sábado, junho 14, 2014

Kfourada

O motivo desse texto é uma discussão havida no facebook aqui, dela sendo desenvolvimento. Bom, só se fala nisso no Brasil hoje. A epígrafe das vaias de quinta poderia ser a observação cirúrgica de Joaquim Barbosa no dia anterior: "A República não pertence ao senhor nem a seu grupinho".

Ele faz pose de neutralidade superior pontificando sobre o preconceito da ímpar platéia. Mas Juca Kfouri é a elite branca, assim como Michael Moore é um stupid fat white man. Sua opinião vale tanto quanto a dos torcedores. Seus colegas de ESPN Brasil não vão dizer nada, seja porque concordam genuinamente com ele, porque não têm essa convicção toda, ou porque, sem concordar, não vão mexer com o medalhão da redação. Juca é um cínico, claro, mas talvez sequer seja falta de caráter, é um distúrbio cognitivo-afetivo, desenvolvido lá atrás e jamais solucionado. No regime militar era fácil pertencer ao partido dos bons contra os ditadores maus. O regime caiu, mas o cérebro ficou lá. O imperativo categórico de ser contra o regime, sob cujo prisma tudo o mais é avaliado, desautoriza de pronto as vaias. Dilma, a ditadora dos movimentos sociais, é a amiga que lutou contra o regime.

Juca Kfouri, jornalista talentoso e lúcido, é um idiota, e dá pena que ele seja.

Poderia simplesmente dizer que não concorda com as vaias, que acha o governo de Dilma bom, se não bom, que gosta dela, que a prefere a outros presidenciáveis, seria honesto, normal e até corajoso.

Nessa história toda, a falta de caráter está em não refletir sobre suas interpretações delirantes e, num segundo momento, sobre a idéia prevalente que lhas subjaz e as elabora.

domingo, junho 08, 2014

Vista do Sumaré

Noivos, casavam-se em três meses, era preciso comprar casa para morarem. Contactaram a corretora, olharam um, olharam outro, nada muito interessante; o último do dia era na Maria Amália, subindo a ladeira. Um que lhes encheu os olhos, três quartos, varandão, cozinha espaçosa, como ele queria, mas a vista, a vista, sim, tinha um pontinho de favela. Pequeno, é certo, mas estava lá. Um apartamento tão bom, que pena.

Comentou com a tia ao chegar a casa. Falou como era bom, e que tinha esse pequeno detalhe. A tia falou que ia ver com eles na semana seguinte. Ela ficou excitada. "Você não precisa morar lá sempre, dali a cinco anos vocês vendem, preço bom, uma oportunidade ímpar".

Compraram. Subia a pé a ladeira, os lances de escada, chegava, botava suas coisas do trabalho, se espreguiçava, beijava a esposa, cuidava do filho.

Sábado, foram a um churrasco na casa da tia na Barra. Ele, olhando para o céu pensativo, com o filho no braço, ela lhe pergunta: "O que você tem que está pensando"? Gusmão: "Não sei".

Final de semana, em mangas de camisa, debruçou os braços sobre o parapeito da janela e fumou um cigarro. Ao fundo o morro verde do Sumaré; à direita, porém, o ponto, pequeno, discreto: favela.

Dali a cinco meses venderam e foram morar na rua Guaxupé.