos, “mulher abstrata” — era a história e o destino das civilizações. Partindo dos estudos botânicos de Goethe — que tornou notória a teoria segundo a qual toda e qualquer planta é formada por metamorfoses parciais ou completas do simples modelo raíz-caule-folhas (o princípio da planta primordial)–, o historiador chegou à conclusão de que não há uma linha temporal constante através da qual uma suposta evolução leva os homens de uma cultura primitiva até uma civilização cada vez mais avançada. Não. Na verdade, cada civilização seria um organismo único e original que, como qualquer outro ser vivo, nasce, cresce, amadurece, decai e morre, segundo uma ordem constante e claramente discernível. (Ele diferencia o termo Cultura do termo Civilização, sendo o primeiro a fase criativa e o segundo a fase degenerativa do organismo.) Tal teoria foi exposta num livro com o significativo título de A Decadência do Ocidente. Nele, ele demonstra como é absurdo imaginar uma Cultura superior sem religião. E vai além: a essência de toda Cultura superior ou Civilização é sempre religiosa e, conforme essa essência vai se tornando desacreditada, perde-se a necessária coesão vital e inicia-se o declínio do organismo. Afirma ainda que toda Cultura se inicia quando um indíviduo — ou pequeno grupo de indivíduos — é arrebatado por um novo e fecundo páthos, por uma profunda reação interior a um acontecimento e/ou situação concretos completamente inéditos e fundamentais, que, como nas ondas concêntricas causadas por uma pedra na superfície de um lago, vai se ampliando e literalmente animando todo um povo. O mito fundante seria, portanto, algo que de fato aconteceu, algo sobrenatural. Partindo deste insight, o historiador chega a defender que mesmo os princípios científicos de uma Civilização em estudo não são senão elementos da sua doutrina religiosa trasladados para o pensamento racional. E então discorre, não apenas sobre a física, mas também sobre a matemática, a arte, a filosofia, a política e a religião Antigas (greco-romana), Ocidentais (ou Fáusticas), Chinesas, Árabes, etc., apontando as características únicas de cada uma delas. Spengler assevera categoricamente que o Ocidente não se encontra senão em sua fase final, tendo também ocorrido, em outras civilizações já mortas, como agora ocorre, o mesmo ceticismo e descaso da elite pensante para com a sua própria essência mítico-religiosa. O dito ateísmo, aliás, seria tão diverso quanto as diferentes religiões, tendo cada Civilização seu próprio e exclusivo exemplar de ateu. Em outras palavras: um ateu é como um “radical livre” especialmente preparado para atacar as bases daquela, e apenas daquela, Cultura superior, tal como um determinado reagente químico só entra em ação ao encontrar determinada molécula afim. Todo esse processo se passa simplesmente por ser algo natural, isto é, porque a Cultura já atualizou todo o seu potencial criativo, já expressou e gerou toda a beleza, sabedoria e conhecimento de que era capaz. Extenuados e oprimidos pelas obras de seus antecessores, os homens de uma época tardia não têm outra opção senão apegar-se à sua herança cultural ou, ora por tédio, ora por desespero, liquidar com o mundo em que vive, preparando, de forma inconsciente, o terreno das consciências para uma futura Civilização. Além disso, segundo o historiador, todo aquele interesse de sua época pelas filosofias e tradições orientais — seu livro foi publicado em 1917, quando o orientalismo já estava em moda — não impediria, como sempre costuma ocorrer numa etapa final, uma revitalização tardia e burlesca da religião original. O cristianismo, escreveu ele, se reergueria de forma canhestra e paródica, sendo esse fenômeno nada mais que a manifestação dos últimos estertores de uma Civilização agonizante. Escreveu Platão: “Quando os sacerdotes vendem seus ritos e os soldados têm medo da morte, a sociedade está decadente”. Sim, porque um mundo pelo qual não vale a pena lutar e um significado religioso sem outro valor que o financeiro nada podem sustentar. Os protestos pacifistas contra determinadas guerras e a proliferação de igrejas pentecostais interessadas nos bolsos dos fiéis não comprovam outra coisa.




