quarta-feira, setembro 25, 2013

Os quatro níveis da atividade política

Em o que fazer?, Lenin define os quatro níveis da atividade política: teoria, propaganda, agitação e organização.

Destrinchemos cada um deles: as discussões teóricas se dão entre intelectuais, muito antes mesmo de qualquer programa político de ação, sequer os tendo em vista porventura. Nessas discussões formar-se-ão alguns grupos que concordam medianamente sobre alguns pontos. Nesse momento, a discussão teórica está madura para dar início à propaganda.

Identificados os pontos com que o grupo de intelectuais concorda, pode-se propagá-los para outras pessoas. A discussão se cristalizou e passa a ser matéria de crença, a água arisca tornou-se gelo, com forma fixa. Aqui entra a fase de convencimento; quer-se a adesão consistente de pessoas a um projeto de poder, que ganha corpo.*

Descendo na escala da elaboração intelectual, compactada em palavras de ordens, diluída em frases de efeitos emocionalmente carregadas, as conclusões provisórias das discussões teóricas agitam panfletariamente populares que se ocupam pouco de política. Não é necessária adesão consciente dos populares ao projeto definido na segunda fase, o objetivo aqui é que se repitam e propaguem, como a música que você canta sem notar que a está cantando ou lembrar onde a escutou, determinados pontos desse projeto que foram ao encontro de seus anseios, dando  expressividade a insatisfações vagas. O núcleo foi definido e começa a se expandir em raios concêntricos.

Pouco importa que os populares concordem ou não com o projeto, essa questão é para ser considerada na segunda fase, aqui importa que o fortaleçam segundo sua maneira de se relacionar com a política, que não é nem intelectual nem de engajamento contínuo, mas acompanhando-a com um interesse relativo. Conquistar sua "neutralidade benevolente" é passo importante para a vitória do projeto.

Nessa fase os partidários do projeto devem também se colocar como vanguarda, motivo de esperança para as aspirações de grupos menores, como o rio principal que recebe a afluência de outros rios.

Obviamente essas fases são tipos ideais, na realidade suas diferenças são de grau, da mesma maneira que no arco-íris não se chega ao azul sem passar antes pelo esverdeado.

A organização se liga intimamente à segunda fase. Ela é o suporte logístico para que a propaganda e a agitação aconteçam, ela angariará dinheiro, criará meios de comunicação, formará a militância, organizará congressos e comícios partidários, assim como conferências de pensadores mais ou menos afinados a seu projeto, não necessariamente orgânicos, para soprar o ar fresco dos debates sobre a doutrina programática.**

A organização poderá dar a seus membros o sentimento de pertencerem a um projeto que se prolonga inclusive para além de suas vidas, o que é um componente forte de atração.

A fase da discussão teórica é, por assim dizer, pré-ativista, da mesma maneira que os filósofos pré-socráticos, embora praticassem a filosofia, não tinham uma auto-consciência definida sobre sua atividade, uma vez que só depois Sócrates configurá-la-ia como um projeto. Da mesma forma, depois que o neoconservadorismo se firmou como uma doutrina política é que se pôde traçar seus antecedentes teóricos e identificar os grupos intelectuais que lhe deram as primeiras feições.


*Filtrou-se a discussão para que possa ser reproduzida; isso não significa, entretanto, que ela deva parar de existir. Se a continuidade das discussões torna provisórias as conclusões, submetendo a uma dúvida perene o programa, o que pode ameaçar seu grupo de crentes, por outro lado pode animá-los com novos desafios. Engessado, mais hora menos hora o programa ruirá.

**Passa sem dizer que nessas conferências os debates serão mais ou menos direcionados, inspirando nos futuros intelectuais o gosto pelos projetos políticos propugnados e reafirmando-o junto ao resto da audiência.

segunda-feira, setembro 23, 2013

O que é o estado, sobre a casta intelectual e considerações sobre a intelectualidade brasileira

"O estado é uma organização sócio-territorial reguladora", essa uma noção de estado que o Livro de Urântia nos dá. Ela, porém, não define o que seja o estado. Devemos tomá-la como ponto de partida para o seu estudo.

O LU também nos diz que o estado nasce da guerra, ele é, portanto, a instância última da força.

Falamos sobre o que é sociedade, sobre o que é direito, e chegamos à conclusão de que o direito tem sua razão na soberania. O que é soberania? Da onde vem? Vem da afirmação marcial, a soberania é o poder demonstrado de governar. A soberania não é uma possibilidade remota, é uma possibilidade iminente e real.* Para governar, é preciso ser obedecido, condição necessária mas não suficiente. Os EUA são obedecidos quando mandam a Síria entregar suas armas químicas, mas não governam o país.

A soberania é o vértice da pirâmide a que se referem os direitos, ela os garante, é o atributo essencial do estado, mas o que é o estado? É a organização que defende, exerce e elabora em regras sua soberania sobre uma sociedade vivendo em um território.

Contraposto ao estado, governo é o grupo político que manda provisoriamente e geralmente apenas em alguns aspectos -- em outros não -- do estado. Motivo pelo qual o presidente Itamar Franco, depois de assumir, disse essa frase: "Eu pensava que o presidente mandasse mais." É que a instituição já existe e o presidente será mais um de seus membros, muito importante embora. Há exceções: nos países comunistas, os governos comunistas mandam em todos os aspectos do estado. Mas mesmo eles são provisórios; quando o comunismo acabou na Rússia, com uma ou outra mudança, o estado permaneceu.

Se fosse absoluta, como quer Jean Bodin, a soberania não precisaria ser defendida. A soberania só é absoluta em teoria, na prática histórica ela busca ser absoluta; precisa ser continuamente conquistada numa sucessão de revezes, às vezes fatais, e êxitos provisórios. Não é que uma vez instalado, o estado o seja de uma vez para sempre. Por isso estados deixam de existir e passam a existir.

O que define a casta intelectual é o poder de ser seguida por sua força mental, ou mental-spiritual. Nesse sentido o Ajustador do Pensamento é um intelectual. A casta militar-política se define pela capacidade de ser obedecida por sua força física. Os politicos articulam em símbolos de fácil assimilação a força mental elaborada pela intelectualidade**, fazendo o linque entre as duas castas. Abrem o leque restrito de seguidores para praticar em larga escala o que mentalizaram. No Brasil, a maior parte da intelectualidade é seguida não por sua atratividade mental, mas pela promessa de distribuição de selos de qualificação mental que habilitam ao exercício de determinados ofícios e cargos; vivemos um simulacro intelectual em que os seguidores fingem machadianamente acreditar no que pensam os intelectuais de cadeira para obter diplomas profissionais necessários.

Aqui, o fingimento machadiano é compensado por uma aposta de corpo e alma em partidarismos, que, quanto mais insustentáveis moral e intelectualmente, mais servirão para que seu defensor prove socialmente e para si sua lealdade, sua intensidade de espírito, que na frente do espelho, antes de tomar banho, ele sabe ser uma forma rebuscada de fingimento, a qual demanda sua crença na própria mentira. Não se surpreenda se vez ou outra ele chorar em frente ao espelho.

Qual a solução para isso? Trocar a aposta, apostar de corpo e alma na verdade, onde quer que ela venha a se mostrar; essa é uma aposta imparcial, que no entanto lhe vai demandar parcialidade em certas situações da vida, porque muitas vezes a verdade vai estar numa parte, ao invés de em outra; outras vezes, muitas vezes, você simplesmente não saberá o que fazer; aguarde que ela se lhe manifestará se você tão apenas a quiser.


*Mário Ferreira dos Santos diria que não é epimeteica, mas prometeica; não é futuro do pretérito, é futuro do presente.

**Que perde em fineza o que ganha de impulso e capacidade de mobilização.

domingo, setembro 08, 2013

Valor e motivação do serviço

Bem no iniciozinho do Capital, depois da fazer uma distinção salutar entre valor de uso e de troca de uma mercadoria, aquela definida como a utilidade qualitativa que uma mercadoria tem, essa como a quantidade proporcional de bens ou dinheiro aceita a ser dada em sua troca, Marx diz que o valor de uma mercadoria, valor por excelência, sem genitivos, deriva da quantidade de trabalho empregada para produzí-la.
 
Mas vamos pensar num exemplo: um carioca sai de seu confortável apartamento rumo à Amazônia à procura de um tipo  raro de pedra, que só existe em uma região remota da floresta. Abre flancos pela mata densa, afugenta animais, dorme ao relento, caça, por fim consegue achar sua pedra e a traz para o Rio. Monta então uma banquinha no meio da rua e a apresenta ao distinto público. "Vejam que maravilha de pedra excêntrica achei, me custou um trabalhão trazê-la para cá e lapidá-la ao gosto da senhora freguesa." A dona dá uma olhada, acha a pedra feia, e não a quer em seu quarto. Outras pessoas passam, acham curioso o anúncio do rapaz, mas vão embora sem a pedra. O que aconteceu? Ninguém quer a pedra, seu valor econômico é zero, apesar de todo o trabalho para conseguí-la.
 
Marx tinha começado bem e se embananou todo. Por mais que valorizemos o trabalho, devemos valorizar também o serviço, que significa tentar adivinhar do que as pessoas precisam, que significa não fetichizar nossos gostos como valores absolutos, justificados a posteriori pelo empenho de trabalho a satisfazê-los. Os valores bons o são porque são bons, não porque tivemos que trabalhar por eles. Muito embora a dedicação em alcançá-los também tenha grande significado.
 
Voltando ao tema econômico, é claro que a dificuldade na produção de uma mercadoria impactará em seu valor de troca. Por exemplo, ninguém pagaria caro por gasolina se ela brotasse de um poço cavado no quintal. Antes de ser refinada, a gasolina foi petróleo em geral difícil de extrair. Mas, como há quem a deseje, alguém pode se dar o trabalho de produzí-la, cobrando caro por isso, claro. Se ninguém a quisesse, entretanto, produzí-la em escala seria, se não um capricho pessoal, um fetichismo egoísta.*
 
Se não identificado e desmascarado, o fetichismo egoísta, porque outras pessoas não o compartilham, por definição não o compartilham, conduzirá a delírios de injustiças contra si e de perseguição pessoal.
 
A criação artificial de sentimentos de necessidade é um efeito colateral, um mal, da economia voltada para o lucro como princípio. Só a motivação do serviço procura enxergar as reais necessidades das pessoas para suprí-las. Da mesma maneira que numa relação erótica, o prazer sensual é maior quanto maior for o envolvimento amoroso, e tende a se esvaziar se buscado por si mesmo, o lucro viria como conseqüência da vontade de servir ao próximo.
 
