domingo, janeiro 27, 2013

Lincoln

O filme, a que fui assistir porque esperava enquanto a chuva de canivetes não passava, meu carro ilhado entre duas piscinas, uma no Baixo Gávea, outra na rua ao lado do shopping, e que só pude assistir porque um casal de senhores desistiu de última hora, ainda consegui um lugar bom, não é lá tudo isso, mas nem eu esperava que fosse.

Lincoln, o incensado presidente, chamado de tirano por uns e que teve a morte de um Julio Cesar, foi um contador de histórias, e ele adorava um livreto que circulou no início do século XIX com causos e histórias fantásticas sobre George Washington, e que criou o mito do homem incapaz de contar uma mentira. Há uma gravura mostrando George Washington discursando e os ouvintes rindo dele porque era incapaz de mentir. Mas essa história que Lincoln conta, embora tenha Washington no meio, não foi protagonizada por ele. Um ianque fora em missão ao Reino Unido finda a guerra de independência e, entre animosidades dispersas, um lorde convidou-o para um baile. Ele lá foi e visitando a latrina, deparou-se com uma gravura de Washington. Na saída, não falou nada a respeito, ao que o anfitrião veio lhe perguntar: "Viste o quadro de Washington?", "Vi sim.", "E que lhe pareceu? Está num lugar apropriado?", ao que ele, depois de um tempo, responde: "Está sim. Washington faz vocês se cagarem todos de medo."


Lincoln aparece afabilíssimo na primeira cena, numa audiência com dois soldados negros. Lincoln deve ter sido realmente um homem de trato muito afável, "with malice towards none", e Daniel Day Lewis viveu bem isso. Ele me dá a impressão de ser um ator sensacional, em quem nada falta, nada sobra, muito técnico, e por isso sinto que falta algo nele, falta o defeito que gera a garra pela melhora. Isso é implicância, claro. Nelson Rodrigues, o chato, intuiria a que me refiro.


Fora a deliciosa história que contei, a melhor cena do filme deve ser o diálogo de Lincoln com sua esposa, interpretada por Sally Field, com quem não simpatizo, ela sempre faz papel de mulher triste e sofrida, sobre a decisão de seu filho de entrar para as forças da União, embora o presidente tenha tentado muito dissuadí-lo. O tema é batido, já foi tratado com louvor no filme O patriota, com Mel Gibson, mas as histórias das vidas se repetem. Desesperada, ela exige que ele proíba o filho de ir para as forças armadas, eles perderam outro filho e não querem perder mais um. Entre idas e vindas, acuado, Lincoln diz que a sua dor é tão lancinante quanto a dela, porém os três, pai, mãe e filho, irão seguir suas vontades; e eles dois precisarão viver com as escolhas de Robert. Ironicamente, foi ele o único dos quatro filhos do casal que morreu adulto.

Como já disseram, o filme é muito escuro realmente. Mas isso não chegou a me desgostar. O ritmo lento, didático quase, não muito diferente do que deveria ser a política de então, imagino, uma e outra história com um leve humor negro que ele conta e uma idolatria de Lincoln, acredito seja isso, incomodaram-me mais.