Na verdade, a idéia de uma manifestação cíclica na cultura e na sociedade data de Platão, idéia essa exposta pelo personagem Sócrates na República. De acordo com Sócrates, a aristocracia, ordem social superior (governo dos melhores), degeneraria em timocracia (governo dos ricos) e esta, sucessivamente, em oligarquia (governo de alguma facção), democracia (governo da maioria, seja ela educada ou burra) e, por fim, em tirania (governo da violência). O aristocrata autêntico, fixado num extremo da escala, seria o homem bom e justo; o tirano, situado no extremo oposto, o mau e injusto. O ciclo, portanto, caminharia de uma época de luz para uma de trevas cada vez mais acentuadas. (Platão nos ensina que a tirania sempre nasce da democracia.) Giambattista Vico (1668-1744), que estudou Platão, propôs uma teoria semelhante. Contudo, em sua visão — definida por três fases consecutivas(Idade Divina ou Teocrática, Heróica ou Aristocrática e Humana ou Democrática) –, a manifestação cíclica seria permanente, sem uma clara expressão de decadência. A Providência se encarregaria de levar a humanidade adiante, através dessas tonalidades anímicas, evitando um fim sem esperanças. Mesmo Harold Bloom, partindo de Vico, subdividiu seu estudo sobre O Cânone Ocidental nas literaturas das Eras Aristocrática, Democrática, do Caos e, arrisca-se ele a prever cheio de receio, eis que desponta no horizonte uma nova Era Teocrática, tal como aquela que nos legou o Antigo Testamento… (Marx e Hegel também desenvolveram suas próprias teorias históricas, sendo que, para o primeiro, a história culminaria necessariamente no comunismo e, para o segundo, culminaria no estado prussiano ou, pode-se também dizer, no próprio umbigo de Hegel, mais conhecido como Idéia. Para Nietzsche, esse ciclo (o Eterno Retorno) ultrapassou a história e tornou-se uma verdadeira prisão ontológica que só poderia ser vencida pelo “Übermensch” ou “Sobrehomem”.)



Esta digressão pode parecer sem propósito, mas ela vem justamente para tornar, ao menos para mim mesmo, ainda mais aterrador o, por assim dizer, advento do Livro de Urântia. Ao ler a República, de Platão, é impossível evitar o susto de nos depararmos com a descrição extremamente atual do estado de coisas que nos levou a ver, nesses últimos 100 anos, pessoas como Churchill, Vargas, Mussolini, Hitler, Stálin, Mao, Castro, Kennedy, Kubitschek, Goulart, Castelo Branco, Sarney, Collor, Chávez, Lula, Clinton, Bush e muitos outros chegarem a postos de elevado poder. Todos os tipos já estavam ali delineados. Tão admiráveis são também as observações de Vico e Spengler, além do próprio Harold Bloom, sobre a sucessão das fases culturais, que torna-se irreprimível não inferir certas possibilidades futuras. O filósofo Mário Ferreira dos Santos, apesar de acusar Nietzsche(cujas intuições ele admira) e quase toda a filosofia posterior de incorrer em erros refutados com séculos de antecedência pelos escolásticos, adapta à sua própria visão a escala nietzscheana para discorrer sobre nossa época. Segundo esta escala, viveriam mesclados, hoje, os Homens da Tarde, os da Noite e os da Madrugada, prenunciando estes últimos a chegada do Homem do Meio-dia. Os Homens da Tarde seriam aqueles cuja negatividade não faz senão corroer ainda mais todos os valores e princípios caros à nossa civilização. Eles aceleram o pôr do sol, o ocaso da civilização. Os Homens da Noite seriam aqueles que, em meio à escuridão de um céu sem lua ou estrelas, buscam ainda um fio de Ariadne que lhes permita atravessar um mundo absurdo e carente de sentido. Eles não têm a certeza, mas sim a esperança. Os Homens da Madrugada são aqueles que já encontraram esse mesmo fio e que, em seus corações, já imaginam como será o Homem que viverá na claridade plena de um Meio-dia cheio de sentido, valores e luz. E Mário Ferreira dá um nome ao causador desse páthos definido por Spengler, esse capaz de animar todo um povo e de iniciar um novo Meio-dia: Revelação, isto é, a comunicação ao homem da vontade divina. Mas… como então saber se uma revelação é de fato autêntica? Simples: se sua manifestação der origem, no correr dos séculos, a uma nova Cultura superior, a uma nova Civilização, então ela é. E o filósofo brasileiro faz ainda uma distinção clara entre as religiões tradicionais e as seitas: as primeiras teriam necessariamente origem numa revelação legítima; já as seitas, em idéias, insights e idiossincrasias de indivíduos, as quais, no fundo, não teriam valor real senão para esses mesmos indivíduos. E isto significa: seu impacto social seria equivalente, na história das Culturas, a um punzinho.



