domingo, janeiro 27, 2013

Lincoln

O filme, a que fui assistir porque esperava enquanto a chuva de canivetes não passava, meu carro ilhado entre duas piscinas, uma no Baixo Gávea, outra na rua ao lado do shopping, e que só pude assistir porque um casal de senhores desistiu de última hora, ainda consegui um lugar bom, não é lá tudo isso, mas nem eu esperava que fosse.

Lincoln, o incensado presidente, chamado de tirano por uns e que teve a morte de um Julio Cesar, foi um contador de histórias, e ele adorava um livreto que circulou no início do século XIX com causos e histórias fantásticas sobre George Washington, e que criou o mito do homem incapaz de contar uma mentira. Há uma gravura mostrando George Washington discursando e os ouvintes rindo dele porque era incapaz de mentir. Mas essa história que Lincoln conta, embora tenha Washington no meio, não foi protagonizada por ele. Um ianque fora em missão ao Reino Unido finda a guerra de independência e, entre animosidades dispersas, um lorde convidou-o para um baile. Ele lá foi e visitando a latrina, deparou-se com uma gravura de Washington. Na saída, não falou nada a respeito, ao que o anfitrião veio lhe perguntar: "Viste o quadro de Washington?", "Vi sim.", "E que lhe pareceu? Está num lugar apropriado?", ao que ele, depois de um tempo, responde: "Está sim. Washington faz vocês se cagarem todos de medo."


Lincoln aparece afabilíssimo na primeira cena, numa audiência com dois soldados negros. Lincoln deve ter sido realmente um homem de trato muito afável, "with malice towards none", e Daniel Day Lewis viveu bem isso. Ele me dá a impressão de ser um ator sensacional, em quem nada falta, nada sobra, muito técnico, e por isso sinto que falta algo nele, falta o defeito que gera a garra pela melhora. Isso é implicância, claro. Nelson Rodrigues, o chato, intuiria a que me refiro.


Fora a deliciosa história que contei, a melhor cena do filme deve ser o diálogo de Lincoln com sua esposa, interpretada por Sally Field, com quem não simpatizo, ela sempre faz papel de mulher triste e sofrida, sobre a decisão de seu filho de entrar para as forças da União, embora o presidente tenha tentado muito dissuadí-lo. O tema é batido, já foi tratado com louvor no filme O patriota, com Mel Gibson, mas as histórias das vidas se repetem. Desesperada, ela exige que ele proíba o filho de ir para as forças armadas, eles perderam outro filho e não querem perder mais um. Entre idas e vindas, acuado, Lincoln diz que a sua dor é tão lancinante quanto a dela, porém os três, pai, mãe e filho, irão seguir suas vontades; e eles dois precisarão viver com as escolhas de Robert. Ironicamente, foi ele o único dos quatro filhos do casal que morreu adulto.

Como já disseram, o filme é muito escuro realmente. Mas isso não chegou a me desgostar. O ritmo lento, didático quase, não muito diferente do que deveria ser a política de então, imagino, uma e outra história com um leve humor negro que ele conta e uma idolatria de Lincoln, acredito seja isso, incomodaram-me mais.

terça-feira, novembro 13, 2012

Vitamina C

A vitamina C frita no copo,
dissolvendo n'água magicamente.
Dissolve a dor que pelo corpo sente
este hóspede de um vírus misantropo.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Latim no colégio

As escolas americanas de elite (a revista Forbes as lista como de elite) Choate Rosemary Hall, The Lawrenceville School, Milton Academy, Phillips Academy, Phillips Exeter Academy, Sidwell Friends School, St. John's School (Houston), St. Paul's School (Concord), Punahou School, The Westminsters Schools, Miss Porter's School, The Roxbury Latin School, todas elas ensinam latim. Não olhei as escolas de elite britânicas e alemãs, mas desconfio que também ensinam latim. Talvez nem precisemos procurar nas escolas de elite. A maioria dessas escolas americanas também ensinam grego. Ahh, atenção: todas elas oferecem também o ensino de chinês.

Brasileiro é bobo.

Mas parece que nem todos. No Piauí, a supreendente escola Instituto Dom Barreto conquistou pela terceira vez o segundo lugar no Enem de 2011. Adivinha: eles ensinam latim. A escola é mantida por um grupo religioso.

A pessoa da minha geração que melhor escreve nesse país chama-se Rafael Falcón e é, por que será?, professor de latim. Posso perceber, estudando a língua, que ela te traz eloqüência e muita lógica. É uma língua muito lógica.

Quem cria escolas no Brasil (a par dos grupos religiosos)? A sociologia da educação deveria se preocupar com isso. De onde sai o dinheiro? O que move seus criadores?

terça-feira, outubro 23, 2012

Anotações

Acabo de publicar a obra Anotações, que é continuação de minha monografia de faculdade. O mote começa ainda pelo direito, como no trabalho anterior, mas amplia-se para tratar da sociedade, da história, revelações, etc. Agradeço que leiam. Novamente, dúvidas, sugestões, correções (que las hay, las hay) são sempre bem-vindas. Escrevam-me no e-mail: daniel.lourenco@oi.com.br.

quarta-feira, setembro 26, 2012

O Leitor

O filme O Leitor conta a história de um rapaz e uma moça vinte anos mais velha que vivem um caso amoroso. Ele tem o entusiasmo e a identificação pelo ser amado que o primeiro amor produz. Ela o ama e gosta que ele leia seus livros prediletos para ela.


Parênteses: aos dezesseis anos, o rapaz lia Homero em grego. No Brasil não existe uma escola, uma mísera escola onde se ensine latim e grego para os jovens. Como o Brasil quer ser país de primeiro mundo se não consegue sequer formar uma elite? Elite, aqui, claro, nada tem a ver com dinheiro, como as classes política e universitária dominantes de hoje, isto é, PT e quejandos, gosta de se referir aos endinheirados (como a zelite).

Se você não viu o filme, advirto para parar por aqui.



Ela se muda sem dar notícia e o romance termina. Ele vai fazer faculdade de direito dali a alguns anos e a encontra de novo em situação inusitada. Ela está no banco dos réus por ter sido guarda de um campo de concentração nazista. No julgamento, as outras guardas a acusam de ter sido a chefe de um massacre, o que é falso, mas ela prefere aceitar a acusação ao invés de fazer um teste de caligrafia. O rapaz, naquele momento, entende que ela era analfabeta. E que tinha vergonha. Quer ir falar-lhe na prisão, mas desiste. Ela decidira não revelar que era analfabeta.

Um dos momentos mais bonitos do filme é ela aprendendo a ler na prisão a partir das fitas cassete que ele lha manda declamando a Odisséia de Homero e outros livros. Esse é o único contato que há entre os dois. Eles não se vêem durante esses anos.

Imagino como deve ter sido difícil ter amado uma mulher que foi uma carrasca nazista. Ao mesmo tempo, ela obedecia a ordens, não ordenou a morte de ninguém. Sua responsabilidade não é simples de ver. Quem sofre com o recolhimento do rapaz, já homem, é sua filha. Ela não entende por que é ensimesmado e acha que pode ser algo consigo. "Como você está enganada, filha". Mas ele quer explicar para ela. O filme termina com ele levando-a para visitar o túmulo de Hanna, onde lhe contará sobre sua história de amor.

Ponto fraco do filme é o encontro de Michael com uma sobrevivente do campo nazista a quem Hanna quis legar o dinheiro que guardou. O diálogo não foi bom, e Ralph Fiennes poderia ter desenvolvido melhor a cena.

sexta-feira, setembro 14, 2012

Completamente à revelia do povo brasileiro, oitenta por cento do qual acha que a atual legislação sobre aborto deve ser mantida, o projeto de lei que criaria o novo código penal quer permití-lo até três meses de gestação.

O projeto de lei proíbe o terrorismo, mas se o autor for um movimento social está isento de punição. Não estou inventando. Está lá:

"Art. 239.........................................
 .......................................
§ 7º. Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade."

Não acabou. O projeto de lei extingue o crime de rufianismo, isto é, cafetinagem, o que, conjugado com o fato de que fazer sexo com maior de doze anos não é mais crime, torna liberado o uso do maior de doze anos (sim, doze anos) para a prostituição.

O senhor, José Sarney, é responsável por esse projeto de lei. Você, Sarney, quis ser responsável por essa estrovega. O senhor se vendeu para a vaidade de terminar a presidência do Senado com um feito marcante, dando ouvidos a grupinhos idiotas de pressão. O senhor me envergonha. Desapareça, DESAPAREÇA da vida pública brasileira.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Preparando-me para ler Duns Scot:

pego os comentários à metafísica, coloco uma garrafa de conhaque sobre a mesa e dou um murro nela. Olho para o gato e falo: Vamos lá.

domingo, agosto 19, 2012

Ética em Sócrates, Platão, Aristóteles e o Livro de Urântia -- parte 3



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Não é à toa que o Ajustador do Pensamento é chamado de Monitor Misterioso (sobre a dificuldade de explicar como funciona seu trabalho).

A gravura medieval no início do vídeo é de Aristóteles.

sábado, julho 07, 2012

"Pois este é o caminho por que Deus nos guia".

Assistindo à aula que Olavo de Carvalho está dando hoje por ocasião do lançamento de seu novo livro, devo lamentar (mais uma vez) que não lhe tenha interessado ler o Livro de Urântia, o que evitaria erros, por exemplo o de dizer que o daimon de Sócrates lhe impunha atitudes. O daimon de Sócrates é seu Ajustador de Pensamento, o espírito de Deus presente em cada homem nascido em nosso planeta desde que Jesus legou o Espírito da Verdade.*

O Ajustador do Pensamento jamais impõe qualquer coisa ao ser humano a que está ligado, ele lhe sugere, e sempre se sujeita à sua decisão final. O espírito consegue realizar algo quando a vontade soberana do homem coaduna-se com o que o espírito lhe propõe. Eles experenciam em conjunto então, à sua maneira, algo de significativo no plano cósmico.

Sócrates pode chiar que o espírito pede isso ou aquilo, fazer um charminho (na realidade ele não fez, diante da morte agiu com um verdadeiro estóico avant la lettre, só vale como argumento), mas ele quis realizar o que o espírito lhe traz à alma; eles chegaram a um entendimento.

OK, digamos que Olavo foi impreciso no termo que usou (antes que fique ofendido). Numa palestra em que reclama justamente da falta de clareza conceitual, é bom fazermos aqui a nossa parte também.