 
*O processo de descobrir necessidades econômicas das pessoas, provendo-as, sujeita-se a fracassos, mas nem por isso se trata de um fetiche; ao contrário, trata-se de empreender.    

Nobres, burgueses e continuidade histórica

Meu colega Marcio Hack escreveu no facebook que em nossa época todo mundo parece querer enterrar seu passado, que é difícil em sua própria família desencavar histórias de vida de seus avós, etc. Comentei que esse fenômeno é menor na Europa, onde, devido à nobreza e ao sentimento que inspirou na sociedade, as pessoas têm um maior apreço pelo seu passado. Li em algum lugar uma vez que em Portugal era preciso demonstrar que até a quinta geração anterior ninguém havia feito trabalhos braçais para que você pudesse ser considerado um nobre. Deixando de lado a questão do trabalho, isso implicava que o aspirante a nobre estudasse e conhecesse as histórias de vidas de seus antepassados. No Brasil, falemos a verdade, muitos de nós mal sabemos o nome de nossos avós, e de nossos bisavós sabemos no máximo um tanto do que fizeram, de onde vieram. Claro que nos países americanos a imigração contribuiu para a ruptura com o passado, essa, aliás, é uma razão da vitalidade americana, mas, por outro lado, a continuidade histórica das famílias e países é duramente conquistada. Um nobre na Europa, ou ex-nobre, não só não mantém segredo de suas origens familiars, como a exibe com orgulho muitas vezes, quem não sabe sobre os brasões das famílias? Na América, EUA em particular, os ricaços donos de empresas globais, cujos negócios atravessam gerações dinásticas, ao contrário, fazem segredo sobre suas histórias de sucesso, como alcançaram a riqueza e a mantém, os Rotschild, Rockefeller, Ford, a corporação, não querem gente bisbilhotando suas vidas, o que deve ser um sentimento burguês.* A nobreza européia, a casta xátria, que remonta aos senhores feudais, tem, como um bom militar, orgulho de suas façanhas guerreiras e gosta de incensá-las. Duas maneiras de ver o mundo. Mas que é bom saber quem foi seu bisavô, ah, isso é.
 
 
*Alguns empresários de sucesso de fato lançam livros sobre como chegaram lá, como administrar sua empresa, etc, mas geralmente são os pioneiros de um negócio cuja continuidade histórica e dinástica não é certa. Será que os netos dos donos do Google, caso mantenham o poder que seus avós têm, quererão escrever livros sobre suas habilidades negociais? Ou se esquivarão da curiosidade alheia?         

quarta-feira, julho 24, 2013

Palavras que significam muito

Há palavras que são muito caras a seus povos. Uma palavra que os anglo-saxões adoram é common, quando eles dizem que algo é common pode ter certeza que a prezam muito, por exemplo, quando dizem common american. A palavra foi institucionalizada em common sense, common law, commonwealth -- nessas duas num sentido estrito inclusive --, mas guarda um frescor que nenhum americano dispensaria.

O argentino, por sua vez, adora a palavra sencillo, sempre a usa para se referir a algo bonito, pequeno, repetindo com doçura: "es muy sencillo". Lembrei-me disso porque o papa Francisco tem essa simplicidade misturada com um vigor da vontade pouco conhecidos do brasileiro.

sexta-feira, julho 12, 2013

Significados evangélicos da palavra mundo e sobre o homem e o animal

Os evangelhos têm uma coleção de frases em que Jesus acautela seus discípulos contra o mundo, conselho que tem gerado confusão em sucessivas gerações de estudiosos e admiradores. A palavra mundo dá margem a interpretações. O que quer dizer mundo? A realidade física? Estaria ele pedindo para nos afastarmos da realidade física? Como fazer isso?

Há outra frase de Jesus que os mais experimentados costumam citar: "Não peço que os afasteis do mundo, mas que os livreis do mal." O mundo, portanto, não é mau, embora pareça poder facilitar o mal; mau parece ser o mundanismo. O que é o mundanismo? É a vida desligada do espírito, a vida que esqueceu a presença do espírito também no mundo material. Não se fala aqui do mundano dado aos prazeres sensuais, sempre bem-vindos, de beber um bom vinho, etc, porque o espírito saboreia a matéria, mas de um tipo ideológico de mundano que fechou a porta ao espírito.*

A humanidade carrega a animalidade, nós evoluímos do animal. Mas o animal não consegue reverenciar a beleza do mundo, não pode contemplar o jasmin exalando odores, a árvore para ele é no máximo um canto onde irá urinar. O mundo não tem significados para o animal. Mesmo os atos de lealdade que um cão pode ter pelo seu dono têm significado apenas para nós, homens, para ele são instintivos, nada significam. O animal é capaz desses gestos porque o espírito atua nele, assim como no homem; a diferença é que o animal não tem a capacidade de enxergá-lo; a diferença é que o homem, ao contrário do animal, responde à essa atuação.

O animal limita-se ao temporal, quando ele morre acabou, mas o homem tem diante de si, nublada ou solar, a dimensão espiritual. O homem percebe a realidade enquanto realidade, quer dizer, ele é capaz de ver o corte do infinito no finito. Mal comparando, é como se o animal fosse um personagem lateral de uma peça de teatro que não sabe que está dentro da peça, e quando ela acaba ele também acaba. O homem é ator dos personagens dessa peça, ele os interpreta, dialoga com seu autor e sabe, ou suspeita, que existem outras peças, gente nos bastidores e vida fora do palco.**

Jesus quis recordar a presença do infinito no finito: "Nem só de pão vive o homem." Referindo-se a essa frase, Nelson Rodrigues, tão deferente à sua humanidade, asseverou: "A liberdade, para mim, é mais importante que o pão."


*Tem razão portanto quem se insurge contra a idéia de que o mundo é mau, uma espécie de prisão da qual devemos escapar. Não é preciso se incomodar todo ao ouvir um padre falando mal do mundo; saque seu evangelho e diga que Jesus não queria afastá-lo do mundo, queria que você bebesse um vinho bom, aproveitasse a festa e, dá para concluir, se sentisse grato por esse momento.

**Caso alguém detone minha analogia dizendo que, em sendo assim, em sendo ator, o ser humano tem que seguir um script definido, direi que ele é um jogador de RPG, cujos cenários um autor criou mas cujos caminhos lhe estão franqueados.

quinta-feira, junho 20, 2013

Anônimos

Há um fundo geral de insatisfação no ser humano, de inquietude, derivado de nosso natural espírito de curiosidade, esse fundo de insatisfação jamais será extinto por qualquer conquista específica na Terra, será no máximo amainado durante um tempo, para retornar em seguida. Desapontamentos também diminuirão o apetite de insatisfações específicas, mas o fundo geral continuará lá. Essa é a condição humana na Terra.

Esse fundo geral espouca de tempos em tempos em insatisfações específicas. Na vida política de um país, o fundo também se manifesta em maior ou menor grau de quando em quando. O que está acontecendo no Brasil é uma liberação da energia desse fundo de insatisfação em demandas sem sentido específico algum, pedir pela paz ou por educação e saúde, por exemplo, ou em demandas específicas que, no entanto, são de cada um ou de milhares de pequenos grupos. Já foi dito, não é segredo para ninguém, que os protestos no Brasil não têm uma bandeira.

A energia liberada nesses protestos será canalizada de algumas maneiras, será capitalizada politicamente, agora ou quando a poeira baixar. Talvez a poeira seja envolta num redemoinho político ou se disperse em ventanias oblíquas em desencontro. Como se capitalizará essa energia gerada?

sábado, maio 25, 2013

Vida após a morte


Picolé na esquina

Saindo do restaurante, já paga a conta, me aparece um ser de um metro de altura: "Tio, compra um sorvete?" Olhei para o menino, para os colegas que iam, para o refrigerador de picolés, fiz tenção de ir, não pude, fiquei. "Qual você quer?" "Aquele", apontou para o de banana no mostruário. Não havia na geladeira, "escolhe um aqui", disse, pegou logo o Mega, tudo bem. Já quis ir embora, "peraí, a gente tem que pagar antes", então pagamos. Quando saíamos, cheguei-me a ele para que agradecesse. Se não dissesse nada, diria um "de nada", como que lhe chamando a atenção, mas ele se lembrou: "Obrigado", e eu disse um "de nada" afetuoso. Então cheguei-me aos colegas que me aguardavam na esquina. Um deles, depois de um tempo, perguntou: "Foi comprar sorvete?" "Não, foi um menino que pediu."

terça-feira, maio 21, 2013

"Sabe quanto custa a minha?"

Encapuzado em seu terno preto, o professor andava em passos rápidos e preocupados pelos corredores da universidade, sem olhar para o lado.

A sala não estava aberta, era sua única aula que tinha que dar na sexta, às 09:30. Foi à secretaria, perguntou, a secretária enrolada não pudera sair, ele lá reclamando, voltou. Esperou mais um tempo, olhou para o relógio, nada, bebeu água, fez cara feia, quicou a ponta do pé no chão.

A secretária, enfim, chegou. Enfurecido, o professor virou-se-lhe: "Você sabe quanto custa minha hora, minha filha?"

Encolhida, a secretária escutou, mas logo teve um acesso e retrucou: "E você, sabe quanto custa a minha?"

O professor olhou surpreso, fez que não era consigo, entrou. Enquanto dava a aula, ficou pensando, os olhos piscando de quando em quando: "sabe quanto custa a minha?" 

sábado, abril 27, 2013

Incrementum absurdi: Furar esquemas mentais do adversário lançando teses absurdas que o paralisam. Estratagema 40 da dialética erística.

Lançar teses propositalmente absurdas que o adversário terá dificuldade em classificar mentalmente, e que por um momento o paralisam, a não ser lançando mão precisamente do adjetivo absurdas, que parecerá apelativo, quando não desesperado, para os ouvintes.

Dou um exemplo: em 1945, o escritor americano Albert Kahn escreveu um livro, The plot against peace, Conspiração contra a paz, em que acusava os conservadores americanos de tramarem com a Alemanha nazista uma terceira guerra contra a União Soviética.

O que, nesse caso, o político conservador poderia opor a essa acusação infundada? Nada. Xingar o escritor desopilar-lhe-ia o fígado, mas alguns ouvidos mais suscetíveis poderiam desaprovar a reação. Fingir que nada ouviu era-lhe ainda pior, vez que deixava no ar um silêncio suspeito.