Sim, eu sei que falar sobre o conceito de revelação divina, nesta época em que os “radicais livres” praticamente dominam os meios de cultura, soa tão sem propósito quanto discursar sobre carne de soja numa churrascaria. Hoje em dia, se você for um escritor, mais atenção conseguirá se emitir, em meio a uma narrativa, ou proposições místico-nebulosas embebidas de “pensamento positivo”; ou acusações em grande parte justificadas contra a hipocrisia e a perversidade de certos religiosos; ou, o que é ainda mais comum e mais egoicamente lucrativo junto à crítica dita séria, observações cínicas e arrasadoras sobre tudo o que se refere à humanidade, enquanto, entre um dito sarcástico e outro, o personagem central discorre sobre como friccionar, da maneira mais eficiente, um clitóris com os dedos da mão esquerda ao mesmo tempo em que penetra uma buceta com seu pau duro e um cuzinho com os dois dedos da mão direita. Enfim, ou o escritor se debruça em meditações fleumáticas sobre o absurdo da existência, ou se desespera, ou sai por aí abraçando o capeta, afinal, se já está no inferno, pensa, vamos ao menos nos divertir. No fundo, o máximo a ser tolerado, se o cara quiser tratar de “espiritualidade”, é adotar uma postura panteísta com pitadas de budismo chique e satisfeito, de preferência com explicações baseadas na física quântica. E ninguém nota, como notou Leo Gilson Ribeiro em relação ao angustiado Kafka, e Lou Andreas-Salomé em relação ao atormentado Nietzsche, que eram ambos “almas profundamente religiosas”. Quem não se cansa de indagar “por quê” (por causa de quê), quem não se cansa de buscar as causas primeiras, as origens, não pode evitar, por mais que se perca, de adotar uma postura religiosa, que, claro, não se confunde com carolice e pode manifestar-se tanto de forma positiva quanto negativa. A palavra religião é de etimologia incerta, pode tanto vir do latim religare (ligar de novo), quanto do latim relegere (ler ou colher de novo) ou do verbo grego alegeyn (venerar). Mas todas as alternativas apresentam a idéia de dois termos que se ligam, um termo final que volta a se nutrir de um inicial. Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, conforme descrevi, Borges relata seu espanto ao ver a Terra tornar-se Tlön. Ao homem comum não interessam as refutações lógicas: se algo dá um sentido mais abrangente à sua vida, este algo será adotado. Há porém um problema: num epílogo ao conto, Borges confessa ter descoberto, anos depois do seu primeiro encontro com a enciclopédia sobre Tlön, a origem desta. Tlön nunca existiu. A Noite das Noites foi uma ilusão e a revelação dos autores uma grande broxada. A verdade era que uma sociedade secreta havia decidido criar um país. Assim, seus membros buscaram patrocínio e o milionário norte-americano que aceitou bancá-los fez duas exigências: 1) se era para gastar seu dinheiro, que pensassem grande e criassem todo um planeta, pois um país era muito pouco; 2) que a obra “não compactuasse com o impostor Jesus Cristo”. Semelhante dado é de causar espécie, principalmente quando, ao se comparar o Livro de Urântia com o “livro de Tlön“, percebemos que o primeiro não apenas compactua com Jesus Cristo, mas o enaltece e o ilumina de forma nunca antes vista desde os evangelhos. Sim, essa estranha “contracoincidência” dá o que pensar. Teria Borges tomado conhecimento desse livro escrito entre os anos 1920 e 1930? Creio que nunca o saberemos. Ao contrário de J.J.Benítez, cuja série Operação Cavalo de Tróia teve como fonte básica de pesquisa o Livro de Urântia, Borges jamais fez qualquer menção direta a ele. Benítez, que também o utilizou para escrever A Rebelião de Lúcifer, no qual o planeta Terra é chamado de Iurancha – daí meus amigos me sacanearem citando o “Livro de Yurântia” –, chegou a ser alertado para jamais publicar nos Estados Unidos, pois a Fundação Urântia poderia processá-lo por plágio. Mas, tendo Benítez assumido sua crença de que o livro é de fato uma revelação, por que então alguém o impediria de usá-lo como inspiração? Quando Thomas Mann escreveu José e Seus Irmãos, estaria ele plagiando o Antigo Testamento?