......

* Antes de Jesus (caso algum sujeitinho queira meter-se à besta) o Ajustador do Pensamento também habitava a mente de homens de carne e osso, como a de Sócrates, mas não a de todos.

domingo, junho 17, 2012

Carta de Hamlet

Duvide que as estrelas não sejam fogo
Duvide que o próprio sol seja um engano
Duvide que a verdade não fale engodos
Mas, Ofélia, nunca duvide que eu amo.

quinta-feira, junho 14, 2012

O escravo de Mênon

Sócrates acredita que seu método de mostrar a uma pessoa que ela não conhece para valer aquilo que acredita que conhece lhe faz um bem, muito embora a desnorteie como a uma barata tonta num primeiro momento. Pois, diz ele, "agora, ciente de que não sabe, terá, quicá, prazer em, de fato, procurar (...)".

Procedendo por perguntas e respostas, Sócrates faz com que o escravo dê o ar da graça àquilo que, segundo ele (não sei se concordo com isso), já sabia, ou seja, que o lado do quadrado de oito pés é um quadrado inscrito num quadrado de dezesseis pés. Já sabia, mas o tinha esquecido, dirá Platão. O trabalho socrático consiste portanto numa rememoração do que foi esquecido.
  (http://www.prof2000.pt/users/amma/af18/t5/menon.htm)

Dar aula é um exercício de extrair do aluno o que ele já sabe (e pelo que já sabe chegar ao que não sabe, porém desconfia, por degraus), fazendo-o expressar-se a seu jeito, com suas palavras. Sócrates costumava encorajar seus interlocutores meninos a expressarem-se sem medo sobre aquilo que pensavam. Lançar-se a falar, ter que esboçar aquilo que está dentro de si, é a melhor maneira de iniciar o aprendizado. Como ele dizia, se a pessoa não sabe, vai se embananar e perceberá que não sabe aquilo que lhe parecia fácil de longe. O seriado Chaves mostra algumas situações deste tipo no cenário da escola. "Mas isso é muito fácil." "Ok, então me responda", diz o professor Girafáles.  "Mas é muito fácil, me dá outra." "Não, responda-me essa antes." E o aluno vê que não sabe. Em matemática, acontece de montão.

Como Sócrates disse, é realmente um trabalho de parto. As dores vão aperecendo para o bebê vir à luz.

O trabalho de Jesus era um pouquinho diferente. Consistia antes em acionar o altruísmo da pessoa pedindo-lhe ajuda, trazer à luz seu lume divino, mas não em limar seus erros (não de início). Não era um ensino técnico. Era um ensino de bondade, que se dava pela sua própria vida, pelo que era capaz de inspirar nas pessoas por quem passava.

O método socrático dificilmente seria utilizado por Jesus, porque Sócrates com freqüência sobrecarregava o interlocutor (e podia causar antipatia) com sua série de perguntas e correções. Jesus procuraria antes tornar seu evangelho atraente, gracioso.

Na realidade, quando Sócrates aceitou morrer por Atenas, sua vida também define-se (se faltava alguma dúvida) como uma inspiração. Não é à toa que muita gente compara a trajetória de ambos. Sócrates quis fazer a vontade do Deus interior, que naquele momento lhe sussurrava para ficar.

......

Retirado do texto deste saite: Conhecimento em Platão.

segunda-feira, junho 11, 2012

Experimente falar mal de Caetano Veloso numa faculdade de letras para ver o cinturão de silêncio búdico que farão em seu torno. Queria ver só o que Tom Jobim responderia (se estivesse com saco) se alguém lhe chamasse de poeta: "Meu filho, Manuel Bandeira é poeta. Eu sou músico popular com requintes clássicos." Uma amiga minha ficou toda mexida e respondeu com algumas pedras na mão quando disse que Gilberto Gil não sabe o que é cultura. Gilberto Gil entende, no máximo, de música popular. Como ministro, foi um falastrão irresponsável. Existe uma idolatria desprezível no Brasil em torno de certas figuras. Intocáveis como Lula, Gilberto Gil, Caetano Veloso (coitado do Caetano, as pessoas dizem que é poeta, mas ele sabe que isso é tudo balela, só não tem saco de negá-las, dá muito trabalho e ele é baiano). Amiga minha, cresça. É preciso falar mal das pessoas (que fique claro: sem maledicência. É preciso criticar comportamentos ruins, comportamentos que podem ser mudados). Pode falar mal de mim.

sábado, junho 09, 2012

quinta-feira, maio 31, 2012

Manhattan

(Tracy) -- Páre de lutar contra. Você sabe que você é louco por mim.

(Isaac) -- Eu sou. Você é... Você é a resposta de Deus a Jó. Você teria acabado com as brigas entre eles. Ele teria apontado para você e dito assim: "Eu faço coisas terríveis, mas também faço coisas assim."

(Isaac) -- E Jó teria dito: "OK, você venceu."

quarta-feira, maio 30, 2012

Sete músicas populares brasileiras

Considerem o momento, amanhã posso gostar de outras. Mas hoje Metamorfose ambulante fica de fora.

Marcha dos pescadores - Dorival Caymmi
Água de beber - Tom Jobim
Brasil pandeiro - Novos Baianos
Preta pretinha - Novos Baianos
Marina - Dorival Caymmi
Dora - Dorival Caymmi
Nossa Senhora - Roberto Carlos

terça-feira, maio 29, 2012

A pior coisa do mundo é o amor não correspondido.

domingo, maio 20, 2012

Colegas, compartilho com vocês aqui mensagem de Wagner M. Andrade (apresentando texto de Douglas Campos Frazão) no fórum do ELUB, acrônimo para estudantes do Livro de Urântia no Brasil. Ela fala sobre os fracassos e como eles podem ajustar e afinar nossa percepção da realidade, e utiliza um exemplo marcante de vida. Foi embasada nos discursos de Rodam de Alexandria, filósofo da escola que daria um Clemente no século seguinte. Bom, enjoy.

......

Coloco aqui pra vocês, uma daquelas pérolas que guardo com muito carinho dos nossos companheiros de jornada.  É um estudo feito pelo Douglas Campos Frasão. Ele postou no facebook uns 20 dias atrás, salvei e consegui ler somente agora, depois entro lá e dou um "curtir" rsrsrs. Ele colocou um pouco de sua alma neste texto, talvez seja por isso que me tocou também na alma. Então vamos a mensagem:

“Deixe-me compartilhar com vocês a história da vida de alguém.
Era um homem que:
Faliu no negócio com 31 anos de idade.
Foi derrotado numa eleição para o Legislativo com 32 anos.
Faliu outra vez no negócio aos 34 anos.
Superou a morte de sua namorada aos 35.
Teve um colapso nervoso quando tinha 36 anos.
Perdeu uma eleição com a idade de 38.
Perdeu nas eleições para o Congresso aos 43, 46 e 48.
Perdeu uma disputa para o Senado com a idade de 55.
Fracassou na tentativa de tornar-se vice-presidente aos 56 anos.
Perdeu uma disputa senatorial aos 58 anos.”

Depois de agradável colóquio aqui neste grupo sobre as maravilhas do documento 140 e as excelências do 160, resolvi reler o documento 160 do LU e, ao meditar no trecho abaixo, imediatamente relembrei o que havia lido alhures na minha adolescência, no livro “Poder Sem Limites” de Anthony Robbins (sim, é um livro de P.N.L) a respeito do homem acima descrito. O trecho ao qual me refiro do livro de Urantia no documento 160 é o seguinte:

*160:4.13 “A vida, contudo, transformar-se-á em uma carga existencial, a menos que aprendais como fracassar airosamente. Existe na derrota uma arte que as almas nobres sempre adquirem; deveis saber como perder sem perder a alegria; não deveis ter temor ao desapontamento. Nunca hesiteis em admitir o fracasso. Não tenteis disfarçar o fracasso por baixo de sorrisos justificativos ou, mesmo, de decepção ou de otimismo irradiantes. Soa bem clamarmos pelo sucesso, sempre; mas os resultados finais podem ser consternadores. Tal técnica leva diretamente à criação de um mundo de irrealidade e ao choque inevitável da desilusão final”.*

Aqueles de nós que cresceram em meio a traumas que esmagaram a auto-estima e o amor próprio, trazendo para a vida adulta os desafios de antanho, no mínimo se sentem agradavelmente surpresos com a afirmativa do LU acima. Eu pelo menos me senti. Nunca me foi ensinada quando mais precisei a sabedoriadessa realidade que é o ‘crescimento em sabedoria através do fracasso’. Essa ‘arte’ como o Livro traz é vital para a sedimentação de uma personalidade saudável, que sabe rir dos próprios erros, que não tem medo de fracassar porque o fracasso é um aprendizado tanto quanto o sucesso. Ou mais (?). E sobretudo, a pessoa que cresce nessa arte não tem medo de tentar, não tem medo de arriscar, não tem medo de colocar a cara a tapa para a vida e pagar o preço para vencer, a si mesma e aos desafios, porque sabe que:

*160:4.14 “O êxito pode gerar coragem e proporcionar autoconfiança, mas a sabedoria advém somente das experiências de ajustamento aos resultados dos fracassos. Os homens que preferem as ilusões otimistas à realidade nunca se tornam sábios. Somente aqueles que enfrentam de frente os fatos, ajustando-os aos ideais, podem alcançar a sabedoria. A sabedoria inclui tanto os fatos, quanto o ideal e, por conseguinte, salva os seus devotos dos dois extremos estéreis da filosofia — o do homem cujo idealismo exclui os fatos; e o do materialista que é desprovido de abertura espiritual. As almas tímidas, que só mantêm a luta pela vida com a ajuda de falsas ilusões continuadas de sucesso, estão fadadas a sofrer fracassos e a experimentar a derrota quando, finalmente, acordarem do mundo de sonhos da sua própria imaginação”.*

Eu vi aqui palavras que cresceram aos meus olhos: ajustamento, enfrentar os fatos, ajustar os fatos aos ideais... Quem pilota sabe que o curso tem de ser permanentemente ajustado para que o desiderato final seja atingido. Por isso o bom piloto não dispensa a orientação de um navegador. Esse ajuste, essa adaptação evolutiva, traz experiência e se a experiência for bem aplicada, advém a sabedoria prática. Todavia, o mais fascinante nessa experiência é que o nosso destino final não é aleatório. Temos um pré-destino (ou seja, um alvo final previamente designado) sabiamente escolhido por Ele mesmo, o autor da Vida em pessoa, sendo ele mesmo nosso alvo maior, nosso escopo! Por isso, podemos concordar com o que o LU traz:

*160:4.15 “E, nesse afã de encarar os insucessos, e de ajustamento à derrota, é que a visualização de longa distância, na religião, exerce a sua suprema influência. O malogro é simplesmente um episódio educacional — um experimento cultural na aquisição da sabedoria — , na experiência do homem que busca a Deus e que embarcou na aventura eterna da exploração de um universo. Para tais homens a derrota não é senão um novo instrumento para a realização de níveis mais elevados de realidade no universo”.*

Essa aventura eterna da exploração pressupõe que quedas, desacertos, malogros e demais desafios ocorram sim, porque daí surge o aprendizado necessário como alicerce para a construção de novas experiências, em novos níveis, em cada vez mais refinadas zonas espaço-tempo dimensionais por enquanto só imaginadas, e ainda assim tão parcamente. Mas até que esse destino possa ser atingido, a caminhada em si já é um somatório de oportunidades para rápidos ‘encontros’ com o Destino Inicial/Final/Inicial de todos nós, ainda que tudo aparentemente seja fracasso e miséria. Por isso o Livro de Urantia arremata:

*160:4.16 “A carreira de um homem que busca a Deus pode ser um grande êxito à luz da eternidade, ainda que toda a empresa da vida temporal possa parecer um completo malogro, cada fracasso na vida deve ser colhido como um complemento para se alcançar a cultura da sabedoria e do espírito. Não cometais o erro de confundir conhecimento, cultura e sabedoria. Eles estão relacionados entre si na vida, mas representam valores espirituais bastante diferentes: a sabedoria sempre domina o conhecimento e sempre glorifica a cultura”.*

Pois bem: conhecimento+experiência(de sucessos e principalmente fracassos)=sabedoria. Penso que o conhecimento seja estático, a sabedoria dinâmica. O conhecimento é potencial, a sabedoria é ato. E mais do que isso, a sabedoria é quem manda! Rsrsrs. Ela deve dominar o conhecimento, e não o contrário. E só ela pode glorificar a cultura. O conhecimento, se o faz, faz sem autoridade moral... E a sabedoria só vem da maturidade oriunda de uma experiência que alberga conhecimentos do sucesso e do fracasso.

Voltando um pouco no texto do documento 160, Rodam, o alexandrino, faz importantes e fulcrais questionamentos:

*“160:3.1 O esforço na direção da maturidade exige trabalho; e trabalho requer energia. De onde viria o poder para realizar tudo isso? * * As coisas materiais poderiam ser visualizadas como algo garantido e, sobre isso o Mestre disse bem: “Nem só de pão vive o homem”. * * Garantida a posse de um corpo normal e com saúde razoavelmente boa, devemos em seguida procurar pelas atrações que atuarão como estímulo para despertar as forças espirituais adormecidas do homem. Jesus ensinou que Deus vive no homem; * * então, como podemos induzir os homens a liberar esses poderes, de divindade e de infinitude, de dentro das suas almas? * * Como induzirmos os homens a liberar o Deus de dentro de si, para que possa Ele refrescar as nossas próprias almas; e para que, manifestando-se fora de nós, possa Ele, assim, servir ao propósito de iluminar, elevar e abençoar outras incontáveis almas?* * Como posso eu, da melhor maneira, despertar tais poderes latentes, adormecidos nas vossas almas, para o bem? * * De uma coisa estou seguro: a excitação emocional não é o estímulo espiritual ideal. A excitação não aumenta a energia; antes exaure os poderes, tanto da mente, quanto do corpo.* * De onde vem então a energia para fazer as grandes coisas? * * Vede o vosso Mestre. Ainda agora, está longe nas montanhas, enchendo — se de energias, enquanto nós estamos aqui, gastando energia. O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual. E esse intercâmbio, de força por fraqueza, de coragem por medo, da vontade de Deus pela vontade da mente do ego, constitui em si a adoração. Pelo menos, esse é o modo pelo qual o filósofo a vê”.*

É curioso isso: as pessoas confundem excitação emocional com estímulo espiritual. Mas por sua própria natureza (e Rodam já havia analisado isso antes) emoções e sentimentos se manifestam em gangorra que acabam por quedar a pessoa que vive em função deles, fazendo o contrário do que se deveria que é fazer os sentimentos e emoções viverem em função do todo maior que é a pessoa. Vemos isso nas religiões mais diversas, sobretudo as mais populares. Contudo, Rodam afirma que* “O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual”.*

O recolhimento em si para comunhão individual com o Pai que habita em nós desperta em ondas cada vez maiores e melhores, que trazem à tona a força espiritual necessária para ajustar a realidade ao ideal, para reajustar o curso, para recomeçar de novo pela 9.999 vez uma forma nova de não se fazer a lâmpada. E essa é a força desejável para se ir em frente. Como diriam os publicitários agora: JUST DO IT!

Ah, lembram-se do fracassado do início dessas linhas? Anthony Robbins conclui a história dele assim:

“Foi eleito presidente dos Estados Unidos aos 60 anos. O nome do homem era Abraham Lincoln. Poderia ele ter se tornado presidente se tivesse visto suas perdas nas eleições como fracassos?”

Pensem nisso. Bom final de semana e um grande beijo, no Bem, no Belo e no Verdadeiro que há em vocês.

D.’.

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Abraham Lincoln, numa época em que no interior do país professores eram quem quer que sabia ler e escrever melhor, no total só teve um ano de educação formal. Mas não andava sem um livro debaixo do braço.

quinta-feira, maio 17, 2012

Ideologia é a vazão coletiva e disfarçada de neuroses.

sexta-feira, maio 11, 2012

Felicidade

Matthieu Ricard fala nesse vídeo (com legenda em português, se você acioná-la) sobre felicidade. Só de ouví-lo falar por um tempo já fico com a mente cansada: uma vontade de dormir...

Quiçá o sono dos apóstolos ao pé do Getsêmani fosse semelhante. "Orai e vigiai", lembram?

Traduzo a seguir trecho do livro Happiness. 

O poder da compaixão

Outro método que nos permite lidar com o sofrimento, tanto emocial quanto físico, está relacionado à prática da compaixão. Através da compaixão nós assumimos o controle de nossos próprios sofrimentos, ligados ao de todos os outros, pelo pensamento de que "outros além de mim passam por aflições semelhantes à minha, e algumas vezes bem piores. Como eu desejaria que eles também pudessem ficar livres de sua dor". Depois disso, não sentimos nossa dor tão opressiva e paramos de fazer a pegunta amarga: "Por que eu?"

Mas por que deveríamos viver deliberadamente o sofrimento de outras pessoas quando chegamos ao extremo de evitar o nosso próprio? Agindo assim, não estaríamos aumentando desnecessariamente nosso fardo? Não, não estaríamos. Quando estamos completamente ensimesmados, estamos vulneráveis e tornamo-nos presa fácil da confusão, impotência e ansiedade. Mas quando vivenciamos um sentimento poderoso de empatia com o sofrimento dos outros, nossa resignação impotente dá lugar a coragem, depressão a amor, mentalidade estreita a abertura para com todos ao nosso redor. Aumentar a compaixão e a generosidade amorosa, o supra-sumo da emoção positiva, desenvolve nossa presteza para oferecer alívio ao sofrimento de outros enquanto se reduz a importância de nossos problemas. 

sábado, maio 05, 2012

Bonecos de José Bonifácio, Joaquim Nabuco...

As cartas de José Bonifácio para Dom Pedro I, inclusive a que decidiu o príncipe pela declaração de independência, não estão disponíveis na Internet. Digitalizadas apenas não bastam (a letra do patriarca é ilegível).

Procurei um pôster de José Bonifácio na Internet e não encontrei. O Brasil devia ter bonecos dele, de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Dom Pedro II, e outros.

Sra. Ministra Ana de Hollanda,

queira cuidar desses assuntos. Um país precisa conhecer sua história e quem a fez.

terça-feira, abril 24, 2012

Oratio inauguralis Sarneyis

habeo hasternos eosdem oculos. Et sum carcerarius affectus qui non finit. Deus mei fidei, qui me custodiui vitam, voluit ut presiderem huic sollemnitati. Ille non me portauisset a tam longe, si quoque non me daret, ex sua bonitate, virtutes patientiae, aequilibri, fortitudinis, idealismi, firmitatis et visionis maxumis nostrae curae prae illa natione et sua historia.

quinta-feira, abril 12, 2012

Ministros do STF e juristas em geral que opinaram sobre o julgamento pelo aborto ou preservação de fetos anencéfalos estão numa cruzada mental contra o cristianismo. Porque a Igreja defende uma política, eles são contra. Tornaram-se escravos da Igreja Católica, não menos que o devoto repetindo mecanicamente a cúria.

quarta-feira, abril 11, 2012

Oratio inauguralis secunda

"Cum malitia versum nullum, cum caritate ad omnes, cum firmitate in iure sicut Deus nos dat ut videmaus iurem, conitamur ut perficiamus opem in quo nos sumus, ut nectamus vulnes nationis, ut curemus illum qui pertulerit praelium et suam viduam mulierem et suum orfanum, ut facessamus omnis quod possit attingere et alere iustam et perpetuam pacem inter nobis et cum omnibus nationibus."

Abraham Lincoln

terça-feira, abril 10, 2012

Amizade

I kept wondering up to this day
how to make others their reasons sway,
But now I must say: It is a treason
to impose upon others your own way.

Then, now, my friend, I wish you to think
what you think, because we are two links
to God, if so, if not, unity in Him sole.

Amizade não tem nada que ver com compartilhamento de objetivos, como queria Aristóteles. Ao contrário, tem que ver com a indiferença para com as opiniões do amigo, não importa o que ele pensa, seja diferente, seja semelhante, o amigo respeita sua autonomia. Querer concordar com o amigo é um elemento utilitário na amizade.

A proximidade de objetivos, claro, aproxima pessoas e gera empatia. Mas não sustenta, sozinha, uma amizade. É preciso querer que o amigo tenha as suas idéias, não as nossas.

Vou traduzir um texto de Simone Weil sobre amizade. Não tenho o original em francês, por isso traduzirei da versão inglesa.

"Existe no entanto um amor pessoal e humano que é puro e que conserva uma insinuação e uma reflexão do amor divino.  Esse amor é a amizade, desde que nos atenhamos estritamente ao verdadeiro significado da palavra.