Que fazer pois? Desmascarar a tese como aquilo que ela é: um artifício vil para vencer um debate.

Depois da reductio ad Hitlerum, brilhantemente atualizada pela reductio ad fascistum, o incrementum absurdi é o estratagema número 40 da dialética erística.

PS: Albet E. Kahn era um agente de influência soviético.

quarta-feira, abril 24, 2013

Gotham City

Lendo Witness, de Whittaker Chambers, sinto como se estivesse em uma ficção em Gotham City, sem o Batman.

Um ou outro personagem saído de Dostoiévski comporia a cidade escura, em que nada pode ser dito às claras e todo mundo só pensa em escapar de algo que não sabe bem o que seja.

sexta-feira, abril 19, 2013

O economista

Depois de ter escrito mais um artigo para o jornal O Globo denunciando os empresários amigos do BNDES, generalizando seu argumento numa condenação ao capitalismo de compadrio, o economista liberal chega em casa babando de júbilo: "Tô fazendo barulho", fala à esposa, "eles estão pra morrer", goza com um sorrisinho de orgulho, o qual, sem poder disfarçar, lhe treme nos lábios.

De tarde, no twitter, dispara contra a decadência cultural do país em que uma mocinha recebe nota dez com louvor e sugestão de publicação de sua tese sobre funqueiras midiáticas. "Para onde vai o país?", pergunta, "vai não, já foi, para o buraco!", arremata.

E sai feliz com sua vida.

Autores mortos e perfeição

Não me parece a melhor maneira de estudar um autor, ou o assunto que ele propõe, considerando-o "morto". Salvo se ele for repressivo, intimidativo, então matá-lo é  uma defesa compreensível, sente-se mais livre para trabalhar em cima do que ele disse sem querer adaptar-se a seu pensamento. Mas sua vozinha poderá vir puxar a perna do inconsciente à noite, "olha, eu não penso isso, você está achando errado", bom mesmo é considerá-lo vivo, mesmo que seja para brigar ou manter-lhe distância, melhor se for alguém livre e disposto a ver novas possibilidades, com quem conversar, saber o que vai achar, isso tudo tem que ser imaginado a partir do que registrou, intuir-se o que ele acharia, trocar idéias com ele. Não que seja preciso concordar com ele, crescer com ele é que é bom. Sócrates nunca escreveu nada, mas os homens vêm dialogando consigo há mais de dois milênios. Sócrates é uma inspiração de busca da sabedoria, é um autor vivíssimo por causa disso, não fechou num sistema autoritário, ou você está comigo ou contra mim, seu pensamento, ao contrário, deu o impulso inicial, incentivou outros a que praticassem o que fazia, a busca de sabedoria. Enquanto busca, a sabedoria não pode ser capturada. Nem os valores, aliás, que são ideais. Eles são infinitos, nunca se os realiza por completo, daí porque o Livro de Urântia fala em perfeição de propósitos, ou seja, perfeição da busca e do quê buscar, do ato mesmo de querer os valores. A perfeição não seria portanto um estado. Seria uma busca eterna, não uma busca à toa, de algo que nunca se vai achar, mas algo que se revela sempre mais, o lado claro da lua anunciando que o escuro também está lá. Essa busca tem uma peculiaridade: Quanto mais se descobriu, mais se sabe que há algo por descobrir, os lados claro e escuro avançando concomitantemente.

Bons e maus exemplos

Sobre o caso desse mágico que constrangeu uma criança durante show que fazia, o qual rendeu discussões na lista de e-mails do trabalho, uma pessoa escreveu que, embora normalmente pacífica, provavelmente teria partido para cima do mágico, não obstante o mau exemplo que daria a filha.

Ora, discordo do colega. Mau exemplo é ser desleal com o próprio filho. Reagir, ainda que de maneira desmedida, a uma ataque a seu filho, é uma atitude que lhe dará um excelente exemplo. Ele, o filho, terá tempo depois para pensar e dosar sua própria maneira de reagir. Mas se o pai não intercedesse a seu favor, porém, isso sim lhe seria abominável.

Essas observações vão sem entrar no mérito se a atitude do mágico foi absurda ou criticável (esse para mim é o adjetivo que a qualifica minimamente). 

quarta-feira, março 27, 2013

"A esperança é uma erva daninha"

Assistindo ao filme Django livre, lembrei o conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, sobre um caçador de escravos fujões atrás das recompensas que os donos ofereciam para sua captura. Nesse conto, Machado não tem aquele viciozinho que o caracteriza, isto é, criar num personagem uma esperança, nutrí-la, e no final dar-lhe cabo para sorrisinho cômico do leitor. Esse conto tem um quê maior de aventura. Só me lembro de outro em que Machado não cede à tentação final da ironia, O conto de escola, simples, cotidianamente familiar, e com uma ponta de abertura para a experiência da vida.

terça-feira, fevereiro 26, 2013

Quando o marine chama por Osama no filme, "Osama", diz baixinho, alguns pessoas riram e eu não consegui não rir também. Rir é aliviar um desconforto, e naquele momento o nervosismo da operação era alto. Kathryn Bigelow é demais, sem pompons brilhosos, está mais para a catadora de caranguejos que para a patinadora olímpica, segundo a tipologia de Marcio Hack.

Colher de chá para Caio Blinder criticando Hollywood, que abandonou o filme no Oscar 2013.

domingo, fevereiro 10, 2013

Onze e meia da noite, voltando para casa, tenho que passar pelo Corte Cantagalo, quando faz papel de mau, Denzel Washington vem para o Oscar, como ele é desagradável, e vaidoso, vaidosíssimo, não, mais orgulhoso que vaidoso, a hipocrisia é o que permite a vida social, venho pensando, devo subir o Corte, à noite pode ter assalto, mesmo numa noite de carnaval, atrás de mim, iniciando a subida, não vem ninguém, ninguém sobe comigo, então desce um rapaz sem camisa, é Carnaval, deve estar sem camisa, sujo e sem camisa, passa por mim, nem olho pra ele, já na descida, vem um rapaz de bike, ladrões usam bike pra fugir rápido, ele cruza por mim sem dar por meus pensamentos, "desculpa ter pensado mal de você", penso, depois, pra aliviar, um casal, a loirinha falando, chego, subo e escrevo.

domingo, janeiro 27, 2013

Lincoln

O filme, a que fui assistir porque esperava enquanto a chuva de canivetes não passava, meu carro ilhado entre duas piscinas, uma no Baixo Gávea, outra na rua ao lado do shopping, e que só pude assistir porque um casal de senhores desistiu de última hora, ainda consegui um lugar bom, não é lá tudo isso, mas nem eu esperava que fosse.

Lincoln, o incensado presidente, chamado de tirano por uns e que teve a morte de um Julio Cesar, foi um contador de histórias, e ele adorava um livreto que circulou no início do século XIX com causos e histórias fantásticas sobre George Washington, e que criou o mito do homem incapaz de contar uma mentira. Há uma gravura mostrando George Washington discursando e os ouvintes rindo dele porque era incapaz de mentir. Mas essa história que Lincoln conta, embora tenha Washington no meio, não foi protagonizada por ele. Um ianque fora em missão ao Reino Unido finda a guerra de independência e, entre animosidades dispersas, um lorde convidou-o para um baile. Ele lá foi e visitando a latrina, deparou-se com uma gravura de Washington. Na saída, não falou nada a respeito, ao que o anfitrião veio lhe perguntar: "Viste o quadro de Washington?", "Vi sim.", "E que lhe pareceu? Está num lugar apropriado?", ao que ele, depois de um tempo, responde: "Está sim. Washington faz vocês se cagarem todos de medo."


Lincoln aparece afabilíssimo na primeira cena, numa audiência com dois soldados negros. Lincoln deve ter sido realmente um homem de trato muito afável, "with malice towards none", e Daniel Day Lewis viveu bem isso. Ele me dá a impressão de ser um ator sensacional, em quem nada falta, nada sobra, muito técnico, e por isso sinto que falta algo nele, falta o defeito que gera a garra pela melhora. Isso é implicância, claro. Nelson Rodrigues, o chato, intuiria a que me refiro.


Fora a deliciosa história que contei, a melhor cena do filme deve ser o diálogo de Lincoln com sua esposa, interpretada por Sally Field, com quem não simpatizo, ela sempre faz papel de mulher triste e sofrida, sobre a decisão de seu filho de entrar para as forças da União, embora o presidente tenha tentado muito dissuadí-lo. O tema é batido, já foi tratado com louvor no filme O patriota, com Mel Gibson, mas as histórias das vidas se repetem. Desesperada, ela exige que ele proíba o filho de ir para as forças armadas, eles perderam outro filho e não querem perder mais um. Entre idas e vindas, acuado, Lincoln diz que a sua dor é tão lancinante quanto a dela, porém os três, pai, mãe e filho, irão seguir suas vontades; e eles dois precisarão viver com as escolhas de Robert. Ironicamente, foi ele o único dos quatro filhos do casal que morreu adulto.

Como já disseram, o filme é muito escuro realmente. Mas isso não chegou a me desgostar. O ritmo lento, didático quase, não muito diferente do que deveria ser a política de então, imagino, uma e outra história com um leve humor negro que ele conta e uma idolatria de Lincoln, acredito seja isso, incomodaram-me mais.

terça-feira, novembro 13, 2012

Vitamina C

A vitamina C frita no copo,
dissolvendo n'água magicamente.
Dissolve a dor que pelo corpo sente
este hóspede de um vírus misantropo.

segunda-feira, novembro 05, 2012

Latim no colégio

As escolas americanas de elite (a revista Forbes as lista como de elite) Choate Rosemary Hall, The Lawrenceville School, Milton Academy, Phillips Academy, Phillips Exeter Academy, Sidwell Friends School, St. John's School (Houston), St. Paul's School (Concord), Punahou School, The Westminsters Schools, Miss Porter's School, The Roxbury Latin School, todas elas ensinam latim. Não olhei as escolas de elite britânicas e alemãs, mas desconfio que também ensinam latim. Talvez nem precisemos procurar nas escolas de elite. A maioria dessas escolas americanas também ensinam grego. Ahh, atenção: todas elas oferecem também o ensino de chinês.

Brasileiro é bobo.

Mas parece que nem todos. No Piauí, a supreendente escola Instituto Dom Barreto conquistou pela terceira vez o segundo lugar no Enem de 2011. Adivinha: eles ensinam latim. A escola é mantida por um grupo religioso.