Seria o Livro de Urântia, tal como previu Spengler, apenas um último estertor da nossa religião original? Não creio. Quase todas as manifestações “paródicas” do cristianismo costumam dar-se como anticlímax, impondo conceitos e valores completamente aquém dos ensinados por Jesus. A irmandade, antes aplicada por Cristo a todos os humanos do planeta, recai hoje apenas nos membros desta ou daquela igreja; estimula-se as orações para solicitar não bens espirituais, mas materiais; nos cultos, fala-se mais de demônios, diabos e “encostos” do que de Deus; a expressão estética da experiência religiosa jamais é estimulada, os cultos ocorrem em templos feios e ordinários; sublinha-se a importância deste ou daquele grupo enquanto intermediário quando, na verdade, Jesus ensinou que religião é o nome da relação pessoal que cada indivíduo mantém com Deus; e assim por diante. Embora Spengler ainda esteja correto no tocante às civilizações regionais, isoladas tanto no tempo quanto no espaço, o Livro de Urântia parece apoiar a tese de Vico, segundo a qual, ao menos no concernente ao planeta com um todo, haveria uma influência externa interessada em guiar a humanidade para fases cada vez mais avançadas. Deste modo, a Revelação se daria em etapas, sendo as comunicações divinas proporcionais à capacidade de compreensão média dos seres humanos de uma determinada época. O Livro de Urântia seria a quinta revelação de época à coletividade planetária, o quinto upgrade — porque existem revelações pessoais de valor meramente individual — sendo estas as revelações anteriores: 1) a chegada do Príncipe Planetário (não físico) e de seu séquito de cem instrutores (físicos, porém imortais); 2) a chegada de Adão e Eva (os humanos, evoluídos de animais, já existiam nessa época); 3) a encarnação de Melquisedec; 4) a encarnação de Jesus Cristo, soberano do Universo Local; 5) a transmissão do Livro de Urântia, de autoria de diversas personalidades espirituais e moronciais. Claro, diversas vezes o planeta teria andado para trás, confirmando novamente Spengler. Mas tal fato não poderia ser explicado senão pela expressão shit happens e pelo fato de que há o livre arbítrio. Lúcifer explica. Sem esquecer a epígrafe deste ensaio — “não rir, não lamentar, não detestar, mas compreender” — vamos, pois, a um resumo da cosmogonia urantiana, que, no mínimo, é algo que ou dará um bom RPG, ou humilhará os ETs da Cientologia.





Segundo o Livro, no centro do Grande Universo — o cosmos como um todo — há uma singularidade conhecida como “Ilha Estacionária Paradisíaca”, centro da gravidade material e fonte de toda energia radiante (servidor dos circuitos de energia do espaço), incluindo a luz visível. Este “local”, onde ocorre tanto a “repiração do espaço” quanto o retorno da energia radiante à fonte — tal como nosso sangue retorna ao coração — é o ponto de contato da finitude com a infinitude. É a manifestação mais fantástica do cosmos e Deus Pai está pessoalmente manifestado ali. Aí também se manifesta pessoalmente o Espírito Infinito, terceira pessoa da trindade e centro gravitacional mental do cosmos. O Espírito é o doador de mente (servidor do circuito de mente) — nossos cérebros são alguns dos receptores existentes — e o Pai é o doador de personalidade (servidor do circuito de personalidade), que é aquilo que há de constante e único em nós, passível de sobreviver à morte física e que reage à presença do Pai, sendo atraída por Ele, por sua força de gravidade. Do Pai também recebem os mortais uma Centelha Divina ou Monitor Residente ou Ajustador de Pensamentos, que é um fragmento Dele residente em nossa mente, o qual reage aos influxos da divindade. Todos os astros do espaço giram ao redor da Ilha Estacionária Paradisíaca, tal como a Terra em torno do Sol. Em torno da Ilha encontra-se o Universo Central de Havona, universo modelo, sem história, eterno e perfeito, no qual os Filhos Criadores iniciam suas carreiras e no qual se inspiram para criar seus próprios Universos Locais. O Filho Eterno, segunda pessoa da trindade, pode ser encontrado aí. Não é Jesus. Jesus (Micael ou Miguel) é um Filho Criador, soberano do Universo Local de Nebadon, que ele criou em associação amorosa com o Espírito Materno do Universo, uma filha direta do Espírito Infinito. Em torno do Universo Central de Havona, giram Sete Superuniversos evolucionários do espaço-tempo, cada qual formado por cerca de 100.000 Universos Locais e governados pelos Anciãos dos Dias. Existem, pois, além de Jesus, outros 699.999 Filhos Criadores, cada qual o Caminho, a Verdade e a Vida de suas próprias criações. O número de seres de diferentes classes, funções e natureza existentes tanto na Ilha, quanto em Havona e nos sete Superuniversos tende ao infinito. Existem seres pessoais, pré-pessoais e apessoais, ascendentes (como nós) e descendentes (como Jesus), materiais, moronciais, espirituais, e assim por diante. Cada Superuniverso é constituído de 10 Setores Maiores; cada Setor Maior, de 100 Setores Menores; Cada Setor Menor, de 100 Universos Locais; cada Universo, de 100 Constelações; cada Constelação, de 100 Sistemas de Mundos (que não é o mesmo que um sistema solar); e cada Sistema, de 1000 mundos habitáveis. Essas subdivisões não são exatamente astronômicas, mas administrativas. Cada Superuniverso possui, pois, cerca de um trilhão de mundos habitados.