Preferência por um ser humano é necessariamente algo diferente de caridade. A caridade não discrimina. Se a encontramos de maneira mais abundante em determinado local, é porque a aflição deu ensejo para propiciar ali uma ocasião de troca de compaixão e gratidão. Está igualmente disponível para toda humanidade, uma vez que a aflição pode atingir a todos, oferecendo a eles uma oportunidade para essa troca.

Preferência por um ser humano pode ser de dois tipos. Ou estamos procurando algum bem particular nele, ou precisamos dele. De uma maneira geral, todas as conexões se enquadram em um desses dois. Nós nos dirigimos a algo, ou porque há um bem dele que queremos, ou porque não podemos viver sem ele. Algumas vezes os dois motivos coincidem. Com freqüência, porém, não. Cada um é distinto e bem independente. Nós comemos alimentos de que não gostamos, se não temos nada mais, porque não podemos agir de outro modo. Um homem razoavelmente avaro busca acepipes, finuras, mas pode facilmente viver sem eles. Se não temos ar, sufocamos; lutamos para conseguí-lo, não porque esperamos obter alguma vantagem dele mas porque precisamos dele. Vamos em busca do ar marinho sem sermos levados por qualquer necessidade, porque gostamos. Com freqüência, acontece automaticamente de o segundo motivo tomar o lugar do primeiro. Essa é uma das principais infelicidades de nossa espécie. O homem fuma ópio para alcançar uma condição especial que considera superior; com freqüencia, com o passar do tempo, o ópio o reduz a uma condição miserável que ele considera degradante, com o qual porém não consegue mais deixar de viver. Arnolfo comprou Agnes de sua mãe adotiva, porque lhe parecia seria uma vantagem ter consigo uma menina, uma menina que tornaria gradualmente numa boa esposa. Mais tarde ela só lhe causou um tormento lacerante e degradante. Mas com a passagem do tempo sua ligação a ela tornou-se um elo vital, que o forçou às seguintes palavras saídas de seus lábios:

"Mas sinto em tudo isso que serei ferido."

Harpagon começou achando que o ouro era uma vantagem. Mais tarde, ele se tornou nada mais do que o objeto de um encosto obsessivo, não obstante um objeto cuja perda causaria sua morte. Como diz Platão,  há uma grande diferença entre as essências do Necessário e do Bom.

Não há contradição alguma entre buscar nosso próprio bem num ser humano e desejar que seu bem aumente. Por esta mesma razão, quando o motivo que nos impele para junto de alguém é apenas uma vantagem para nós mesmos, as condições da amizade não são realizadas. A amizade é uma harmonia sobrenatural, uma união de opostos.

Quando um ser humano é em algum grau necessário para nós, não podemos desejar o seu bem salvo se paramos de desejar o nosso próprio. Onde há necessidade há constrangimento e dominação. Nós temos o poder sobre aquilo de que precisamos, a não ser que o possuamos. O bem central de todo homem é dispor de si livremente. Ou o renunciamos, o que é um crime de idolatria, uma vez que só pode ser renunciado em favor de Deus, ou desejamos que o ser de que necessitamos seja privado da livre disposição de si próprio.

Qualquer tipo de mecanismo pode unir seres humanos com laços de afeição que têm a férrea dureza da necessidade. O amor materno é sempre deste tipo; igualmente também o é o paterno às vezes, como em Père Goriot de Balzac; igualmente o é o amor carnal na sua forma mais intensa, como em L'Ecole des Femmes e em Phèdre; igualmente, com muita freqüência, o é o amor entre marido e mulher, principalmente por conta do hábito. Os amores filial e fraterno mais raramente serão desta natureza.

Há ainda grau de necessidade. Qualquer coisa é necessária em algum grau se sua perda implica uma diminuição de energia vital. (Esta palavra é usada aqui com o sentido preciso e estrito que deve ter se o estudo do fenômeno vital estiver tão avançado quanto o de corpos que caem.) Quando o grau de necessidade é extremo, a privação leva à morte. Este é o caso quando quando toda a energia vital de um ser está intimamente associada com outro por alguma conexão. Nos graus menores, a privação leva a uma diminuição mais ou menos considerável. Assim uma total privação de comida leva à morte, enquanto uma privação parcial apenas diminui a força vital. Não obstante, a quantidade necessária de comida é considerada aquela necessária para que uma pessoa não fique fraca.

A causa mais freqüente de necessidade nas ligações de afeto é uma combinação de simpatia e hábito. Como no caso da avareza ou da compulsão por bebida, aquilo que de início foi uma busca por um bem desejado transforma-se numa necessidade com a passagem do tempo. A diferença da avareza, compulsão por bebida, e qualquer vício, no entanto, é que nas ligações de afeto os dois motivos -- busca por um bem desejado e necessidade -- podem muito bem coexistir. Eles podem também estar separados. Quando a conexão de um ser para com outro baseia-se na necessidade e nada mais, ela é algo assustador. Poucas coisas no mundo podem atingir um tal grau de feiúra e horror. Sempre há algo horrível quando um ser humano procura o que é bom é só encontra necessidade. As histórias que contam de um ser amado que de uma hora para outra aparece com uma cabeça de morte simbolizam melhor isso. A alma humana possui um arsenal de mentiras com o qual estatui uma defesa contra esta feiúra, e, em imaginação, cria vantagens falsas onde só há necessidade. É por essa mesma razão que a feiúra é um mal, porque conduz à mentira.

Falando de maneira geral, podemos existir que a aflição está presente onde quer que a necessidade, sob a forma que seja, é imposta de maneira tão drástica que a dureza excede a capacidade de mentir da  pessoa que recebe o impacto. É por essa razão que as almas mais puras são as mais expostas à aflição. Para quem é capaz de prevenir a reação automática de defesa, que aumenta a capacidade da alma de mentir, a aflição não é um mal, não obstante sempre machuque e em certo sentido seja uma degradação.

Quando um ser humano está conectado com outro por uma ligação de afeição que contém algum grau de necessidade, é impossível pretendermos que a autonomia seja preservada tanto em si mesmo quanto no outro. É impossível devido ao mecanismo da natureza. No entanto, torna-se possível pela intervenção miraculosa do sobrenatural. Este milagre é a amizade.

"A amizade é uma igualdade feita de harmonia", disseram os pitagóricos. Existe harmonia porque há uma união sobrenatural entre dois opostos, quais sejam, necessidade e liberdade, os dois opostos que Deus combinou quando criou o mundo e os homens. Existe igualdade porque cad aum deseja preservar a faculdade de livre consentimento tanto em si quanto no outro.

Quando alguém deseja colocar-se sob o domínio de um ser humano ou consente em subordinar-se a ele, não há traço de amizade. Pilades de Racine não é amigo de Orestes. Não há amizade onde há desigualdade.

Uma certa reciprocidade é essencial na amizade. Se a boa vontade falta integralmente em um dos dois lados, o outro deveria suprimir sua própria afeição, em respeito ao livre consentimento que ele não deveria desejar forçar. Se em um dos dois lados, não há respeito pela autonomia do outro, este outro deve cortar essa ligação em respeito a si mesmo. Da mesma maneira, aquele que consente em ser escravo não pode ganhar a amizade. Mas a necessidade contida na ligação de afeto pode existir em um lado apenas, e neste caso só há amizade de um lado, se nos ativermos ao significado estrito e exato da palavra.

Uma amizade enferruja tão logo a necessidade triunfe, ainda que por um momento apenas, sobre o desejo de preservar a faculdade do livre consentimento em ambos os lados. Em todas os assuntos humanos, a necessidade é o princípio da impureza. Qualquer amizade é impura se um mero traço do desejo de agradar ou o desejo contrário de dominar está presente nela. Numa amizade perfeita estes dois desejos estão totalmente ausentes. Os dois amigos consentiram em ser dois e não um, eles respeitam a distância que o fato de serem duas criaturas distintas coloca entre eles. O homem tem o direito de desejar união direta apenas com Deus.

A amizade é um milagre pelo qual uma pessoa consente em ver de uma certa distância, e sem chegar mais perto, o ser mesmo que lhe é necessário como a comida. Requer a força de alma que Eva não teve; e não obstante ela não tinha necessidade do fruto. Se estivesse com fome no momento em que olhou para a fruta, e se a despeito disso ficasse olhando para ela indefinidamente, sem dar um passo em sua direção, teria praticado um milagre análogo ao da amizade perfeita.

Através desse milagre sobrenatural de respeito pela autonomia humana, a amizade se parece muito com as formas puras de compaixão e gratidão por que a aflição clama. Em ambos os casos, os termos contrários da harmonia são a necessidade e a liberdade, ou em outras palavras subordinação e igualdade. Estes dois pares de opostos são equivalentes.

Uma vez que o desejo de agradar e o desejo de comandar não estão presentes na amizade pura, ela tem em si, ao mesmo tempo que a afeição, algo que não difere muito de uma completa indiferença. Embora seja uma ligação entre duas pessoas, num certo sentido é impessoal. Deixa intacta a impessoalidade. De modo algum nos impede de imitar a perfeição de nosso Pai no paraíso, que distribui livremente a luz do sol e a chuva por todo canto. Ao contrário, a amizade e essa distribuição são as condições mútuas uma da outra, em muitos casos em qualquer grau. Porque, como praticamente todo ser humano está unido a outros por ligações de afeto que guardam em si algum grau de necessidade, ele não pode caminhar rumo à perfeição exceto se transformar essa afeição em amizade. A amizade tem algo de universal. Consiste em amar um ser humano como gostaríamos de amar cada alma em particular de todas que formam a espécie humana. Da mesma maneira que um geômetra olha uma figura determinada para deduzir as propriedades universais do triângulo, aquele que sabe como amar dirige a um ser humano em particular um amor universal. Tão logo desejamos que essa autonomia seja respeitada em mais do que um ser humano desejamos para todos, pois deixamos arrumar a ordem do mundo num círculo cujo centro é aqui embaixo. Transportamos o centro do círculo para além dos paraísos.

A amizade não tem esse poder se os dois seres que se amam, por meio de um uso ilegal da afeição, pensam que formam um apenas. Então não haverá amizade no verdadeiro sentido da palavra. Isso é o que se pode chamar de uma união adúltera, ainda que se dê entre o marido e a mulher. Não há amizade se a distância não é mantida e preservada.