A pessoa da minha geração que melhor escreve nesse país chama-se Rafael Falcón e é, por que será?, professor de latim. Posso perceber, estudando a língua, que ela te traz eloqüência e muita lógica. É uma língua muito lógica.

Quem cria escolas no Brasil (a par dos grupos religiosos)? A sociologia da educação deveria se preocupar com isso. De onde sai o dinheiro? O que move seus criadores?

terça-feira, outubro 23, 2012

Anotações

Acabo de publicar a obra Anotações, que é continuação de minha monografia de faculdade. O mote começa ainda pelo direito, como no trabalho anterior, mas amplia-se para tratar da sociedade, da história, revelações, etc. Agradeço que leiam. Novamente, dúvidas, sugestões, correções (que las hay, las hay) são sempre bem-vindas. Escrevam-me no e-mail: daniel.lourenco@oi.com.br.

quarta-feira, setembro 26, 2012

O Leitor

O filme O Leitor conta a história de um rapaz e uma moça vinte anos mais velha que vivem um caso amoroso. Ele tem o entusiasmo e a identificação pelo ser amado que o primeiro amor produz. Ela o ama e gosta que ele leia seus livros prediletos para ela.


Parênteses: aos dezesseis anos, o rapaz lia Homero em grego. No Brasil não existe uma escola, uma mísera escola onde se ensine latim e grego para os jovens. Como o Brasil quer ser país de primeiro mundo se não consegue sequer formar uma elite? Elite, aqui, claro, nada tem a ver com dinheiro, como as classes política e universitária dominantes de hoje, isto é, PT e quejandos, gosta de se referir aos endinheirados (como a zelite).

Se você não viu o filme, advirto para parar por aqui.



Ela se muda sem dar notícia e o romance termina. Ele vai fazer faculdade de direito dali a alguns anos e a encontra de novo em situação inusitada. Ela está no banco dos réus por ter sido guarda de um campo de concentração nazista. No julgamento, as outras guardas a acusam de ter sido a chefe de um massacre, o que é falso, mas ela prefere aceitar a acusação ao invés de fazer um teste de caligrafia. O rapaz, naquele momento, entende que ela era analfabeta. E que tinha vergonha. Quer ir falar-lhe na prisão, mas desiste. Ela decidira não revelar que era analfabeta.

Um dos momentos mais bonitos do filme é ela aprendendo a ler na prisão a partir das fitas cassete que ele lha manda declamando a Odisséia de Homero e outros livros. Esse é o único contato que há entre os dois. Eles não se vêem durante esses anos.

Imagino como deve ter sido difícil ter amado uma mulher que foi uma carrasca nazista. Ao mesmo tempo, ela obedecia a ordens, não ordenou a morte de ninguém. Sua responsabilidade não é simples de ver. Quem sofre com o recolhimento do rapaz, já homem, é sua filha. Ela não entende por que é ensimesmado e acha que pode ser algo consigo. "Como você está enganada, filha". Mas ele quer explicar para ela. O filme termina com ele levando-a para visitar o túmulo de Hanna, onde lhe contará sobre sua história de amor.

Ponto fraco do filme é o encontro de Michael com uma sobrevivente do campo nazista a quem Hanna quis legar o dinheiro que guardou. O diálogo não foi bom, e Ralph Fiennes poderia ter desenvolvido melhor a cena.

sexta-feira, setembro 14, 2012

Completamente à revelia do povo brasileiro, oitenta por cento do qual acha que a atual legislação sobre aborto deve ser mantida, o projeto de lei que criaria o novo código penal quer permití-lo até três meses de gestação.

O projeto de lei proíbe o terrorismo, mas se o autor for um movimento social está isento de punição. Não estou inventando. Está lá:

"Art. 239.........................................
 .......................................
§ 7º. Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade."

Não acabou. O projeto de lei extingue o crime de rufianismo, isto é, cafetinagem, o que, conjugado com o fato de que fazer sexo com maior de doze anos não é mais crime, torna liberado o uso do maior de doze anos (sim, doze anos) para a prostituição.

O senhor, José Sarney, é responsável por esse projeto de lei. Você, Sarney, quis ser responsável por essa estrovega. O senhor se vendeu para a vaidade de terminar a presidência do Senado com um feito marcante, dando ouvidos a grupinhos idiotas de pressão. O senhor me envergonha. Desapareça, DESAPAREÇA da vida pública brasileira.

quarta-feira, agosto 22, 2012

Preparando-me para ler Duns Scot:

pego os comentários à metafísica, coloco uma garrafa de conhaque sobre a mesa e dou um murro nela. Olho para o gato e falo: Vamos lá.

domingo, agosto 19, 2012

Ética em Sócrates, Platão, Aristóteles e o Livro de Urântia -- parte 3



......

Não é à toa que o Ajustador do Pensamento é chamado de Monitor Misterioso (sobre a dificuldade de explicar como funciona seu trabalho).

A gravura medieval no início do vídeo é de Aristóteles.

sábado, julho 07, 2012

"Pois este é o caminho por que Deus nos guia".

Assistindo à aula que Olavo de Carvalho está dando hoje por ocasião do lançamento de seu novo livro, devo lamentar (mais uma vez) que não lhe tenha interessado ler o Livro de Urântia, o que evitaria erros, por exemplo o de dizer que o daimon de Sócrates lhe impunha atitudes. O daimon de Sócrates é seu Ajustador de Pensamento, o espírito de Deus presente em cada homem nascido em nosso planeta desde que Jesus legou o Espírito da Verdade.*

O Ajustador do Pensamento jamais impõe qualquer coisa ao ser humano a que está ligado, ele lhe sugere, e sempre se sujeita à sua decisão final. O espírito consegue realizar algo quando a vontade soberana do homem coaduna-se com o que o espírito lhe propõe. Eles experenciam em conjunto então, à sua maneira, algo de significativo no plano cósmico.

Sócrates pode chiar que o espírito pede isso ou aquilo, fazer um charminho (na realidade ele não fez, diante da morte agiu com um verdadeiro estóico avant la lettre, só vale como argumento), mas ele quis realizar o que o espírito lhe traz à alma; eles chegaram a um entendimento.

OK, digamos que Olavo foi impreciso no termo que usou (antes que fique ofendido). Numa palestra em que reclama justamente da falta de clareza conceitual, é bom fazermos aqui a nossa parte também.

......

* Antes de Jesus (caso algum sujeitinho queira meter-se à besta) o Ajustador do Pensamento também habitava a mente de homens de carne e osso, como a de Sócrates, mas não a de todos.

domingo, junho 17, 2012

Carta de Hamlet

Duvide que as estrelas não sejam fogo
Duvide que o próprio sol seja um engano
Duvide que a verdade não fale engodos
Mas, Ofélia, nunca duvide que eu amo.

quinta-feira, junho 14, 2012

O escravo de Mênon

Sócrates acredita que seu método de mostrar a uma pessoa que ela não conhece para valer aquilo que acredita que conhece lhe faz um bem, muito embora a desnorteie como a uma barata tonta num primeiro momento. Pois, diz ele, "agora, ciente de que não sabe, terá, quicá, prazer em, de fato, procurar (...)".

Procedendo por perguntas e respostas, Sócrates faz com que o escravo dê o ar da graça àquilo que, segundo ele (não sei se concordo com isso), já sabia, ou seja, que o lado do quadrado de oito pés é um quadrado inscrito num quadrado de dezesseis pés. Já sabia, mas o tinha esquecido, dirá Platão. O trabalho socrático consiste portanto numa rememoração do que foi esquecido.
  (http://www.prof2000.pt/users/amma/af18/t5/menon.htm)

Dar aula é um exercício de extrair do aluno o que ele já sabe (e pelo que já sabe chegar ao que não sabe, porém desconfia, por degraus), fazendo-o expressar-se a seu jeito, com suas palavras. Sócrates costumava encorajar seus interlocutores meninos a expressarem-se sem medo sobre aquilo que pensavam. Lançar-se a falar, ter que esboçar aquilo que está dentro de si, é a melhor maneira de iniciar o aprendizado. Como ele dizia, se a pessoa não sabe, vai se embananar e perceberá que não sabe aquilo que lhe parecia fácil de longe. O seriado Chaves mostra algumas situações deste tipo no cenário da escola. "Mas isso é muito fácil." "Ok, então me responda", diz o professor Girafáles.  "Mas é muito fácil, me dá outra." "Não, responda-me essa antes." E o aluno vê que não sabe. Em matemática, acontece de montão.

Como Sócrates disse, é realmente um trabalho de parto. As dores vão aperecendo para o bebê vir à luz.

O trabalho de Jesus era um pouquinho diferente. Consistia antes em acionar o altruísmo da pessoa pedindo-lhe ajuda, trazer à luz seu lume divino, mas não em limar seus erros (não de início). Não era um ensino técnico. Era um ensino de bondade, que se dava pela sua própria vida, pelo que era capaz de inspirar nas pessoas por quem passava.

O método socrático dificilmente seria utilizado por Jesus, porque Sócrates com freqüência sobrecarregava o interlocutor (e podia causar antipatia) com sua série de perguntas e correções. Jesus procuraria antes tornar seu evangelho atraente, gracioso.

Na realidade, quando Sócrates aceitou morrer por Atenas, sua vida também define-se (se faltava alguma dúvida) como uma inspiração. Não é à toa que muita gente compara a trajetória de ambos. Sócrates quis fazer a vontade do Deus interior, que naquele momento lhe sussurrava para ficar.

......

Retirado do texto deste saite: Conhecimento em Platão.

segunda-feira, junho 11, 2012

Experimente falar mal de Caetano Veloso numa faculdade de letras para ver o cinturão de silêncio búdico que farão em seu torno. Queria ver só o que Tom Jobim responderia (se estivesse com saco) se alguém lhe chamasse de poeta: "Meu filho, Manuel Bandeira é poeta. Eu sou músico popular com requintes clássicos." Uma amiga minha ficou toda mexida e respondeu com algumas pedras na mão quando disse que Gilberto Gil não sabe o que é cultura. Gilberto Gil entende, no máximo, de música popular. Como ministro, foi um falastrão irresponsável. Existe uma idolatria desprezível no Brasil em torno de certas figuras. Intocáveis como Lula, Gilberto Gil, Caetano Veloso (coitado do Caetano, as pessoas dizem que é poeta, mas ele sabe que isso é tudo balela, só não tem saco de negá-las, dá muito trabalho e ele é baiano). Amiga minha, cresça. É preciso falar mal das pessoas (que fique claro: sem maledicência. É preciso criticar comportamentos ruins, comportamentos que podem ser mudados). Pode falar mal de mim.

sábado, junho 09, 2012

quinta-feira, maio 31, 2012

Manhattan

(Tracy) -- Páre de lutar contra. Você sabe que você é louco por mim.