O papel do ser humano, na Criação, ainda segundo o Livro, é sobreviver à morte física, ascender de mundo em mundo, de esfera em esfera, até atingir a presença pessoal do Pai Celestial, tornando-se então um Finalista, um ser de função ainda não revelada. A vida em Urântia (o planeta Terra, o “planeta da cruz”) surgiu como em qualquer outro planeta habitado, ou seja, sob a direção do Filho Criador, um grande número de seres espirituais — incluindo aí os Arquitetos Mestres do universo e os Portadores de Vida — iniciam a criação de formas primitivas de vida que, animadas pelo Espírito Materno, passam então a evoluir sozinhas. O objetivo da vida animal num planeta é, um dia, chegar a produzir um ser com cérebro capaz de abarcar a mente volitiva autoconsciente. Existem planetas nos quais, por uma razão qualquer, os humanos evoluíram de animais completamente diferentes dos da Terra. O mortal filho de Deus não depende da evolução de uma espécie específica, mas apenas da capacidade mental do cérebro. Os mortais ascendentes, portanto, são classificados segundo o número de cérebros: humanos com um cérebro, com dois e com três. Nós, terrestres, temos dois cérebros, o esquerdo e o direito. A partir do momento em que uma espécie animal, por mutação repentina e espontânea, dá à luz seres volitivos, o planeta recebe o status de planeta habitado, sendo designado, para ele, um Príncipe Planetário, um ser descendente invisível aos seres materiais. Acompanham-no um séquito de cem voluntários que são materializados no planeta e que constroem a primeira cidade universitária, para a qual convidam os membros proeminentes das mais diversas tribos então existentes. Esse séquito consegue ver e se reunir com, no caso de Urântia, Caligástia, o Príncipe Planetário. Sendo belos, gigantes e — graças a uma conexão especial com os circuitos do Espírito — imortais, passam a educar, sem envelhecer, gerações e mais gerações das mais diversas raças locais. Apesar de desestimular tal comportamento entre os humanos, são vistos como deuses, o que, na Terra, deu origem às mais diversas tradições e mitos. Em Urântia, tudo corria bem, até que o soberano do Sistema de Mundos Habitados, Lúcifer, emitiu uma Declaração de Liberdade. Acusou ele aos Anciãos dos Dias de estrangeiros invasores e declarou que não acreditava que seu Senhor, o Cristo, se reunia pessoalmente com a personalidade de Deus. Caligástia, o Príncipe de Urântia, aderiu à rebelião, levando o séquito a uma dissensão, o que, por sua vez, botou as tribos humanas em pé de guerra umas contra as outras, segundo suas afinidades com os mestres. Como efeito dessa rebelião, o Sistema foi isolado em quarentena, a qual permanece até hoje. Encerraram-se as comunicações e os intercâmbios mais ostensivos em quase 1000 planetas. Com isso, o séquito do Príncipe perdeu seu status de imortalidade. Quando Adão e Eva chegaram — eram Filhos Materiais da raça violeta — encontraram um planeta em estado de caos. Despreparados, sucumbiram às suas próprias idéias, atentando contra o mandato da Constelação, o que os fez perder também a imortalidade. Desde então, shit happens atrás de shit happens. Nesse entretempo, Melquisedec — cujo estandarte contém os três círculos concêntricos azuis — veio então ao planeta e, após instruir um grande grupo, enviou-os em pequenos grupos aos quatro cantos do mundo, fato esse que deu origem às mais diversas religiões. No entanto, a rebelião só foi finalizada quando da vinda de Jesus, que experimentava a forma de vida material, etapa necessária para assumir sua soberania plena. A narrativa completa de sua vida na Terra é um dos textos mais tocantes que já li. Hoje, Lúcifer está preso e o sistema está sendo pouco a pouco reconectado. O Livro de Urântia supostamente faz parte desse processo.

