quarta-feira, julho 24, 2013

Palavras que significam muito

Há palavras que são muito caras a seus povos. Uma palavra que os anglo-saxões adoram é common, quando eles dizem que algo é common pode ter certeza que a prezam muito, por exemplo, quando dizem common american. A palavra foi institucionalizada em common sense, common law, commonwealth -- nessas duas num sentido estrito inclusive --, mas guarda um frescor que nenhum americano dispensaria.

O argentino, por sua vez, adora a palavra sencillo, sempre a usa para se referir a algo bonito, pequeno, repetindo com doçura: "es muy sencillo". Lembrei-me disso porque o papa Francisco tem essa simplicidade misturada com um vigor da vontade pouco conhecidos do brasileiro.

sexta-feira, julho 12, 2013

Significados evangélicos da palavra mundo e sobre o homem e o animal

Os evangelhos têm uma coleção de frases em que Jesus acautela seus discípulos contra o mundo, conselho que tem gerado confusão em sucessivas gerações de estudiosos e admiradores. A palavra mundo dá margem a interpretações. O que quer dizer mundo? A realidade física? Estaria ele pedindo para nos afastarmos da realidade física? Como fazer isso?

Há outra frase de Jesus que os mais experimentados costumam citar: "Não peço que os afasteis do mundo, mas que os livreis do mal." O mundo, portanto, não é mau, embora pareça poder facilitar o mal; mau parece ser o mundanismo. O que é o mundanismo? É a vida desligada do espírito, a vida que esqueceu a presença do espírito também no mundo material. Não se fala aqui do mundano dado aos prazeres sensuais, sempre bem-vindos, de beber um bom vinho, etc, porque o espírito saboreia a matéria, mas de um tipo ideológico de mundano que fechou a porta ao espírito.*

A humanidade carrega a animalidade, nós evoluímos do animal. Mas o animal não consegue reverenciar a beleza do mundo, não pode contemplar o jasmin exalando odores, a árvore para ele é no máximo um canto onde irá urinar. O mundo não tem significados para o animal. Mesmo os atos de lealdade que um cão pode ter pelo seu dono têm significado apenas para nós, homens, para ele são instintivos, nada significam. O animal é capaz desses gestos porque o espírito atua nele, assim como no homem; a diferença é que o animal não tem a capacidade de enxergá-lo; a diferença é que o homem, ao contrário do animal, responde à essa atuação.

O animal limita-se ao temporal, quando ele morre acabou, mas o homem tem diante de si, nublada ou solar, a dimensão espiritual. O homem percebe a realidade enquanto realidade, quer dizer, ele é capaz de ver o corte do infinito no finito. Mal comparando, é como se o animal fosse um personagem lateral de uma peça de teatro que não sabe que está dentro da peça, e quando ela acaba ele também acaba. O homem é ator dos personagens dessa peça, ele os interpreta, dialoga com seu autor e sabe, ou suspeita, que existem outras peças, gente nos bastidores e vida fora do palco.**

Jesus quis recordar a presença do infinito no finito: "Nem só de pão vive o homem." Referindo-se a essa frase, Nelson Rodrigues, tão deferente à sua humanidade, asseverou: "A liberdade, para mim, é mais importante que o pão."


*Tem razão portanto quem se insurge contra a idéia de que o mundo é mau, uma espécie de prisão da qual devemos escapar. Não é preciso se incomodar todo ao ouvir um padre falando mal do mundo; saque seu evangelho e diga que Jesus não queria afastá-lo do mundo, queria que você bebesse um vinho bom, aproveitasse a festa e, dá para concluir, se sentisse grato por esse momento.

**Caso alguém detone minha analogia dizendo que, em sendo assim, em sendo ator, o ser humano tem que seguir um script definido, direi que ele é um jogador de RPG, cujos cenários um autor criou mas cujos caminhos lhe estão franqueados.