(Isaac) -- Eu sou. Você é... Você é a resposta de Deus a Jó. Você teria acabado com as brigas entre eles. Ele teria apontado para você e dito assim: "Eu faço coisas terríveis, mas também faço coisas assim."

(Isaac) -- E Jó teria dito: "OK, você venceu."

quarta-feira, maio 30, 2012

Sete músicas populares brasileiras

Considerem o momento, amanhã posso gostar de outras. Mas hoje Metamorfose ambulante fica de fora.

Marcha dos pescadores - Dorival Caymmi
Água de beber - Tom Jobim
Brasil pandeiro - Novos Baianos
Preta pretinha - Novos Baianos
Marina - Dorival Caymmi
Dora - Dorival Caymmi
Nossa Senhora - Roberto Carlos

terça-feira, maio 29, 2012

A pior coisa do mundo é o amor não correspondido.

domingo, maio 20, 2012

Colegas, compartilho com vocês aqui mensagem de Wagner M. Andrade (apresentando texto de Douglas Campos Frazão) no fórum do ELUB, acrônimo para estudantes do Livro de Urântia no Brasil. Ela fala sobre os fracassos e como eles podem ajustar e afinar nossa percepção da realidade, e utiliza um exemplo marcante de vida. Foi embasada nos discursos de Rodam de Alexandria, filósofo da escola que daria um Clemente no século seguinte. Bom, enjoy.

......

Coloco aqui pra vocês, uma daquelas pérolas que guardo com muito carinho dos nossos companheiros de jornada.  É um estudo feito pelo Douglas Campos Frasão. Ele postou no facebook uns 20 dias atrás, salvei e consegui ler somente agora, depois entro lá e dou um "curtir" rsrsrs. Ele colocou um pouco de sua alma neste texto, talvez seja por isso que me tocou também na alma. Então vamos a mensagem:

“Deixe-me compartilhar com vocês a história da vida de alguém.
Era um homem que:
Faliu no negócio com 31 anos de idade.
Foi derrotado numa eleição para o Legislativo com 32 anos.
Faliu outra vez no negócio aos 34 anos.
Superou a morte de sua namorada aos 35.
Teve um colapso nervoso quando tinha 36 anos.
Perdeu uma eleição com a idade de 38.
Perdeu nas eleições para o Congresso aos 43, 46 e 48.
Perdeu uma disputa para o Senado com a idade de 55.
Fracassou na tentativa de tornar-se vice-presidente aos 56 anos.
Perdeu uma disputa senatorial aos 58 anos.”

Depois de agradável colóquio aqui neste grupo sobre as maravilhas do documento 140 e as excelências do 160, resolvi reler o documento 160 do LU e, ao meditar no trecho abaixo, imediatamente relembrei o que havia lido alhures na minha adolescência, no livro “Poder Sem Limites” de Anthony Robbins (sim, é um livro de P.N.L) a respeito do homem acima descrito. O trecho ao qual me refiro do livro de Urantia no documento 160 é o seguinte:

*160:4.13 “A vida, contudo, transformar-se-á em uma carga existencial, a menos que aprendais como fracassar airosamente. Existe na derrota uma arte que as almas nobres sempre adquirem; deveis saber como perder sem perder a alegria; não deveis ter temor ao desapontamento. Nunca hesiteis em admitir o fracasso. Não tenteis disfarçar o fracasso por baixo de sorrisos justificativos ou, mesmo, de decepção ou de otimismo irradiantes. Soa bem clamarmos pelo sucesso, sempre; mas os resultados finais podem ser consternadores. Tal técnica leva diretamente à criação de um mundo de irrealidade e ao choque inevitável da desilusão final”.*

Aqueles de nós que cresceram em meio a traumas que esmagaram a auto-estima e o amor próprio, trazendo para a vida adulta os desafios de antanho, no mínimo se sentem agradavelmente surpresos com a afirmativa do LU acima. Eu pelo menos me senti. Nunca me foi ensinada quando mais precisei a sabedoriadessa realidade que é o ‘crescimento em sabedoria através do fracasso’. Essa ‘arte’ como o Livro traz é vital para a sedimentação de uma personalidade saudável, que sabe rir dos próprios erros, que não tem medo de fracassar porque o fracasso é um aprendizado tanto quanto o sucesso. Ou mais (?). E sobretudo, a pessoa que cresce nessa arte não tem medo de tentar, não tem medo de arriscar, não tem medo de colocar a cara a tapa para a vida e pagar o preço para vencer, a si mesma e aos desafios, porque sabe que:

*160:4.14 “O êxito pode gerar coragem e proporcionar autoconfiança, mas a sabedoria advém somente das experiências de ajustamento aos resultados dos fracassos. Os homens que preferem as ilusões otimistas à realidade nunca se tornam sábios. Somente aqueles que enfrentam de frente os fatos, ajustando-os aos ideais, podem alcançar a sabedoria. A sabedoria inclui tanto os fatos, quanto o ideal e, por conseguinte, salva os seus devotos dos dois extremos estéreis da filosofia — o do homem cujo idealismo exclui os fatos; e o do materialista que é desprovido de abertura espiritual. As almas tímidas, que só mantêm a luta pela vida com a ajuda de falsas ilusões continuadas de sucesso, estão fadadas a sofrer fracassos e a experimentar a derrota quando, finalmente, acordarem do mundo de sonhos da sua própria imaginação”.*

Eu vi aqui palavras que cresceram aos meus olhos: ajustamento, enfrentar os fatos, ajustar os fatos aos ideais... Quem pilota sabe que o curso tem de ser permanentemente ajustado para que o desiderato final seja atingido. Por isso o bom piloto não dispensa a orientação de um navegador. Esse ajuste, essa adaptação evolutiva, traz experiência e se a experiência for bem aplicada, advém a sabedoria prática. Todavia, o mais fascinante nessa experiência é que o nosso destino final não é aleatório. Temos um pré-destino (ou seja, um alvo final previamente designado) sabiamente escolhido por Ele mesmo, o autor da Vida em pessoa, sendo ele mesmo nosso alvo maior, nosso escopo! Por isso, podemos concordar com o que o LU traz:

*160:4.15 “E, nesse afã de encarar os insucessos, e de ajustamento à derrota, é que a visualização de longa distância, na religião, exerce a sua suprema influência. O malogro é simplesmente um episódio educacional — um experimento cultural na aquisição da sabedoria — , na experiência do homem que busca a Deus e que embarcou na aventura eterna da exploração de um universo. Para tais homens a derrota não é senão um novo instrumento para a realização de níveis mais elevados de realidade no universo”.*

Essa aventura eterna da exploração pressupõe que quedas, desacertos, malogros e demais desafios ocorram sim, porque daí surge o aprendizado necessário como alicerce para a construção de novas experiências, em novos níveis, em cada vez mais refinadas zonas espaço-tempo dimensionais por enquanto só imaginadas, e ainda assim tão parcamente. Mas até que esse destino possa ser atingido, a caminhada em si já é um somatório de oportunidades para rápidos ‘encontros’ com o Destino Inicial/Final/Inicial de todos nós, ainda que tudo aparentemente seja fracasso e miséria. Por isso o Livro de Urantia arremata:

*160:4.16 “A carreira de um homem que busca a Deus pode ser um grande êxito à luz da eternidade, ainda que toda a empresa da vida temporal possa parecer um completo malogro, cada fracasso na vida deve ser colhido como um complemento para se alcançar a cultura da sabedoria e do espírito. Não cometais o erro de confundir conhecimento, cultura e sabedoria. Eles estão relacionados entre si na vida, mas representam valores espirituais bastante diferentes: a sabedoria sempre domina o conhecimento e sempre glorifica a cultura”.*

Pois bem: conhecimento+experiência(de sucessos e principalmente fracassos)=sabedoria. Penso que o conhecimento seja estático, a sabedoria dinâmica. O conhecimento é potencial, a sabedoria é ato. E mais do que isso, a sabedoria é quem manda! Rsrsrs. Ela deve dominar o conhecimento, e não o contrário. E só ela pode glorificar a cultura. O conhecimento, se o faz, faz sem autoridade moral... E a sabedoria só vem da maturidade oriunda de uma experiência que alberga conhecimentos do sucesso e do fracasso.

Voltando um pouco no texto do documento 160, Rodam, o alexandrino, faz importantes e fulcrais questionamentos:

*“160:3.1 O esforço na direção da maturidade exige trabalho; e trabalho requer energia. De onde viria o poder para realizar tudo isso? * * As coisas materiais poderiam ser visualizadas como algo garantido e, sobre isso o Mestre disse bem: “Nem só de pão vive o homem”. * * Garantida a posse de um corpo normal e com saúde razoavelmente boa, devemos em seguida procurar pelas atrações que atuarão como estímulo para despertar as forças espirituais adormecidas do homem. Jesus ensinou que Deus vive no homem; * * então, como podemos induzir os homens a liberar esses poderes, de divindade e de infinitude, de dentro das suas almas? * * Como induzirmos os homens a liberar o Deus de dentro de si, para que possa Ele refrescar as nossas próprias almas; e para que, manifestando-se fora de nós, possa Ele, assim, servir ao propósito de iluminar, elevar e abençoar outras incontáveis almas?* * Como posso eu, da melhor maneira, despertar tais poderes latentes, adormecidos nas vossas almas, para o bem? * * De uma coisa estou seguro: a excitação emocional não é o estímulo espiritual ideal. A excitação não aumenta a energia; antes exaure os poderes, tanto da mente, quanto do corpo.* * De onde vem então a energia para fazer as grandes coisas? * * Vede o vosso Mestre. Ainda agora, está longe nas montanhas, enchendo — se de energias, enquanto nós estamos aqui, gastando energia. O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual. E esse intercâmbio, de força por fraqueza, de coragem por medo, da vontade de Deus pela vontade da mente do ego, constitui em si a adoração. Pelo menos, esse é o modo pelo qual o filósofo a vê”.*

É curioso isso: as pessoas confundem excitação emocional com estímulo espiritual. Mas por sua própria natureza (e Rodam já havia analisado isso antes) emoções e sentimentos se manifestam em gangorra que acabam por quedar a pessoa que vive em função deles, fazendo o contrário do que se deveria que é fazer os sentimentos e emoções viverem em função do todo maior que é a pessoa. Vemos isso nas religiões mais diversas, sobretudo as mais populares. Contudo, Rodam afirma que* “O segredo de toda essa questão está guardado na comunhão espiritual, na adoração. Do ponto de vista humano, é uma questão de combinação entre meditação e relaxamento. A meditação faz o contato da mente com o espírito; o relaxamento determina a capacidade de receptividade espiritual”.*

O recolhimento em si para comunhão individual com o Pai que habita em nós desperta em ondas cada vez maiores e melhores, que trazem à tona a força espiritual necessária para ajustar a realidade ao ideal, para reajustar o curso, para recomeçar de novo pela 9.999 vez uma forma nova de não se fazer a lâmpada. E essa é a força desejável para se ir em frente. Como diriam os publicitários agora: JUST DO IT!