Sim, eu sei que tudo parece uma imensa loucura. Mas não creio que o universo seja bobo e sem Graça como querem os céticos sistemáticos. (”Ah, o cosmos surgiu com o Big Bang.” Ok, e de onde veio o Big Bang?) Algumas pessoas me dizem que toda essa cosmologia e hierarquia celeste é muito humana para ser real. Mas e se o que chamamos de humano for apenas uma cópia imperfeita dessa organização divina? Sim, isso nos leva a uma antinomia sem solução satisfatória. É preciso aqui dar aquele salto chamado “fé”. A Hilda Hilst, o Bruno Tolentino, o Bruno Galas e o Olavo de Carvalho me ensinaram pessoalmente que a fé não apenas não atrapalha a inteligência e a criatividade como, muito pelo contrário, as estimula e fortalece. Eu sei que não necessito d’O Livro de Urântia para chegar a tal conclusão e para finalmente aceitar o convite divino. Eles não precisaram dele e, quando lhes falei sobre esse livro, encararam-no com grande reserva. Mas, sinceramente, desconfio que ao menos o planeta Terra necessita desse impacto “tlöniano”.

Chegamos a um ponto da História humana em que uma grande mudança se faz não apenas necessária, mas inevitável. A Era do Caos preconizada por Harold Bloom através de Vico, vai dando seus últimos frutos. Essa era do Caos seria o que, na Teoria Geral de Sistemas, se chama “constelação”: um momento em que os elementos de um sistema dado se encontram dispersos por não haver mais um “princípio dominante” que dê conta de influenciar e guiar o todo. É uma fase de transição, porque, sem o advento de um novo princípio dominante, ocorrerá a morte dos elementos remanescentes. Nos sistemas conhecidos como “Cultura” ou “Civilização”, tal princípio dominante seria, como já disse, uma intuição espiritual original. E, se toda Cultura nasce duma intuição nova e mais abrangente, duma visão cósmica mais universal, fecunda e cheia de sentido, creio que jamais se viu outra visão mais estimulante que a apresentada nesse Livro. Jesus cumpriu sua missão no tocante ao indivíduo, que é o principal, mas a narrativa completa de sua vida e de sua obra — assim como a descrição dos seres, da estrutura e das regras que regem as demais “moradas”– poderia, digamos assim, por “ressonância” e influxo idealista, orientar a organização desse nosso variegado e caótico mundo. Pela primeira vez na história, nosso “mundo conhecido” se confunde com todo o planeta. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a Terra fosse toda uma. Que o mar unisse, já não separasse.” (Mensagem, Fernando Pessoa.) Os remanescentes das Culturas outrora pujantes — Ocidente Cristão, Islã, Oriente hinduísta, budista, etc. — não se sentem à vontade uns com os outros e temem ser sobrepujados e engolidos pelos demais. Não há como imaginar que, agora que esses sistemas distintos se tocam, que o princípio dominante de um deles sobrepujará aos demais sem derramamento de sangue. Na Europa, o avanço do islamismo é patente, pois uma civilização irreligiosa, como a do ocidente tardio, é sempre mais fraca que uma religiosa. (Sem falar que, enquanto um casal europeu dá à luz dois filhos — um ateu e outro agnóstico — os muçulmanos dos subúrbios dão à luz nove ou doze islâmicos, metade radical, metade meramente crente.) E apesar de o Livro de Urântia estar mais próximo daquilo que entendemos por cristianismo, ele talvez tenha vindo não apenas confirmar tudo o que este tem de positivo e verdadeiro, mas também purificá-lo de seus erros e malentendidos, o que, por isso mesmo, poderia levá-lo ainda mais longe e torná-lo mais palatável aos demais povos. Ele não revoga a Bíblia, os Evangelhos e demais livros sagrados. Não. Ele os alarga, esclarece e amplia. Também apresenta muitas questões polêmicas passíveis de gerar conflitos, isto é, se lidas isoladamente do restante da obra. Mas creio que, dum modo geral, os efeitos do livro poderiam ser positivos e duradouros a longo prazo. Tlön era uma obra falsa, conforme diz Borges, um mero trabalho de “enxadristas”, mas, no conto, dominou todo o mundo. Ocorrerá o mesmo com o Livro de Urântia? É bem provável que, da mesma forma que o Império Romano não conseguiu se livrar do “imperativo cristão” — e que o Oriente Próximo não conseguiu evitar o Islã — tampouco o planeta Terra conseguirá evitar tornar-se… Urântia. Eu estou cagando e andando para o que meus amigos, familiares e desconhecidos possam achar dessa minha posição. Eu apenas não consigo deixar de imaginar um outro futuro menos ruim do que esse e, como dizia a Clarice Lispector, “imaginar é adivinhar a realidade”. Que culpa eu tenho se algumas coisas nascem mesmo póstumas e impossíveis de serem provadas agora? Uma revelação só se prova como revelação no correr dos séculos, quando então funda uma nova Cultura. Quem escreveu esse livro sabia disso e nem se deu ao trabalho de assiná-lo. Foi apenas um transmissor? Criou todos aqueles “heterônimos” fantásticos que assinam os capítulos? Eu não sei. Tal imprecisão autoral não impediu que o Pentateuco fundasse uma nação (Cultura) avançadíssima ou que o tribal Islã alimentasse e ressuscitasse a então complexa e decadente Pérsia. Meu maior temor em relação ao Livro era que ele fosse mais um gnosticismo. Mas quanto mais o estudo, mais me convenço de que não é. Mas, bem, essa é uma outra história.