O mero fato de ter prazer em pensar da mesma maneira que o ser amado, ou em todo caso o fato de desejar essa concordância de opinião, ataca a pureza da amizade ao mesmo tempo que sua integridade intelectual. É bem freqüente. E ao mesmo tempo a amizade pura é rara.

Quando as ligações de afeição e necessidade entre seres humanos não são transformadas sobrenaturalmente em amizade, não apenas a afeição é de uma ordem impura e baixa, mas também estará misturada com o ódio e a repulsão. Isso é mostrado muito bem em L'Ecole des Femmes e em Phèdre. O mecanismo é o mesmo em afeições outras que o amor carnal. É fácil entender isto. Nós odiamos aquilo de que dependemos. Nós sentimos aversão por aquilo que depende de nós. Algumas vezes a afeição não apenas se mistura com o ódio e a repulsão; ela se transmuda inteiramente neles. A transformação pode mesmo ser imediata algumas vezes, de modo que qualquer afeição mal consegue se mostrar; este é o caso quando a necessidade é revelada logo de cara. Quando a necessidade que aproxima pessoas não tem nada que ver com emoções, quando se deve apenas a circunstâncias, a hostilidade normalmente mostra suas garras desde o início.

Quando Cristo disse a seus discípulos: "Amem-se uns aos outros", não era a conexão (attachment) que ele revelava como regra. Já que era um fato que havia ligações entre eles devido aos pensamentos, à vida, e aos hábitos que compartilhavam, ele incitou-os a transformar essas ligações em amizade, de modo que não lhes fosse permitido torná-la uma conexão impura ou ódio.

Uma vez que, pouco antes de morrer, Cristo deu esse novo mandamento em adição aos dois grandes mandamentos de amor pelo próximo e do amor por Deus, podemos considerar que a amizade, como o amor pelo próximo, tem algo de sacramental. Cristo talvez quisesse sugerir isso em referência à amizade cristã quando disse: "Quando há dois ou três reunidos em meu nome, ali estarei eu presente." A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita que pertence à Trindade e é a essência mesma de Deus. É impossível que dois seres humanos sejam um enquanto respeitam a distância que os separa, a não ser que Deus esteja presente em cada um deles. O ponto em que os paralelos se encontram é o infinito."
......

Completo eu, a amizade guarda a distância de respeitar, e mais que respeitar, querer que o outro tenha suas opiniões, mas, além disso, e já resvalando para o que se chama mais propriamente de amor, o amigo quer ver com seus olhos, compartilhar -- embora sem curiosidade, que pode acionar seu mecanismo de defesa --de seus motivos íntimos, entendê-lo, amá-lo.

quarta-feira, março 28, 2012

Oratio Gettysburgensis

octoginta et septem annos abhinc nostri patres ferrerunt hoc continente novam nationem, concepta in libertate, et dicata ad propositionem ut omnes viri pariuntur aequalibus.

nunc committimur magno civile bello, quod temptat si illa natio, vel cuijavis natio, sic concepta et dicata, potest multe perferre. congredimur in magna acie illius belli. venimus dicare portionem illius aciei sicut terminalis stativa pro illis quibus dauerunt huc suas vitas ut illa natio possit vivere.

atque, prae amplior significatione, non possumus dicare, non possumus consecrare hanc tellem. valorosi viri, vivi et mortui, qui bellaverunt huc, consacraverunt eam, longe supra nostram pauperem potestatem adjunctu vel detractu. mundus vix contemplabit neque multum memoret qui huc dicamus, sed is nunquam potest oblivisci quod ei huc facerunt. ad nos vivi potius est noster officium dicemus nos ipsos huc infecto labori quem ei qui pugnaverunt adhuc tam animose procedere. ad nos potius est noster officium dicemus nos ipsos huc magno labori manendus ante nos -- ita ex his honorati mortui capissimus auctem studium illa causa cui ei daverunt proxumam plenam mensuram studii -- ita eminenter cernimus hos mortuos nequiquam non moriti -- ita haec natio, sub Deum, tenebit novam origem libertatis -- et ita rectio populi, ab populo, pro populo, non concidet de tellure.

Abraham Lincoln.

......

Complace non cunctare me corrigere.

quinta-feira, março 22, 2012

"Si politici possunt me iterdicere ut permaneam sicut imperator, abdicabo et permanebo sicut voluntarius patriae." (Petrus Secundus, imperator Brasiliae)

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Petista lê um artigo de Olavo de Carvalho e vai pensando:
-- Será que eu fiz isso tudo mesmo?
Olavo em sua cabeça:
-- Fez.
Admirado:
-- Puxa, como eu sou bom.
E sai todo pimpão.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

I and my godly friend debate
endeavoring to get things straight.

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Tropas de Elite 1 e 2

A interpretação do personagem Nascimento no segundo é melhor, até porque Wagner Moura já o conhecia há mais tempo, e pode trabalhá-lo bastante depois da repercussão do primeiro filme.

A consciência imediata de questões comportamentais no primeiro, em meio à sucessão torrencial de pressões do trabalho e da vida pessoal, que faz a riqueza do primeiro filme, esvazia-se numa consciência política no segundo. Não me venham dizer que o amor filial no segundo mantém a tonalidade da consciência em meio a esquemas e brigas políticos, porque o amor filial é quase um instinto. Não, a epígrafe do primeiro filme, uma sugestão, tendência, torna-se, no segundo, uma tese. Nascimento é um joguete de forças político-sociais, mesmo que queira combatê-las. Sua vida pessoal, seus questionamentos morais, como a vontade de recuperar o corpo -- reclamado pela mãe -- do fogueteiro torturado pelo Bope, e morto em seguida por traficantes, apaga-se na acachapante consciência política. Nascimento cresce como ser político, mas como homem perde. Nunca é uma boa troca. A vida política é louvável, mas não deveria cobrar a desistência de questões comportamentais que toda hora nos surpreendem.

O impressionante personagem André também não terá mais vida pessoal nem dilemas morais. Ele se torna apenas o capitão dedicado do Bope. Onde estão suas questões pessoais?

A situação social era o teatro do homem no primeiro, no segundo a circunstância se destaca e o homem vira paisagem, a relação se inverte. Conquanto incensado o segundo, o primeiro Tropa de Elite é melhor.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

O choro dos norte-coreanos

Se o choro dos norte-coreanos não é ensaiado, então é o choro do escravo que só pode dar vazão à sua tristeza junto com a tristeza do seu senhor. Simone Weil explica isso no seu ensaio sobre a Ilíada.

"E o que é preciso para o escravo chorar? O infortúnio de seu senhor, seu opressor, espoliador, saqueador, do homem que arrasou seu país e matou seus parentes e amigos debaixo de seu nariz. Este homem ou sofre ou morre; então as lágrimas do escravo vêm. Ora, e por que não? Esta é a única ocasião em que as lágrimas lhe são permitidas, em que são mesmo obrigatórias. Um escravo sempre vai chorar quando puder fazê-lo impunemente - sua situação mantém as lágrimas em suspenso.

Ela falou, chorando, e as mulheres gemiam,
Usando o pretexto de Pátroclo para lamentar seus próprios tormentos.

Como o escravo não tem licença para expressar qualquer coisa que não seja simpática a seus senhor, procede que a única emoção que pode tocá-lo ou animá-lo um pouco, que pode chegar a ele na desolação de sua vida, é a emoção do amor por seu senhor. Não há outro canal pelo qual manifestar a dádiva do amor; (...)".

domingo, dezembro 11, 2011

Para um final alternativo do filme O Cheiro do ralo

Lourenço construía seu pai-frankestein; num momento em que algo não dava certo, olhava para ele e pregava-o de tiros, em seguida ia ao banheiro fedido e enfiava-o privada abaixo dando descarga. O cheiro do ralo desaparecia. Ele contatava a garçonete e tateavam um relacionamento.

A cena -- magnífica -- da bunda seria assim: ele diz que gosta dela, ela diz que ele só gosta da sua bunda.

(Nervosa) -- Você quer ver minha bunda, você quer ver minha bunda? Eu mostro para você, não precisa pagar não.

Então ela mostra. Ele a beija (a bunda), agarra e abraça chorando, tal como no filme.

Ela o entende, e eles tateiam um relacionamento.

terça-feira, dezembro 06, 2011

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Céu e inferno de minha preferência

Um amigo me perguntou pelo Formspring quais são o céu e o inferno de minha preferência. Respondi assim:

"Inferno, Marcio:

A selva, de Ferreira da Castro, onde os desejos sexuais flamejavam, o calor era brabo, os mosquitos infernizavam. A civilização e o sangue não são páreos para eles. Praticamente sucumbem ante a lassidão da terra onde o tempo não passa. Uma imagem é eles passeando de canoa pelas matas na época das chuvas, bonita. Rousseau achava lindo o bom selvagem, lá de sua monarquia europeia.

Freud, porque revolve, como ele mesmo cita de Virgílio, os infernos da mente humana. Mexe nas merdas que há na mente.

O céu é o Livro de Urântia. Lembro agora o salmo 23, que o pastorzinho não conseguiu reproduzir com exatidão, mas que originalmente era assim.

Os Deuses são os meus guardiães; eu não me perderei;
Lado a lado, conduzem-me pelos belos caminhos e na glória revigorante da vida eterna.
E, nessa divina presença, não terei fome de alimento nem sede de água.
Ainda que eu desça ao vale da incerteza ou ascenda aos mundos da dúvida,
Ainda que caminhe na solidão ou com os meus semelhantes,
Mesmo que eu triunfe nos coros da luz ou titubeie nos locais solitários das esferas,
O Vosso bom espírito ministrará a mim, e o Vosso anjo glorioso confortar-me-á.
Ainda que desça às profundezas da escuridão e da própria morte,
Não duvidarei de Vós, nem Vos temerei,
Pois sei que, na plenitude dos tempos e na glória do Vosso nome,
Vós me elevareis, para que eu me assente Convosco nas fortificações das alturas.


Mas o Livro de Urântia, pelo excesso de espiritualidade, que minha própria carne não pode suportar, é um inferno também, um inferno de espiritualidade."

sábado, novembro 05, 2011

Descansa, revolta.