Ah, lembram-se do fracassado do início dessas linhas? Anthony Robbins conclui a história dele assim:

“Foi eleito presidente dos Estados Unidos aos 60 anos. O nome do homem era Abraham Lincoln. Poderia ele ter se tornado presidente se tivesse visto suas perdas nas eleições como fracassos?”

Pensem nisso. Bom final de semana e um grande beijo, no Bem, no Belo e no Verdadeiro que há em vocês.

D.’.

.......

Abraham Lincoln, numa época em que no interior do país professores eram quem quer que sabia ler e escrever melhor, no total só teve um ano de educação formal. Mas não andava sem um livro debaixo do braço.

quinta-feira, maio 17, 2012

Ideologia é a vazão coletiva e disfarçada de neuroses.

sexta-feira, maio 11, 2012

Felicidade

Matthieu Ricard fala nesse vídeo (com legenda em português, se você acioná-la) sobre felicidade. Só de ouví-lo falar por um tempo já fico com a mente cansada: uma vontade de dormir...

Quiçá o sono dos apóstolos ao pé do Getsêmani fosse semelhante. "Orai e vigiai", lembram?

Traduzo a seguir trecho do livro Happiness. 

O poder da compaixão

Outro método que nos permite lidar com o sofrimento, tanto emocial quanto físico, está relacionado à prática da compaixão. Através da compaixão nós assumimos o controle de nossos próprios sofrimentos, ligados ao de todos os outros, pelo pensamento de que "outros além de mim passam por aflições semelhantes à minha, e algumas vezes bem piores. Como eu desejaria que eles também pudessem ficar livres de sua dor". Depois disso, não sentimos nossa dor tão opressiva e paramos de fazer a pegunta amarga: "Por que eu?"

Mas por que deveríamos viver deliberadamente o sofrimento de outras pessoas quando chegamos ao extremo de evitar o nosso próprio? Agindo assim, não estaríamos aumentando desnecessariamente nosso fardo? Não, não estaríamos. Quando estamos completamente ensimesmados, estamos vulneráveis e tornamo-nos presa fácil da confusão, impotência e ansiedade. Mas quando vivenciamos um sentimento poderoso de empatia com o sofrimento dos outros, nossa resignação impotente dá lugar a coragem, depressão a amor, mentalidade estreita a abertura para com todos ao nosso redor. Aumentar a compaixão e a generosidade amorosa, o supra-sumo da emoção positiva, desenvolve nossa presteza para oferecer alívio ao sofrimento de outros enquanto se reduz a importância de nossos problemas. 

sábado, maio 05, 2012

Bonecos de José Bonifácio, Joaquim Nabuco...

As cartas de José Bonifácio para Dom Pedro I, inclusive a que decidiu o príncipe pela declaração de independência, não estão disponíveis na Internet. Digitalizadas apenas não bastam (a letra do patriarca é ilegível).

Procurei um pôster de José Bonifácio na Internet e não encontrei. O Brasil devia ter bonecos dele, de Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Dom Pedro II, e outros.

Sra. Ministra Ana de Hollanda,

queira cuidar desses assuntos. Um país precisa conhecer sua história e quem a fez.

terça-feira, abril 24, 2012

Oratio inauguralis Sarneyis

habeo hasternos eosdem oculos. Et sum carcerarius affectus qui non finit. Deus mei fidei, qui me custodiui vitam, voluit ut presiderem huic sollemnitati. Ille non me portauisset a tam longe, si quoque non me daret, ex sua bonitate, virtutes patientiae, aequilibri, fortitudinis, idealismi, firmitatis et visionis maxumis nostrae curae prae illa natione et sua historia.

quinta-feira, abril 12, 2012

Ministros do STF e juristas em geral que opinaram sobre o julgamento pelo aborto ou preservação de fetos anencéfalos estão numa cruzada mental contra o cristianismo. Porque a Igreja defende uma política, eles são contra. Tornaram-se escravos da Igreja Católica, não menos que o devoto repetindo mecanicamente a cúria.

quarta-feira, abril 11, 2012

Oratio inauguralis secunda

"Cum malitia versum nullum, cum caritate ad omnes, cum firmitate in iure sicut Deus nos dat ut videmaus iurem, conitamur ut perficiamus opem in quo nos sumus, ut nectamus vulnes nationis, ut curemus illum qui pertulerit praelium et suam viduam mulierem et suum orfanum, ut facessamus omnis quod possit attingere et alere iustam et perpetuam pacem inter nobis et cum omnibus nationibus."

Abraham Lincoln

terça-feira, abril 10, 2012

Amizade

I kept wondering up to this day
how to make others their reasons sway,
But now I must say: It is a treason
to impose upon others your own way.

Then, now, my friend, I wish you to think
what you think, because we are two links
to God, if so, if not, unity in Him sole.

Amizade não tem nada que ver com compartilhamento de objetivos, como queria Aristóteles. Ao contrário, tem que ver com a indiferença para com as opiniões do amigo, não importa o que ele pensa, seja diferente, seja semelhante, o amigo respeita sua autonomia. Querer concordar com o amigo é um elemento utilitário na amizade.

A proximidade de objetivos, claro, aproxima pessoas e gera empatia. Mas não sustenta, sozinha, uma amizade. É preciso querer que o amigo tenha as suas idéias, não as nossas.

Vou traduzir um texto de Simone Weil sobre amizade. Não tenho o original em francês, por isso traduzirei da versão inglesa.

"Existe no entanto um amor pessoal e humano que é puro e que conserva uma insinuação e uma reflexão do amor divino.  Esse amor é a amizade, desde que nos atenhamos estritamente ao verdadeiro significado da palavra.

Preferência por um ser humano é necessariamente algo diferente de caridade. A caridade não discrimina. Se a encontramos de maneira mais abundante em determinado local, é porque a aflição deu ensejo para propiciar ali uma ocasião de troca de compaixão e gratidão. Está igualmente disponível para toda humanidade, uma vez que a aflição pode atingir a todos, oferecendo a eles uma oportunidade para essa troca.

Preferência por um ser humano pode ser de dois tipos. Ou estamos procurando algum bem particular nele, ou precisamos dele. De uma maneira geral, todas as conexões se enquadram em um desses dois. Nós nos dirigimos a algo, ou porque há um bem dele que queremos, ou porque não podemos viver sem ele. Algumas vezes os dois motivos coincidem. Com freqüência, porém, não. Cada um é distinto e bem independente. Nós comemos alimentos de que não gostamos, se não temos nada mais, porque não podemos agir de outro modo. Um homem razoavelmente avaro busca acepipes, finuras, mas pode facilmente viver sem eles. Se não temos ar, sufocamos; lutamos para conseguí-lo, não porque esperamos obter alguma vantagem dele mas porque precisamos dele. Vamos em busca do ar marinho sem sermos levados por qualquer necessidade, porque gostamos. Com freqüência, acontece automaticamente de o segundo motivo tomar o lugar do primeiro. Essa é uma das principais infelicidades de nossa espécie. O homem fuma ópio para alcançar uma condição especial que considera superior; com freqüencia, com o passar do tempo, o ópio o reduz a uma condição miserável que ele considera degradante, com o qual porém não consegue mais deixar de viver. Arnolfo comprou Agnes de sua mãe adotiva, porque lhe parecia seria uma vantagem ter consigo uma menina, uma menina que tornaria gradualmente numa boa esposa. Mais tarde ela só lhe causou um tormento lacerante e degradante. Mas com a passagem do tempo sua ligação a ela tornou-se um elo vital, que o forçou às seguintes palavras saídas de seus lábios:

"Mas sinto em tudo isso que serei ferido."

Harpagon começou achando que o ouro era uma vantagem. Mais tarde, ele se tornou nada mais do que o objeto de um encosto obsessivo, não obstante um objeto cuja perda causaria sua morte. Como diz Platão,  há uma grande diferença entre as essências do Necessário e do Bom.

Não há contradição alguma entre buscar nosso próprio bem num ser humano e desejar que seu bem aumente. Por esta mesma razão, quando o motivo que nos impele para junto de alguém é apenas uma vantagem para nós mesmos, as condições da amizade não são realizadas. A amizade é uma harmonia sobrenatural, uma união de opostos.

Quando um ser humano é em algum grau necessário para nós, não podemos desejar o seu bem salvo se paramos de desejar o nosso próprio. Onde há necessidade há constrangimento e dominação. Nós temos o poder sobre aquilo de que precisamos, a não ser que o possuamos. O bem central de todo homem é dispor de si livremente. Ou o renunciamos, o que é um crime de idolatria, uma vez que só pode ser renunciado em favor de Deus, ou desejamos que o ser de que necessitamos seja privado da livre disposição de si próprio.

Qualquer tipo de mecanismo pode unir seres humanos com laços de afeição que têm a férrea dureza da necessidade. O amor materno é sempre deste tipo; igualmente também o é o paterno às vezes, como em Père Goriot de Balzac; igualmente o é o amor carnal na sua forma mais intensa, como em L'Ecole des Femmes e em Phèdre; igualmente, com muita freqüência, o é o amor entre marido e mulher, principalmente por conta do hábito. Os amores filial e fraterno mais raramente serão desta natureza.

Há ainda grau de necessidade. Qualquer coisa é necessária em algum grau se sua perda implica uma diminuição de energia vital. (Esta palavra é usada aqui com o sentido preciso e estrito que deve ter se o estudo do fenômeno vital estiver tão avançado quanto o de corpos que caem.) Quando o grau de necessidade é extremo, a privação leva à morte. Este é o caso quando quando toda a energia vital de um ser está intimamente associada com outro por alguma conexão. Nos graus menores, a privação leva a uma diminuição mais ou menos considerável. Assim uma total privação de comida leva à morte, enquanto uma privação parcial apenas diminui a força vital. Não obstante, a quantidade necessária de comida é considerada aquela necessária para que uma pessoa não fique fraca.