Enfim, a revelação é uma forma de conhecimento possível e legítima da qual o homem é digno. (Vide “O Homem Perante o Infinito”, de Mário Ferreira dos Santos.) As pessoas se acham vermes rastejantes abandonadas pelos Céus? Já não me sinto assim. Deixei isso para trás. Agora sou, após muitos percalços, capaz da fé. Vale lembrar que, quando algo ocorre na Europa, não há como nós, aqui na América do Sul, termos acesso a tais fatos senão através do que nos é revelado pelos meios de comunicação. Eles nos transmitem as notícias ou novas. Vivemos mergulhados em informações. Como confiamos nelas? São verdadeiras? São falsas? Em que medida? Um cético sistemático absoluto certamente não acreditaria sequer que o Saddan Hussein foi derrotado, afinal, são tomé que é, não o tocou com os dedos através das grades duma prisão iraquiana. Muita gente mais paranóica que eu acha que o próprio Bush atacou o WTC. É preciso confiar nas fontes, não é? E as novas nem sempre são “boas novas”, que é, aliás, a exata tradução de evangelho: a “boa notícia”. Depois de mil e um livros sagrados escritos por inspiração, algum maioral lá de cima teria decidido usar um repórter anônimo, afinal, parece que só Maomé é profeta. Os islâmicos não precisam se chatear com o Livro de Urântia. Nenhum profeta reivindicou sua autoria. São talvez apenas notícias que nos alcançam dos confins do Cosmos. Eu não tenho mais medo de apostar nisso. Você tem?… O quê? E se Lúcifer estiver certo e os Anciãos dos Dias forem imperialistas cósmicos opressores?! E se a difusão desse livro fizer parte de uma conspiração universal?!!… Entonces, amigo mío, estamos todos jodidos!

Yuri Vieira, 36 anos, paulistano, é escritor e cineasta.
Sua página web pode ser acessada em yuriviera.com, bem como o blog Garganta de Fogo que escreve em parceria.

sábado, abril 19, 2008

Santiago

Está em cartaz no teatro Sesc Ginástico aqui no Rio a peça Otelo de William Shakespeare. É uma rara oportunidade de assistir a uma montagem clássica do autor inglês. A peça trata do ciúme, e mais do que isso, da inveja causadora do ciúme.

sexta-feira, abril 18, 2008

Democrata é a puta quiu pariu

O jornal O Globo de hoje traz em sua página de opinião um artigo do deputado federal Flávio Dino com o singelo título O valor da democracia. Não fosse o deputado Flávio Dino membro do Partido Comunista do Brasil, talvez o artigo tivesse algum valor. Como o é, então vale menos que cocô de cavalo, pois este pode ser usado ainda como adubo. O Partido Comunista do Brasil é o partido que apóia a China comunista, o partido maoísta, o partido que defende o regime mais criminoso da história humana, que matou setenta e seis milhões setecentas e duas mil pessoas durante os anos de 1949 a 1987. E essa merda de partido existe no Brasil. A existência do Partido Comunista do Brasil é pior do que a existência de um partido nacional socialista. Para não dizer que não poderia ser pior, o jornal O Globo abriu seu espaço para os lindos democratas. É que a morte é igual para todos, como eles matam mais, devem ser os mais democratas.

quarta-feira, abril 16, 2008

Podemos, em primeiro lugar, pensar no Maior.
Ou pensamos que o Maior existe ou que o Maior não existe. Em qualquer dos casos sempre pensamos no Maior. Se pensamos que o maior não existe, o seu pensamento não se refere ao Maior, pois o pensamento do Maior implica sua existência.
Resta agora provar que ele exista.
Vejamos os pensamentos implícitos nesse juízo. Como podemos imaginar o Maior? Temos experiência sensível dele? Absolutamente não.
E se não temos experiência sensível dele, como podemos concebê-lo?