Brasileiro se revolta contra a corrupção (ah, eu nunca vou perder o sono por causa de corrupção financeira de político) e chama a isso de consciência política. Como disse Luiz Felipe Pondé no programa Painel da Globo News, não é preciso, brasileiro, se indignar a todo tempo com tudo. A vida segue ainda que o político tenha embolsado um dinheirinho, que seu vizinho aguarde quem dará o primeiro passo - se ele ou o policial - ao ser parado em blitz no trânsito, que você jogue lixo na praia (essa, sim, me indigna). Mas, que tal ficar chateado com o Fernanidnho Beira-Mar, que corrompe para as drogas? Sim, claro, ele não é o corrupto habitual, talvez seja até mais direito que o político, afinal o dinheiro que esse rouba evitaria a morte de criancinhas em hospital. OK, então, por que não, por exemplo, criar uma agravante para o crime do político? Ou, como queria um ex-professor, julgá-lo num tribunal de júri, julgamento pelo povo, como em caso de homicídio?

Fernandinho Beira-Mar acha graça de tudo isso, ele, o herói, a quem o jornal um dia estampou na capa com a manchete "Tá tudo dominado."

O político roubou, mas o espírito continua à procura de homens que o Filho Eteno chama à sua órbita. Por que fazer tanto caso deles? A vida segue, eles terão seu galardão um dia, no pós-dia, e você também. Sossega e peça para ele correr atrás do Beira-Mar.

terça-feira, novembro 01, 2011

Brasileiro não gosta de política, brasileiro só gosta de corrupção.

segunda-feira, outubro 31, 2011

Dominação

A melhor maneira de dominar alguém é fazer algo de que a própria pessoa duvidará que você tenha feito, e, se ela chegar a acreditá-lo, não conseguirá comunicá-lo a outros, seja por vergonha de ter participado naquilo, seja porque as outras pessoas não lhe acreditarão, e ela não quer passar por doida mentirosa. Então o que aconteceu subsistirá como uma erva daninha dentro de si, corroendo sua base de confiança num mundo que descrê na possibilidade de que algo do tipo lhe tenha ocorrido.

Faz-se daí a cumplicidade dominada do paciente ao sujeito da ação.

domingo, outubro 30, 2011

Blecaute

A velinha sua em bicas
criando raízes ao prato;
quisera admirá-la mais,
entanto me dói a vista.

Em breve a luz volta, alás,
e então eu a apago, grato.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Capitulo 182 de Quincas Borba

J. Apolodoro, colega de letras a quem Machado de Assis entregara uma versão de Quincas Borba para que revisse e opinasse, propôs-lhe a seguinte alteração no capítulo 182:

"(...)

Um deles, muito menor que todos, apegava-se às calças de outro, taludo. Era já na Rua da Ajuda. Fosse o delírio com Jesus, Rubião teria parado e dito: "Deixai vir a mim as criancinhas." Mas, como o Nazareno aí não tinha parte alguma, tão logo ouviu a surriada, Rubião supôs que eram aclamações, e fez uma cortesia de agradecimento. (...)

(...)"

quinta-feira, outubro 27, 2011

Soneto

por Targélia Barreto de Meneses

Em vão tentais nos ocultar a chama
Que o vosso peito alastra e que o devora,
Nós, as mulheres, fracas, muito embora,
Sabemos ler no olhar do homem que ama

No lábio que, agitando-se, descora,
Traduzimos a frase que se inflama!
E muita vez no gelo se derrama
Fogo que o peito de afeição vigora

O homem é assim inconsciente,
Sempre ostentando aquilo que não sente:
Quando jura um afeto está fingindo;

Quando se diz liberto está cativo!
Ironia cruel! Por que motivo
Há de um homem viver sempre mentindo?

segunda-feira, outubro 10, 2011

Monarquia

A monarquia é o favorecimento pessoal legalizado, com a vantagem dos belos jardins, dos homens de fraque, garbo e elegância, e das histórias de princesa. Se é para ter corrupção financeira, por que a gente escolheu a República mesmo?

quinta-feira, outubro 06, 2011

Que é a dúvida? - II

Dúvida é a alternância entre duas ou mais opções de ação, as quais não têm atratividade o bastante para que por uma delas se decida finalmente.

Que é a dúvida?

"A dúvida é uma espécie de pensamento que varia por ambas as alternativas [de um dilema], de maneira que se pensa 'Isto talvez seja assim; talvez não seja assim.'" (Yoga-Bhashya, tradução minha da tradução de James Haughton Woods)

quarta-feira, outubro 05, 2011

domingo, setembro 25, 2011

Amor & Cia

O filme Amor & Cia, que só hoje vi, na TV Brasil, de cara lembrará um romance brasileiro famoso. Godofredo é atormentado pela idéia de que seu sócio, MACHADO, o tenha traído com sua esposa, Ludovina.

Ele, porém, gosta muito dela e não sossegará até tê-la de volta depois da separação. E mais, deseja saber o que aconteceu. Que cartas duvidosas eram aquelas? Que criança foi parida durante a temporada de Ludovina em Minas?

O Brasil não é feito apenas de cínicos ou de observadores à margem como o diplomata Aires, há também os fortes que agem; obrigado a Eça de Queiroz, autor da história (Alves & Cia) que sem querer é um acerto de contas com Machado de Assis, e, por tê-la filmado, ao diretor Helvécio Ratton.

sábado, setembro 24, 2011

sexta-feira, setembro 23, 2011

Bem-me-quer, mal-me-quer

Escreverei poemas
feito assim Baudelaire?

Bem-me-quer, mal-me-quer..
Talvez, sendo eu apenas..

segunda-feira, setembro 05, 2011

Tradicionalismo é coisa de amador,
é preciso ler mesmo o Livro de Urântia
para se saber do verdadeiro amor.

quinta-feira, setembro 01, 2011

Como os autores ingleses adoram órfãos!

segunda-feira, agosto 29, 2011

Schaub versus Minotauro

Brendan Schaub entrou no octógono ao som dessa música sábado.



Para ser nocauteado em seguida por Rodrigo Minotauro, no primeiro round.



E a galera cantou: ô, o Minotauro voltou, o Minotauro voltou, o Minotauro voltou, ô..

quarta-feira, agosto 24, 2011

Tese de Marx

Uma tese fundamental de Marx é: "Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre homens e animais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida(...)". (A Ideologia Alemã)

Mas ela está errada. Não existe homem sem atuação dos espíritos da adoração e da sabedoria. Ainda que produza lascas pontiagudas de pedra, organize uma tribo, etc, não passa de animal se não chegou a ser contactado pelos dois últimos dos sete espíritos da mente.

Vou tentar elaborar uma taxonomia dos sete espíritos ajudantes da mente. Aguardem, sentados talvez, mas aguardem.

segunda-feira, agosto 22, 2011

Mal e pecado

No cap. III,3, de L'Unité Transcendante des Religions, Schuon justifica as faltas de Davi. Um profeta não pode cometer pecados, diz ele. No máximo, usa meios imperfeitos para uma ação, em si, justa. Pecado só existiria do ponto de vista exotérico, isto é, aos olhos do povaréu, não aos olhos de Deus, não. Quando roubou a esposa de Uriel, Davi, portanto, estava realizando a intenção cósmica de se unir à mãe de Salomão. Só um homem sem intuição espiritual para não perceber que a ação era cosmologicamente necessária.

Alguns líderes contemporâneos de seitas orientalizadas de fato cometem erros, talvez pecados. Quiçá também seja esotericamente justificável que eles passem um tempo na cadeia por abusos sexuais.

A distinção schuoniana entre dhanb e ithm é boa. Pecado, na realidade, só existe intencionalmente, isto é, quando queremos ir de encontro à vontade de Deus. A imperfeição de nossas ações é um mal, mas não um pecado. Cite-se aqui novamente Shinran: não importa se você é bom ou mau, importa se você recita o Nembutsu, ou seja, se você se dedica aos assuntos do Pai.

Isto posto, um profeta, quem quer que seja, não está eximido de antemão de cometer pecados. Jesus, o Filho do Homem, disse que não era bom porque sabia que a bondade dependia de sua relação com Deus e da obediência perfeccionada a Ele. Não porque não a praticasse.

domingo, agosto 21, 2011

Feliz aniversário, Michael.

sábado, agosto 20, 2011

Cenas engraçadas do cinema. Jim Carrey rebobina.



Mais que engraçada, impressionante. Do filme Ace Ventura.

quarta-feira, agosto 10, 2011

A notícia do investidor

Reclama-se muito da especulação financeira, mas a mídia em geral noticia oscilações diárias na bolsa de valores, as quais só importam realmente para os especuladores. Que a bolsa de São Paulo caia oito pontos num único dia pode não ser tão ruim quando se compara com o acumulado do ano. Quase sempre se perceberá que a bolsa subiu. Essa é a notícia do investidor.

terça-feira, agosto 09, 2011

Let it shine

O coro infantil canta Let it shine, no filme Um presente para Helen. A imagem está ruim, mas a música continua boa.
Trá, trá, trá, trá, trá... Deu uma trégua a britadeira.
Como valorizo o silêncio de quarta-feira!

sábado, julho 30, 2011

Brasileiro, ou pelo menos carioca, quando vai a teatro tem no palavrão seu momento de catarse.

sexta-feira, julho 29, 2011

Conversa entre Cristovam Buarque e um estudante de Napoleão Mendes de Almeida

-- Latim não serve para nada.

-- Como não serve? Cada aula de latim é uma aula de lógica.

-- É uma língua morta, rapaz.

-- Eu acho que o senhor é que está morto.

quarta-feira, julho 27, 2011

Diferença entre duvidar, suspeitar, opinar, crer e inteligir

por Tomás de Aquino

"Chama-se propriamente cogitação ao movimento da alma que delibera, ainda não tornado perfeito pela plena visão da verdade.
(...)
"Pois, certos dos atos pertinentes ao intelecto implicam um firme assentimento, sem a tal cogitação. (...) Outros atos do intelecto, porém, são sem firme assentimento. Quer por não penderem para nenhuma parte, como se dá com quem duvida; quer, por penderem mais para uma parte, mas dependerem de algum leve sinal, como sucede com quem suspeita; quer, por aderirem a uma parte, mas com temor de que a outra seja a verdadeira, como acontece com quem opina. Ora, o ato de crer implica a adesão firme a uma das partes. Por aí, o crente convém com o que sabe e intelige. E, contudo, o seu conhecimento não é perfeito, pela visão manifesta; por onde, convém com o de quem duvida, suspeita e opina. E, assim, é próprio de quem crê cogitar com assentimento. E por isso, o ato de crer distingue-se de todos os atos do intelecto, relativos à verdade e à falsidade."