A causa mais freqüente de necessidade nas ligações de afeto é uma combinação de simpatia e hábito. Como no caso da avareza ou da compulsão por bebida, aquilo que de início foi uma busca por um bem desejado transforma-se numa necessidade com a passagem do tempo. A diferença da avareza, compulsão por bebida, e qualquer vício, no entanto, é que nas ligações de afeto os dois motivos -- busca por um bem desejado e necessidade -- podem muito bem coexistir. Eles podem também estar separados. Quando a conexão de um ser para com outro baseia-se na necessidade e nada mais, ela é algo assustador. Poucas coisas no mundo podem atingir um tal grau de feiúra e horror. Sempre há algo horrível quando um ser humano procura o que é bom é só encontra necessidade. As histórias que contam de um ser amado que de uma hora para outra aparece com uma cabeça de morte simbolizam melhor isso. A alma humana possui um arsenal de mentiras com o qual estatui uma defesa contra esta feiúra, e, em imaginação, cria vantagens falsas onde só há necessidade. É por essa mesma razão que a feiúra é um mal, porque conduz à mentira.

Falando de maneira geral, podemos existir que a aflição está presente onde quer que a necessidade, sob a forma que seja, é imposta de maneira tão drástica que a dureza excede a capacidade de mentir da  pessoa que recebe o impacto. É por essa razão que as almas mais puras são as mais expostas à aflição. Para quem é capaz de prevenir a reação automática de defesa, que aumenta a capacidade da alma de mentir, a aflição não é um mal, não obstante sempre machuque e em certo sentido seja uma degradação.

Quando um ser humano está conectado com outro por uma ligação de afeição que contém algum grau de necessidade, é impossível pretendermos que a autonomia seja preservada tanto em si mesmo quanto no outro. É impossível devido ao mecanismo da natureza. No entanto, torna-se possível pela intervenção miraculosa do sobrenatural. Este milagre é a amizade.

"A amizade é uma igualdade feita de harmonia", disseram os pitagóricos. Existe harmonia porque há uma união sobrenatural entre dois opostos, quais sejam, necessidade e liberdade, os dois opostos que Deus combinou quando criou o mundo e os homens. Existe igualdade porque cad aum deseja preservar a faculdade de livre consentimento tanto em si quanto no outro.

Quando alguém deseja colocar-se sob o domínio de um ser humano ou consente em subordinar-se a ele, não há traço de amizade. Pilades de Racine não é amigo de Orestes. Não há amizade onde há desigualdade.

Uma certa reciprocidade é essencial na amizade. Se a boa vontade falta integralmente em um dos dois lados, o outro deveria suprimir sua própria afeição, em respeito ao livre consentimento que ele não deveria desejar forçar. Se em um dos dois lados, não há respeito pela autonomia do outro, este outro deve cortar essa ligação em respeito a si mesmo. Da mesma maneira, aquele que consente em ser escravo não pode ganhar a amizade. Mas a necessidade contida na ligação de afeto pode existir em um lado apenas, e neste caso só há amizade de um lado, se nos ativermos ao significado estrito e exato da palavra.

Uma amizade enferruja tão logo a necessidade triunfe, ainda que por um momento apenas, sobre o desejo de preservar a faculdade do livre consentimento em ambos os lados. Em todas os assuntos humanos, a necessidade é o princípio da impureza. Qualquer amizade é impura se um mero traço do desejo de agradar ou o desejo contrário de dominar está presente nela. Numa amizade perfeita estes dois desejos estão totalmente ausentes. Os dois amigos consentiram em ser dois e não um, eles respeitam a distância que o fato de serem duas criaturas distintas coloca entre eles. O homem tem o direito de desejar união direta apenas com Deus.

A amizade é um milagre pelo qual uma pessoa consente em ver de uma certa distância, e sem chegar mais perto, o ser mesmo que lhe é necessário como a comida. Requer a força de alma que Eva não teve; e não obstante ela não tinha necessidade do fruto. Se estivesse com fome no momento em que olhou para a fruta, e se a despeito disso ficasse olhando para ela indefinidamente, sem dar um passo em sua direção, teria praticado um milagre análogo ao da amizade perfeita.

Através desse milagre sobrenatural de respeito pela autonomia humana, a amizade se parece muito com as formas puras de compaixão e gratidão por que a aflição clama. Em ambos os casos, os termos contrários da harmonia são a necessidade e a liberdade, ou em outras palavras subordinação e igualdade. Estes dois pares de opostos são equivalentes.

Uma vez que o desejo de agradar e o desejo de comandar não estão presentes na amizade pura, ela tem em si, ao mesmo tempo que a afeição, algo que não difere muito de uma completa indiferença. Embora seja uma ligação entre duas pessoas, num certo sentido é impessoal. Deixa intacta a impessoalidade. De modo algum nos impede de imitar a perfeição de nosso Pai no paraíso, que distribui livremente a luz do sol e a chuva por todo canto. Ao contrário, a amizade e essa distribuição são as condições mútuas uma da outra, em muitos casos em qualquer grau. Porque, como praticamente todo ser humano está unido a outros por ligações de afeto que guardam em si algum grau de necessidade, ele não pode caminhar rumo à perfeição exceto se transformar essa afeição em amizade. A amizade tem algo de universal. Consiste em amar um ser humano como gostaríamos de amar cada alma em particular de todas que formam a espécie humana. Da mesma maneira que um geômetra olha uma figura determinada para deduzir as propriedades universais do triângulo, aquele que sabe como amar dirige a um ser humano em particular um amor universal. Tão logo desejamos que essa autonomia seja respeitada em mais do que um ser humano desejamos para todos, pois deixamos arrumar a ordem do mundo num círculo cujo centro é aqui embaixo. Transportamos o centro do círculo para além dos paraísos.

A amizade não tem esse poder se os dois seres que se amam, por meio de um uso ilegal da afeição, pensam que formam um apenas. Então não haverá amizade no verdadeiro sentido da palavra. Isso é o que se pode chamar de uma união adúltera, ainda que se dê entre o marido e a mulher. Não há amizade se a distância não é mantida e preservada.

O mero fato de ter prazer em pensar da mesma maneira que o ser amado, ou em todo caso o fato de desejar essa concordância de opinião, ataca a pureza da amizade ao mesmo tempo que sua integridade intelectual. É bem freqüente. E ao mesmo tempo a amizade pura é rara.

Quando as ligações de afeição e necessidade entre seres humanos não são transformadas sobrenaturalmente em amizade, não apenas a afeição é de uma ordem impura e baixa, mas também estará misturada com o ódio e a repulsão. Isso é mostrado muito bem em L'Ecole des Femmes e em Phèdre. O mecanismo é o mesmo em afeições outras que o amor carnal. É fácil entender isto. Nós odiamos aquilo de que dependemos. Nós sentimos aversão por aquilo que depende de nós. Algumas vezes a afeição não apenas se mistura com o ódio e a repulsão; ela se transmuda inteiramente neles. A transformação pode mesmo ser imediata algumas vezes, de modo que qualquer afeição mal consegue se mostrar; este é o caso quando a necessidade é revelada logo de cara. Quando a necessidade que aproxima pessoas não tem nada que ver com emoções, quando se deve apenas a circunstâncias, a hostilidade normalmente mostra suas garras desde o início.

Quando Cristo disse a seus discípulos: "Amem-se uns aos outros", não era a conexão (attachment) que ele revelava como regra. Já que era um fato que havia ligações entre eles devido aos pensamentos, à vida, e aos hábitos que compartilhavam, ele incitou-os a transformar essas ligações em amizade, de modo que não lhes fosse permitido torná-la uma conexão impura ou ódio.

Uma vez que, pouco antes de morrer, Cristo deu esse novo mandamento em adição aos dois grandes mandamentos de amor pelo próximo e do amor por Deus, podemos considerar que a amizade, como o amor pelo próximo, tem algo de sacramental. Cristo talvez quisesse sugerir isso em referência à amizade cristã quando disse: "Quando há dois ou três reunidos em meu nome, ali estarei eu presente." A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita que pertence à Trindade e é a essência mesma de Deus. É impossível que dois seres humanos sejam um enquanto respeitam a distância que os separa, a não ser que Deus esteja presente em cada um deles. O ponto em que os paralelos se encontram é o infinito."
......

Completo eu, a amizade guarda a distância de respeitar, e mais que respeitar, querer que o outro tenha suas opiniões, mas, além disso, e já resvalando para o que se chama mais propriamente de amor, o amigo quer ver com seus olhos, compartilhar -- embora sem curiosidade, que pode acionar seu mecanismo de defesa --de seus motivos íntimos, entendê-lo, amá-lo.

quarta-feira, março 28, 2012

Oratio Gettysburgensis

octoginta et septem annos abhinc nostri patres ferrerunt hoc continente novam nationem, concepta in libertate, et dicata ad propositionem ut omnes viri pariuntur aequalibus.

nunc committimur magno civile bello, quod temptat si illa natio, vel cuijavis natio, sic concepta et dicata, potest multe perferre. congredimur in magna acie illius belli. venimus dicare portionem illius aciei sicut terminalis stativa pro illis quibus dauerunt huc suas vitas ut illa natio possit vivere.

atque, prae amplior significatione, non possumus dicare, non possumus consecrare hanc tellem. valorosi viri, vivi et mortui, qui bellaverunt huc, consacraverunt eam, longe supra nostram pauperem potestatem adjunctu vel detractu. mundus vix contemplabit neque multum memoret qui huc dicamus, sed is nunquam potest oblivisci quod ei huc facerunt. ad nos vivi potius est noster officium dicemus nos ipsos huc infecto labori quem ei qui pugnaverunt adhuc tam animose procedere. ad nos potius est noster officium dicemus nos ipsos huc magno labori manendus ante nos -- ita ex his honorati mortui capissimus auctem studium illa causa cui ei daverunt proxumam plenam mensuram studii -- ita eminenter cernimus hos mortuos nequiquam non moriti -- ita haec natio, sub Deum, tenebit novam origem libertatis -- et ita rectio populi, ab populo, pro populo, non concidet de tellure.

Abraham Lincoln.

......