Mas essas coisas finitas podem ser concebidas como não existentes, e o que não podemos conceber como não existente é o ser. Essas coisas finitas podem ser concebidas como tendo princípio e tendo um fim, mas o ser não podemos concbê-lo como tendo princípio nem fim. Essas coisas têm o começo, e o ser, não tendo começo, é eterno. E ser eterno não é uma mera negação do finito e do tempo; é uma superação do finito e do tempo.
E nós podemos concebê-lo, esse Maior, e ele existe necessariamente, não por que podemos concebê-lo, mas podemos concebê-lo porque ele existe. É por que nele estamos e como é nele que surgimos e nele subsistimos, dele temos uma "experiência", cujo símbolo nos aparece nesse poder conceber um ser que nada de maior se pode conceber.

Mário Ferreira dos Santos

sábado, abril 12, 2008

Histórias de sala de aula

Aula de Ética e cidadania. O professor usa um exemplo tendo-me como protagonista.
-- Digamos que o Daniel forme um grupo para matar o prefeito César Maia.
-- Agora virei terrorista.
(...)
-- Prefiro matar o mosquito (da dengue, motivo pelo qual a discussão foi posta).

sexta-feira, abril 04, 2008

O sonho do professor Rosamaria

O professor Rosamaria resolvera passar o filme O ponto de mutação, baseado na obra de Frithjof Capra, para seus alunos. Espantara-se que os alunos saíam no meio do filme com cara de poucos amigos. Por que será que não gostavam? O filme era tão bom, falava de consciência global, da falta de consciência ecológica; considerava essas coisas ainda em casa quando tomava banho. Foi dormir e sonhou que um globo terrestre acertava-lhe a cabeça. O globo terrestre estava preso à ponta de um tacape. Olhou para baixo e viu que sua própria mão segurava o tacape.

Acordou então assustado. Já era manhã e o pássaro cantava. Saiu de casa para trabalhar.

terça-feira, abril 01, 2008

Asterix e Obelix vão à biblioteca

Estavam Asterix e Obelix na biblioteca. O cãozinho Idéiafix deixaram do lado de fora amarrado a um bispo. Gania o pobre. Pesquisavam sobre o céu. Eles criam que o céu era capaz de cair sobre suas cabeças e queriam saber mais sobre ele. Entrou então um professor de faculdade. Vendo a dupla que insinuava um esforço sincero para aprender sobre o céu, o professo Rosamaria puxou uma cadeira e interrompeu sua leitura.
--Oh, vous étudiez le ciel. (a partir de agora, traduz-se, pois nem o leitor--não todo leitor, claro--nem o autor sabem muito de francês)
--Sim, gostaríamos de saber mais sobre o céu. Temos medo que ele venha abaixo sobre nossas cabeças.
--Não sejam tolos. O céu não pode cair sobre suas cabeças--afirmou Rosamaria.--O céu não existe.
Entreolharam-se Asterix e Obelix.
--O céu não existe?!Ora, conta outra.
--Não, é verdade. Ele é só uma invenção da cabeça de vocês.
Lá fora, Idéiafix gania.
--Vejam, eu vou provar-lhes. Acompanhem-me até o terraço do prédio.

Chegando ao terraço, apressou-se a falar o professor Rosamaria. Convidou-os a olharem pelo telescópio e verem as estrelas. Estão vendo, as estrelas são maiores vistas através da lente. Isso mostra que as coisas não são exatamente como as percebemos, nossos sentidos nos enganam, não podemos confiar neles e nem na nossa mente, que cria o céu e tudo o mais, vocês vêem.. ôps, escorregou, bateu no parapeito e caiu.

Espatifou-se no chão. O professor Rosamaria ainda conseguiu gritar lá de baixo. "Ele não existe."

Asterix e Obelix então desceram e pegaram Idéiafix. Foram para casa e fartaram-se de javalis. Aquele dia o céu não caiu sobre suas cabeças.