domingo, fevereiro 17, 2008

Revolução 2a parte

“(...)A Revolução portanto fez seu caminho de cidade em cidade, e os lugares onde chegou por último, de terem ouvido o que fora feito antes, levaram a um excesso ainda maior o refinamento de suas invenções, como manifestado na astúcia de suas iniciativas e na atrocidade de suas represálias. As palavras tinham que mudar seu significado ordinário e assumir aquele que lhes era dado agora. A audacidade temerária passou a ser considerada coragem de um leal aliado; hesitação prudente, covardia camuflada; a moderação foi considerada um disfarce para a fraqueza; a habilidade de enxergar todos os lados de uma questão, inaptidão para agir em algum deles. A violência desvairada tornou-se atributo da virilidade; a cuidadosa intriga, um meio justificado de auto-defesa. O advogado de medidas extremas era sempre confiável; seu oponente um homem de quem suspeitar. Para suceder numa intriga era requisito a cabeça astuta, para armar uma intriga uma mais astuta ainda; mas para tentar não precisar fazer qualquer uma das alternativas era necessário dissolver seu partido e então ficar com medo de seus adversários. Nos dias bons, evitar um futuro criminoso, ou sugerir a idéia de um crime onde ele era necessário, eram atitudes igualmente louváveis até que o próprio sangue se tornava um elo mais fraco que o do partido, pela presteza soberba daqueles unidos pelo partido a afrontar tudo sem reserva; pois tais associações não tinham em vista as bençãos derivadas de instituições estabelecidas mas eram formadas pela ambição de destruí-las; e a confiança de cada membro um no outro apoiava-se menos em alguma sanção religiosa do que na cumplicidade pelo crime. As propostas justas de um adversário eram recebidas com ciumentas precauções pelo mais forte dos dois, e não com uma confiança magnânima. A vingança também era mais bem considerada que a auto-preservação. Juras de reconciliação, proferidas por ambos os lados apenas como resposta a uma dificuldade imediata, só eram mantidas enquanto outra arma não estava a mão; mas quando a oportunidade surgia, aquele que primeiro se aventurava a agarrá-la e a surpreender a guarda do inimigo, imaginava essa vingança pérfida como mais doce do que uma vingança aberta, desde que, deixadas de lado as considerações de segurança, o sucesso pela traição rendia-lhe o triunfo da inteligência superior. De fato geralmente acontece de os homens considerarem os vigaristas mais inteligentes que honestos simplórios, e são tão envergonhados de serem o segundo como orgulhosos de serem o primeiro. A causa de todos esses males era a cobiça pelo poder nascendo da ganância e da ambição; e dessas paixões procedia a violência dos partidos ocupados na disputa. Os líderes nas cidades, cada qual munido com as confissões mais justas, de um lado com o brado da igualdade política do povo, do outro com o de uma aristocracia moderada, buscavam prêmios para si naqueles interesses públicos de que alegavam cuidar, e recaindo para a falta de meios nas suas lutas por ascensão entregavam-se aos mais tristes excessos; em seus atos de vingança foram a limites ainda maiores, não detendo-se ante o que a justiça ou o bem do estado requeria, porém fazendo do partido seu único critério no capricho do momento, e invocando com igual presteza a condenação de um veredicto injusto ou a autoridade da arma forte para saturar as animosidades do momento. Assim a religião não tinha lugar de honra em quaisquer dos partidos; mas o uso de frases justas para chegar a fins criminosos gozava de alta reputação. Enquanto isso o partido moderado dos cidadãos perecia entre os dois, seja por não entrar na disputa, seja porque a inveja não os deixava escapar.”

Tucídides, em A História da Guerra do Peloponeso, capítulo 10, livro terceiro.

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