Complace non cunctare me corrigere.

quinta-feira, março 22, 2012

"Si politici possunt me iterdicere ut permaneam sicut imperator, abdicabo et permanebo sicut voluntarius patriae." (Petrus Secundus, imperator Brasiliae)

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Petista lê um artigo de Olavo de Carvalho e vai pensando:
-- Será que eu fiz isso tudo mesmo?
Olavo em sua cabeça:
-- Fez.
Admirado:
-- Puxa, como eu sou bom.
E sai todo pimpão.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

I and my godly friend debate
endeavoring to get things straight.

quarta-feira, janeiro 04, 2012

Tropas de Elite 1 e 2

A interpretação do personagem Nascimento no segundo é melhor, até porque Wagner Moura já o conhecia há mais tempo, e pode trabalhá-lo bastante depois da repercussão do primeiro filme.

A consciência imediata de questões comportamentais no primeiro, em meio à sucessão torrencial de pressões do trabalho e da vida pessoal, que faz a riqueza do primeiro filme, esvazia-se numa consciência política no segundo. Não me venham dizer que o amor filial no segundo mantém a tonalidade da consciência em meio a esquemas e brigas políticos, porque o amor filial é quase um instinto. Não, a epígrafe do primeiro filme, uma sugestão, tendência, torna-se, no segundo, uma tese. Nascimento é um joguete de forças político-sociais, mesmo que queira combatê-las. Sua vida pessoal, seus questionamentos morais, como a vontade de recuperar o corpo -- reclamado pela mãe -- do fogueteiro torturado pelo Bope, e morto em seguida por traficantes, apaga-se na acachapante consciência política. Nascimento cresce como ser político, mas como homem perde. Nunca é uma boa troca. A vida política é louvável, mas não deveria cobrar a desistência de questões comportamentais que toda hora nos surpreendem.

O impressionante personagem André também não terá mais vida pessoal nem dilemas morais. Ele se torna apenas o capitão dedicado do Bope. Onde estão suas questões pessoais?

A situação social era o teatro do homem no primeiro, no segundo a circunstância se destaca e o homem vira paisagem, a relação se inverte. Conquanto incensado o segundo, o primeiro Tropa de Elite é melhor.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

O choro dos norte-coreanos

Se o choro dos norte-coreanos não é ensaiado, então é o choro do escravo que só pode dar vazão à sua tristeza junto com a tristeza do seu senhor. Simone Weil explica isso no seu ensaio sobre a Ilíada.

"E o que é preciso para o escravo chorar? O infortúnio de seu senhor, seu opressor, espoliador, saqueador, do homem que arrasou seu país e matou seus parentes e amigos debaixo de seu nariz. Este homem ou sofre ou morre; então as lágrimas do escravo vêm. Ora, e por que não? Esta é a única ocasião em que as lágrimas lhe são permitidas, em que são mesmo obrigatórias. Um escravo sempre vai chorar quando puder fazê-lo impunemente - sua situação mantém as lágrimas em suspenso.

Ela falou, chorando, e as mulheres gemiam,
Usando o pretexto de Pátroclo para lamentar seus próprios tormentos.

Como o escravo não tem licença para expressar qualquer coisa que não seja simpática a seus senhor, procede que a única emoção que pode tocá-lo ou animá-lo um pouco, que pode chegar a ele na desolação de sua vida, é a emoção do amor por seu senhor. Não há outro canal pelo qual manifestar a dádiva do amor; (...)".

domingo, dezembro 11, 2011

Para um final alternativo do filme O Cheiro do ralo

Lourenço construía seu pai-frankestein; num momento em que algo não dava certo, olhava para ele e pregava-o de tiros, em seguida ia ao banheiro fedido e enfiava-o privada abaixo dando descarga. O cheiro do ralo desaparecia. Ele contatava a garçonete e tateavam um relacionamento.

A cena -- magnífica -- da bunda seria assim: ele diz que gosta dela, ela diz que ele só gosta da sua bunda.

(Nervosa) -- Você quer ver minha bunda, você quer ver minha bunda? Eu mostro para você, não precisa pagar não.

Então ela mostra. Ele a beija (a bunda), agarra e abraça chorando, tal como no filme.

Ela o entende, e eles tateiam um relacionamento.

terça-feira, dezembro 06, 2011

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Céu e inferno de minha preferência

Um amigo me perguntou pelo Formspring quais são o céu e o inferno de minha preferência. Respondi assim:

"Inferno, Marcio:

A selva, de Ferreira da Castro, onde os desejos sexuais flamejavam, o calor era brabo, os mosquitos infernizavam. A civilização e o sangue não são páreos para eles. Praticamente sucumbem ante a lassidão da terra onde o tempo não passa. Uma imagem é eles passeando de canoa pelas matas na época das chuvas, bonita. Rousseau achava lindo o bom selvagem, lá de sua monarquia europeia.

Freud, porque revolve, como ele mesmo cita de Virgílio, os infernos da mente humana. Mexe nas merdas que há na mente.

O céu é o Livro de Urântia. Lembro agora o salmo 23, que o pastorzinho não conseguiu reproduzir com exatidão, mas que originalmente era assim.

Os Deuses são os meus guardiães; eu não me perderei;
Lado a lado, conduzem-me pelos belos caminhos e na glória revigorante da vida eterna.
E, nessa divina presença, não terei fome de alimento nem sede de água.
Ainda que eu desça ao vale da incerteza ou ascenda aos mundos da dúvida,
Ainda que caminhe na solidão ou com os meus semelhantes,
Mesmo que eu triunfe nos coros da luz ou titubeie nos locais solitários das esferas,
O Vosso bom espírito ministrará a mim, e o Vosso anjo glorioso confortar-me-á.
Ainda que desça às profundezas da escuridão e da própria morte,
Não duvidarei de Vós, nem Vos temerei,
Pois sei que, na plenitude dos tempos e na glória do Vosso nome,
Vós me elevareis, para que eu me assente Convosco nas fortificações das alturas.


Mas o Livro de Urântia, pelo excesso de espiritualidade, que minha própria carne não pode suportar, é um inferno também, um inferno de espiritualidade."

sábado, novembro 05, 2011

Descansa, revolta.

Brasileiro se revolta contra a corrupção (ah, eu nunca vou perder o sono por causa de corrupção financeira de político) e chama a isso de consciência política. Como disse Luiz Felipe Pondé no programa Painel da Globo News, não é preciso, brasileiro, se indignar a todo tempo com tudo. A vida segue ainda que o político tenha embolsado um dinheirinho, que seu vizinho aguarde quem dará o primeiro passo - se ele ou o policial - ao ser parado em blitz no trânsito, que você jogue lixo na praia (essa, sim, me indigna). Mas, que tal ficar chateado com o Fernanidnho Beira-Mar, que corrompe para as drogas? Sim, claro, ele não é o corrupto habitual, talvez seja até mais direito que o político, afinal o dinheiro que esse rouba evitaria a morte de criancinhas em hospital. OK, então, por que não, por exemplo, criar uma agravante para o crime do político? Ou, como queria um ex-professor, julgá-lo num tribunal de júri, julgamento pelo povo, como em caso de homicídio?

Fernandinho Beira-Mar acha graça de tudo isso, ele, o herói, a quem o jornal um dia estampou na capa com a manchete "Tá tudo dominado."

O político roubou, mas o espírito continua à procura de homens que o Filho Eteno chama à sua órbita. Por que fazer tanto caso deles? A vida segue, eles terão seu galardão um dia, no pós-dia, e você também. Sossega e peça para ele correr atrás do Beira-Mar.

terça-feira, novembro 01, 2011

Brasileiro não gosta de política, brasileiro só gosta de corrupção.

segunda-feira, outubro 31, 2011

Dominação

A melhor maneira de dominar alguém é fazer algo de que a própria pessoa duvidará que você tenha feito, e, se ela chegar a acreditá-lo, não conseguirá comunicá-lo a outros, seja por vergonha de ter participado naquilo, seja porque as outras pessoas não lhe acreditarão, e ela não quer passar por doida mentirosa. Então o que aconteceu subsistirá como uma erva daninha dentro de si, corroendo sua base de confiança num mundo que descrê na possibilidade de que algo do tipo lhe tenha ocorrido.

Faz-se daí a cumplicidade dominada do paciente ao sujeito da ação.

domingo, outubro 30, 2011

Blecaute

A velinha sua em bicas
criando raízes ao prato;
quisera admirá-la mais,
entanto me dói a vista.

Em breve a luz volta, alás,
e então eu a apago, grato.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Capitulo 182 de Quincas Borba

J. Apolodoro, colega de letras a quem Machado de Assis entregara uma versão de Quincas Borba para que revisse e opinasse, propôs-lhe a seguinte alteração no capítulo 182:

"(...)

Um deles, muito menor que todos, apegava-se às calças de outro, taludo. Era já na Rua da Ajuda. Fosse o delírio com Jesus, Rubião teria parado e dito: "Deixai vir a mim as criancinhas." Mas, como o Nazareno aí não tinha parte alguma, tão logo ouviu a surriada, Rubião supôs que eram aclamações, e fez uma cortesia de agradecimento. (...)

(...)"

quinta-feira, outubro 27, 2011

Soneto

por Targélia Barreto de Meneses

Em vão tentais nos ocultar a chama
Que o vosso peito alastra e que o devora,
Nós, as mulheres, fracas, muito embora,
Sabemos ler no olhar do homem que ama

No lábio que, agitando-se, descora,
Traduzimos a frase que se inflama!
E muita vez no gelo se derrama
Fogo que o peito de afeição vigora

O homem é assim inconsciente,
Sempre ostentando aquilo que não sente:
Quando jura um afeto está fingindo;

Quando se diz liberto está cativo!
Ironia cruel! Por que motivo
Há de um homem viver sempre mentindo?

segunda-feira, outubro 10, 2011

Monarquia

A monarquia é o favorecimento pessoal legalizado, com a vantagem dos belos jardins, dos homens de fraque, garbo e elegância, e das histórias de princesa. Se é para ter corrupção financeira, por que a gente escolheu a República mesmo?

quinta-feira, outubro 06, 2011

Que é a dúvida? - II

Dúvida é a alternância entre duas ou mais opções de ação, as quais não têm atratividade o bastante para que por uma delas se decida finalmente.

Que é a dúvida?

"A dúvida é uma espécie de pensamento que varia por ambas as alternativas [de um dilema], de maneira que se pensa 'Isto talvez seja assim; talvez não seja assim.'" (Yoga-Bhashya, tradução minha da tradução de James Haughton Woods)

quarta-feira, outubro 05, 2011