(Secunda secundae, questão 2, artigo 1)
Na Internet, há sempre o risco de se gostar de pessoas que moram longe. Aff.

segunda-feira, julho 25, 2011

Ódio ou serviço

Lúcifer e Satã só se aturam enquanto envolvidos na unidade de ódio contra o Filho Criador. A liberdade desenfreda que pregam deve valer também em face do atual colega de rebelião. No momento as disputas podem não se manifestar, mas tão logo o inimigo comum e maior seja vencido, nutrir-se-á o desejo de supremacia do indivíduo absoluto. No retrato budista da Roda da Vida, figuram no círculo interno os três venenos do homem, representados por um porco, um pássaro e uma cobra, cada um mordendo o rabo do outro. Ou seja, eles opõem-se juntos ao homem, mas nem por isso são amigos. Cedo ou tarde, seu ódio recíproco revelar-se-á.

Não deve espantar, portanto, que em todos os países que fizeram uma revolução, seja na Rússia, França, Alemanha, Cuba ou China, os colegas revolucionários começaram a perseguir-se e matar-se uns aos outros assim que a vitória estava assegurada. Os expurgos cedo ou tarde acontecem.

O ódio a alguém -- não ao pecado, claro -- tem essa peculiar característica de vir acompanhado do ódio a si mesmo.

A bondade caracteriza-se por viver e aceitar com um grau maior ou menor de silêncio injustiças que se lhe praticam. Na realidade, não importa se você é mau ou bom, dirá Shinran, importa se você recita o Nembutsu, o que equivale a dedicar-se aos assuntos do Pai. Dedicar-se aos assuntos do Pai significa desenvolver uma vida interior a par da exterior, e isto implica dotar nossas atitudes e palavras com as experiências genuínas e significativas, afastando as falsas, as quais alimentam a língua perniciosa. A iniquidade, ao revés, ao primeiro sinal de que sofre uma injustiça real ou imaginária, tentará alardeá-la aos quatro cantos do mundo, repisando-a continuamente e figurando-se como a injustiçada, dona de uma autoridade moral contra o mundo ruim que um Pai bondoso inventado jamais criou. O movimento revolucionário, porque é mais dado a afetação, tem e sempre terá essa vantagem sobre o movimento evolucionário, qual seja, fazer mais propaganda sobre as injustiças que sofre.

Como organizar o movimento evolucionário, portanto?

segunda-feira, julho 18, 2011

Carta de Abraham Lincoln ao professor de seu filho


"Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas, por favor, diga-lhe que, para cada vilão há um herói, que para cada egoísta, há também um líder dedicado, ensine-lhe, por favor, que para cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder, mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros no céu, as flores no campo, os montes e os vales.

Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.

Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.

Ensine-o a ouvir todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram.

Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.

Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.

Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.

Eu sei que estou pedindo muito, mas veja o que pode fazer, caro professor."

Abraham Lincoln, 1830

......

Retirado do saite Livraria Resistência Cultural (http://livrariarc.blogspot.com/).
Ora vou assistir à TV
à falta do que melhor fazer.

sexta-feira, julho 15, 2011

Seleção brasileira de futebol e Aristóteles

Meu pai acha que os jogadores da seleção não apertam na marcação e o adversário tem muito espaço. Aristóteles pode ajudar a explicar:

"se de duas qualidades negamos ter uma delas para parecer possuir a outra, então é preferível a qualidade que desejamos parecer possuir: por exemplo, quando negamos ser muito esforçados para parecermos possuir muitos dotes naturais." (Tópicos, livro III, 2)

terça-feira, julho 12, 2011

Sobre o artigo Da pose à piada pronta, de Pedro Sette Câmara

O que ao brasileiro lhe agrada fazer
é reclamar da incultura,
mas na hora mesmo de ler,
nada, faz pose com a maior cara-dura.

sexta-feira, julho 08, 2011

Ela não quer meu buquê
e eu me pergunto por quê.
O tradicionalista acorda do sono de três dias e dá de cara com um Companheiro Moroncial. "Bem-vindo, você acaba de entrar no céu." Recompondo-se do despertar, o tradicionalista torna-lhe: "Mas este não é o céu. Não é assim, vou te ensinar." Se as tivesse, o Companheiro Moroncial teria assomado as sobrancelhas em assombro, sem saber o que fazer.

quinta-feira, julho 07, 2011

Conhecimento em Platão

"(...) a admiração é a verdadeira característica do filósofo."

À pergunta de Sócrates sobre o que seja o conhecimento, Teeteto lhe responde enumerando alguns, geometria, a arte dos sapateiros, etc. Mas Sócrates não quer saber de exemplos, quer saber o quid est da coisa.

Ele compara o processo de conhecimento, no caso de conhecimento sobre o conhecimento, com as dores do parto. "Algo em tua alma deseja vir à luz." Nenhum crescimento espiritual se dará sem alguma luta interior. Assim como com a virtude, o conhecimento é uma graça da divindade, que ele, Sócrates, tentará, como faz a parteira, de Teeteto parir.

A noção do conhecimento nascendo de um trabalho de parto remete-nos ao terceiro hexagrama do I Ching, cujo nome é Zhung, que representa a dificuldade inicial quando os princípios criativo, T'hien, e receptivo, K'un, se encontram para dar a graça a um novo ente.

Que os discursos baseados na verossimilhança ou na probabilidade não encerram o máximo de certeza alcançável Platão esclarece a contento, partindo em seguida para a demonstração do primeiro erro que o estudante iniciante de filosofia deve ser capaz de decifrar. Ele dá pistas aqui da sua divisão quatripartite do conhecimento, explicada no livro VI do diálogo A República. Antes, no livro V, ele o divide em três. A ciência ou conhecimento propriamente dito corresponde ao ser, ou seja, ao belo ou a justiça em si, para além da multiplicidade de entes belos que existem. De outro lado, a ignorância, ou o não-ser, significa a falta de qualquer conhecimento. Condição intermediária entre ambos, a opinião refere-se a entes relativos, que se graduam na multiplicidade da existência segundo graus de mais e de menos, como um ente pode ser mais ou menos belo, mas não corresponde ao belo em si, o qual escapa à mera opinião, e qualifica quem o contempla como filósofo.

Platão nos diz que a idéia do bem é o princípio da ciência e da verdade, e, como tal, muito mais preciosa que essas. Ele a compara ao sol que derrama sua luz sobre o ente conhecível e seu conhecedor, unindo-os em admiração. Mas Platão diz que o sol é o filho do bem. Sobre o bem em si ele prefere não discorrer naquele momento, tanto por sua incapacidade de apresentá-lo, porque não o divisasse com clareza ainda, quanto pela incapacidade de seus interlocutores de percebê-lo. Moisés sabe bem o que é não poder contar verdades que os interlocutores não poderão entender. Mas alguns autores, como Gomperz, secundado pela escola de Tübingen, acreditam que Platão tenha feito um discurso sobre o bem, o qual, se foi embora transcrito, não chegou até nós. Nele, Platão teria explicitado o pináculo de sua filosofia, que é o bem, o UM, princípio de todos os sub-princípios, aquele que se basta a si, mas também inicia a multiplicidade através de seu contra-princípio, a Díade ilimitada, que erra entre o mais e o menos até que o UM a meça. A Díade passeia horizontalmente por um mesmo reino da existência (o dos animais irracionais, por exemplo) até que o UM a determine em vários pontos, criando os múltiplos seres daquele reino; ela também varia hierarquicamente no plano vertical, de modo que o UM possa diferenciar graus diferentes de perfeição.

Difícil até aqui, não? Perdoem-me, mas não acabou. O Um sintetiza ainda as experiências de valor dos múltiplos seres, ele é o infinito qualitativo (o quantitativo é apenas potencial, porque qualquer contagem indefinida de números não acaba nunca, será sempre incompleta).

Respirem e sigamos. Platão divide então em quatro as faculdade de conhecer: a imaginativa e a faculdade de crer, embaixo, e acima, o pensamento e a intuição intelectual. Às duas primeiras correspondem as imagens refletidas em espelho, que não são a coisa em si, e os entes sensíveis, a coisa em si; às segundas os entes de razão -- ou entes matemáticos -- e os princípios, arkhai. Por que Platão não coloca no mesmo patamar o conhecimento matemático e o dos princípios? Porque a matemática refere-se justamente a entes de razão, modelos inexistentes no mundo sensível, que podem no entanto ajudar em sua compreensão, mas também podem prejudicá-la, caso se os pretenda suficientes. Um sistema matemático dedutivo pode, no máximo, ser probabilíssimo, nunca cem por cento, uma vez que parte de axiomas, os quais são por definição indemonstráveis. O que Platão chama de pensamento e que, podemos aduzir, assemelha-se ao que se chamou de razão ao longo do século XIX, corre o risco de auto-contradizer-se quando se esquece de que existe necessariamente uma realidade fora do sistema formal.

Platão não disse, mas essa realidade é o infinito (o UM). Não existisse o ilimitado, isto é, aquilo que não pode ser capturado num círculo explicativo formal, o universo inteirinho seria auto-contraditório - e fisicamente implodiria devido à entropia.

Ou é assim ou é o nada. Como "alguma coisa há" (não é verdade Mário Ferreira dos Santos?), então não pode não ser assim.

Os números conforme os entendiam os pitagóricos, diga-se entretanto, não são meros entes de razão, são os esquemas no ser próprio de cada coisa. O homem, por exemplo, tem um número que lhe dá o ser homem, já o UM, embora com esse nome, não é bem um número, mas o princípio primordial que dará o ser de cada coisa, inclusive o do homem, com todos os números possíveis que em seu bojo encerra. Os princípios são as razões últimas e os números as razões próximas das coisas. Numa escala ascendente, portanto, o pensamento nos entes de razão deveria ceder à intuição das idéias -- os números pitagóricos -- e dos princípios mesmos. E como vértice dessa pirâmide, para além do conhecimento apenas, a sabedoria, isto é, a busca por fazer o bem.

(http://www.urutagua.uem.br//006/06coelho.htm)


É razoável supor que esta estrutura seria depois assumida por Aristóteles para sua teoria implícita dos quatro discursos -- poético, retórico, dialético e lógico -- que Olavo de Carvalho descobriu.

Conhecimento não é sensação meramente, ou seja, conhecimento não é apenas a sensação que a coisa conhecida causa em mim, se assim fosse ninguém pagaria tanto dinheiro a Protágoras pra ensinar. Quando doente, a maçã me pode ter um gosto amargo, mas, se são, ela me parece doce. Em ambos os momentos quem comeu a maçã fui eu. Por que ela foi sentida de maneira distinta se eu, a medida de todas as coisas, conforme quer Protágoras, sou o mesmo que a comeu? Não só o conhecimento do outro deixa de ser confiável, mas o meu próprio, em outro momento de mim, também. Acontece que o eu é mais do que a soma de sensações a que se submete. "O eu humano não é meramente uma soma de estados sucessivos de consciência. Sem o funcionamento efetivo de uma consciência que seleciona e associa, não existiria unidade suficiente a garantir a sua designação como uma individualidade." (Livro de Urântia) No caso, o fato de eu estar doente faz com que a maçã só consiga se relacionar comigo revelando-se-me amarga. Uma coisa é o relacionamento entre um ente e seu admirador, o aspecto que aquele consegue a esse mostrar, proporcional à sua capacidade de recebê-lo, como Ortega Y Gasset mostra, com o brilho e arrogância que lhe são próprios, em sua doutrina do ponto de vista. É nesse sentido, aliás, que o Livro de Urântia pode dizer que a verdade é relativa. "Quando foi que lhes ensinei que deveriam ver tudo da mesma maneira?", diz Jesus a Tiago.

Outra coisa é dizer que os entes mesmos, e não aspectos seus, diferem de homem para homem. Claro que Protágoras se embanana aqui, seu discurso, como sugere Platão, tinha antes o intuito de "frase para armar efeito." Fosse ciência rigorosa, não poderia ter qualquer valor, uma vez tratar-se de algo que ele próprio diz só caber a ele mesmo. Sim, pois ele aceita "como verdadeira a opinião dos que o contraditam."

Os animais possuem sensações e até uma "coordenação fisiológica entre o reconhecimento e as sensações associadas e a memória correspondente, mas nenhum experimenta um reconhecimento significativo da sensação nem demonstra uma associação propositada dessas experiências físicas combinadas tal como se manifestam nas conclusões das interpretações humanas inteligentes e reflexivas." (Livro de Urântia)

Xavier Zubiri sublinha, deveras, que a sensação humana está no bojo da apreensão do que a coisa é por si mesma. Por exemplo, ao invés de, como o animal, apreender meramente que está quente, o homem apreende que o "calor é quente", e por isso esquenta, ou seja, o homem não apreende o mundo como estímulo apenas, mas como realidade. É o que ele chama de hiperformalização humana. Não se trata de descobrir, não ainda, o 'quid est' da coisa sentida, mas de sentí-la já como uma realidade. Zubiri parece tentar expressar em termos aristotélicos o senso intuitivo de presença da realidade. 

Dizer que a verdade é relativa é dizer que se dá na relação entre o ser vivo e o que conhece. Este projeta (pro + jectar, daí ob + jecto) aspectos seus que só aquele ser vivo pode conhecer. Daí que apenas enquanto participantes dessa relação se pode, a rigor, chamá-los de objeto e sujeito, ou seja, o que informa e o que é informado. O relativismo absoluto abole precisamente a relação proporcionada, de modo que a coisa deixa de ser conhecida, e o conhecedor, falso conhecedor, ocupa-se com uma figura arbitrária contra o vazio de sua recusa de percepção.

Dizer também que a coisa conhecida só consegue projetar alguns aspectos seus, não significa dizer que não se a conheça em si. Posso ver apenas a cabeça de um gato saindo de trás da porta, mas sei que é um gato.

Necessariamente a mesma coisa se mostra de maneiras diferentes para dois seres vivos. Ela se objecta a eles de duas maneiras, os quais, proporcionalmente, assim se sujeitam a ela.

Um mesmo homem pode se sujeitar duas vezes, e portanto de duas maneiras diferentes, à mesma coisa. Claro que ele continua sendo o mesmo homem nessas duas relações, mas as relações serão distintas. O eu continua em meio à mudança de sensações, porque o eu reflete as sensações distintas e as reconhece na idéia da coisa que as emite.

Platão diz-nos ainda que se todas as coisas estão em movimento, tanto de alteração constitutiva quanto de translação espacial, não poderíamos dar-lhes nomes, uma vez que sua identidade escoaria sem cessar. A brancura deixaria de ser, e não a poderíamos designá-la como tal. "Os adeptos de semelhante tese terão que criar uma linguagem nova," diz ele.

A linguagem implica, portanto, alguma estabilidade nos entes. O mero fato de esse texto poder ser compreendido por você, leitor, implica que há permanência nos entes em meio à mudança que atravessam.

A noção do conhecimento como um parto é também ilustrada no diálogo Mênon, quando Sócrates pergunta a um escravo qual a medida dos lados de um quadrado cuja área é de oito pés. Ele, iludido pela consciência de que os lados de um quadrado cuja área é de quatro pés tem dois pés, acredita que basta multiplicar por dois os lados desse quadrado para encontrar um cuja área é de oito. Sócrates faz-lhe perguntas até ele mesmo perceber que a superfície desse quadrado será o quádruplo da superfície do primeiro. Logo o escravo já está se dando conta que o lado deste quadrado deve ter entre dois e quatro pés, e depois que deve ter entre dois e três pés. Ele se surpreende com aquilo que já sabe e aquilo que não sabe.



Sócrates diz a seu colega Mênon: "És capaz de perceber mais uma vez, Mênon, o ponto de rememoração em que já está este menino, fazendo sua caminhada? Percebes que no início não sabia qual era a linha da superfície de oito pés, como tampouco agora ainda sabe. Mas o fato é que então acreditava, pelo menos, que sabia, e respondia de maneira confiante, como quem sabe, e não julgava estar em aporia. Agora porém já julga estar em aporia, e, assim como não sabe, tampouco julga que sabe."

Sócrates acredita que seu método de mostrar a uma pessoa que ela não conhece para valer aquilo que acredita que conhece lhe faz um bem, muito embora a desnorteie como a uma barata tonta num primeiro momento. Pois, diz ele, "agora, ciente de que não sabe, terá, quicá, prazer em, de fato, procurar (...)".

Procedendo por perguntas e respostas, Sócrates faz com que o escravo dê o ar da graça àquilo que, segundo ele (não sei se concordo com isso), já sabia, ou seja, que o lado do quadrado de oito pés é um quadrado inscrito num quadrado de dezesseis pés. Já sabia, mas o tinha esquecido, dirá Platão. O trabalho socrático consiste portanto numa rememoração do que foi esquecido.
  (http://www.prof2000.pt/users/amma/af18/t5/menon.htm)

Dar aula é um exercício de extrair do aluno o que ele já sabe (e pelo que já sabe chegar ao que não sabe, porém desconfia, por degraus), fazendo-o expressar-se a seu jeito, com suas palavras. Sócrates costumava encorajar seus interlocutores meninos a expressarem-se sem medo sobre aquilo que pensavam. Lançar-se a falar, ter que esboçar aquilo que está dentro de si, é a melhor maneira de iniciar o aprendizado. Como ele dizia, se a pessoa não sabe, vai se embananar e perceberá que não sabe aquilo que lhe parecia fácil de longe. O seriado Chaves mostra algumas situações deste tipo no cenário da escola. "Mas isso é muito fácil." "Ok, então me responda", diz o professor Girafáles.  "Mas é muito fácil, me dá outra." "Não, responda-me essa antes." E o aluno vê que não sabe. Em matemática, acontece de montão.

Como Sócrates disse, é realmente um trabalho de parto. As dores vão aperecendo para o bebê vir à luz.

O trabalho de Jesus era um pouquinho diferente. Consistia antes em acionar o altruísmo da pessoa pedindo-lhe ajuda, trazer à luz seu lume divino, mas não em limar seus erros (não de início). Não era um ensino técnico. Era um ensino de bondade, que se dava pela sua própria vida, pelo que era capaz de inspirar nas pessoas por quem passava.

O método socrático dificilmente seria utilizado por Jesus, porque Sócrates com freqüência sobrecarregava o interlocutor (e podia causar antipatia) com sua série de perguntas e correções. Jesus procuraria antes tornar seu evangelho atraente, gracioso.

Na realidade, quando Sócrates aceitou morrer por Atenas, sua vida também define-se (se faltava alguma dúvida) como uma inspiração. Não é à toa que muita gente compara a trajetória de ambos. Sócrates quis fazer a vontade do Deus interior, que naquele momento lhe sussurrava para ficar.

Outra conclusão tira Sócrates da experiência com o escravo. Pois, se ele já sabia, embora não lembrasse, aquilo que nos revelou, e se ninguém jamais lho ensinara nessa vida, segue que "tanto durante o tempo em que ele for quanto durante o tempo em que ele não for um ser humano, deve haver nele opiniões verdadeiras que, sendo despertadas pelo questionamento, se tornam ciências (...)". Ora, o que nele é imortal, diz Sócrates, é o espírito, que nele habita e que, em operação conjunta com a mente, conduz sua alma. Assim como sua personalidade, já existia antes mesmo que ele houvesse nascido. São presentes dos céus.

Talvez tenhamos pecado aqui segundo as linhas de Lao-Tsé: "O excesso de conhecimento conduz ao esgotamento." Aos poucos nos aprimoramos.

terça-feira, julho 05, 2011

Comunismo, capitalismo, democracia e família

Contrapor o estado comunista a um estado capitalista não faz sentido. Comunismo e capitalismo não são espécies do mesmo gênero. O primeiro é um modelo político, o segundo tem menores pretensões, é um modelo econômico, aliás surgido naturalmente, nunca tendo sido planejado, como o primeiro necessariamente é.

O capitalismo costuma ser o modelo econômico de países democráticos. Enquanto tais, podem ser governados inclusive por partidos comunistas e socialistas que vençam as eleições, como de fato acontece.

A desagregação da família, um dos pontos da cartilha comunista, não foi adotada nos países democráticos pela "lógica intrínseca" do sistema capitalista. Pensar apenas em dinheiro -- e o capitalismo pode exasperar o desejo por dinheiro -- leva alguém a deixar de lado valores, como o da lealdade para com os seus. Mas ser um capitalista não significa pensar apenas em dinheiro, necessariamente. Pode-se ser capitalista e ter dedicação pelos familiares. Se o objetivo é acumular capital, preservar as famílias pode ser uma política muito boa, por sinal. Não o é, porém, se o objetivo for a dominação, que quer atomizar a sociedade, deixando a descoberto seus poderes intermediários, aqueles entre o estado e o indivíduo, como a família e a igreja.