quinta-feira, abril 15, 2010

Quatro fases do romance brasileiro: a idealista crua de José de Alencar; a desedificante de Machado de Assis, em parte continuada por Graciliano Ramos; o mal-estar de Lima Barreto, que reclama tanto da desedificação quanto do idealismo cru; e a modernista, que procura construir um país, de Adonias Filho e Guimarães Rosa, muito embora a crítica de Gerado Mello Mourão de que Rosa quis contruir uma nova língua ao invés de uma nova linguagem seja motivo para reflexão -- seria a prosa de Rosa uma forma de fuga da realidade, ainda que para criar uma realidade melhor? Em 'A hora e a vez de Augusto Matraga' certamente não, mas em 'Grande Sertão Veredas' pode ser.

segunda-feira, abril 05, 2010

Demonstra-se o infinito assim

"(...) mas é todo pleno do que é.
Por isso, é todo contínuo: pois ente a ente cerca."
(Parmênides)

Além e subsistente ao conjunto de finitos, há o infinito, porque se não houvesse, haveria buracos entre ou para além dos finitos.

Esses buracos ou não são de modo relativo ou não são de modo absoluto.

Se de modo relativo, então eles são de algum modo, portanto são algo finito, não são o nada absoluto.

Se não são de modo absoluto, absolutamente nada são, porém o que nada é exclui absolutamente qualquer ser.

Então ou nada há ou algo há.

Que há algo é um dado inegável.

De sorte que se há algo, o infinito precisa completar o finito. Porque ou entre os finitos, para que não haja buracos, há o infinito; ou porque, se os finitos estão colados uns no outro, para que não haja um buraco após o último dos finitos -- o finito da margem ou ponta -- eles deveriam ser em número infinito, de sorte que o infinito é a continuação da sucessão dos finitos.

O infinito compreende, ultrapassa e subjaz a tudo que é finito.

sábado, abril 03, 2010

No primeiro volume de sua obra em seis volumes, 'História da Igreja de Cristo', Daniel-Rops diz que, logo após o Pentecostes, quando Pedro "gritou a sua fé inquebrantável no Jesus Messias, começara (...) a história cristã, com esta primeira declaração apologética, que era também uma declaração de guerra ao mundo."

Porém Jesus pede ao Pai do céu: "Não peço que os tireis do mundo, mas que os livreis do mal." (Jo, 17:15)

Não me parece um bom começo para uma obra sobre a história do cristianismo. Mas pode ser também apenas o tropeço de quem está começando a andar.

quarta-feira, março 31, 2010

Manga

por Maria Lúcia dal Farra

Ela está sobre a mesa --
nua
e fechada em si
como uma urna.
O elegante perfil convoca outras formas
para torná-la única:
pêra, pêssego, abricô -- o coração, afinal,
de onde irrigam a candura
e o aceno para afagá-la com duas mãos.

De modo que a boca quase treme
(hesitante entre beijá-la e mordê-la)
quando dela se achega
sem saber se se entrega ao domínio do cheiro
ou à volúpia de lambê-la --
mesmo antes de (com unhas)
fender-lhe a pele vermelho-verde.

Ah, sulcar a carne macia com o arado dos dentes
deixando que neles se enrosquem os cabelos
que a fruta
(aflita)
não pode conter diante do torvelinho dos sentidos --
do cataclismo que o desejo encena
no afã de conhecer-lhe o rosto!

Sôfrego, salivo abocanhando a polpa
(esse manancial de sucos que me lambuza,
espirra, goteja e baba)
que chupo exaurindo a fonte dos deleites
dessa mulher que
por fim consentiu
(pudica e fogosa)
de a mim se entregar.

......

Da obra Livro de Possuídos.

domingo, março 28, 2010

A carga da Brigada Ligeira

No filme 'The blind side', lançado com o título 'Um sonho possível' em português, pelo qual Sandra Bullock recebeu o Oscar de melhor atriz, há uma cena em que a personagem principal recebe uma lição de poesia de seu pai adotivo. O tema é uma investida mal calculada e malfadada, porém brava, da cavalaria britânica contra as forças russas durante a Guerra da Criméia.


Segue o poema declamado. A tradução para o português, feita por Octávio Santos, está logo a seguir.


The Charge of the Light Brigade


By Alfred Tennyson


HALF a league, half a league,
Half a league onward,
All in the valley of Death
Rode the six hundred.
‘Forward, the Light Brigade!
Charge for the guns!’ he said;
Into the valley of Death
Rode the six hundred.


‘Forward, the Light Brigade!’
Was there a man dismay’d?
Not tho’ the soldier knew
Some one had blunder’d:
Their’s not to make reply,
Their’s not to reason why,
Their’s but to do and die:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.


Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon in front of them
Volley’d and thunder’d;
Storm’d at with shot and shell,
Boldly they rode and well,
Into the jaws of Death,
Into the mouth of Hell
Rode the six hundred.


Flash’d all their sabres bare,
Flash’d as they turn’d in air,
Sabring the gunners there,
Charging an army, while
All the world wonder‘d:
Plunged in the battery-smoke
Right thro’ the line they broke;
Cossack and Russian
Reel’d from the sabre-stroke
Shatter’d and sunder’d.
Then they rode back, but not,
Not the six hundred.


Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon behind them
Volley’d and thunder’d;
Storm’d at with shot and shell,
While horse and hero fell,
They that had fought so well
Came thro’ the jaws of Hell,
All that was left of them,
Left of six hundred.


When can their glory fade?
O the wild charge they made!
All the world wonder’d.
Honour the charge they made!
Honour the Light Brigade,
Noble six hundred!


A Carga da Brigada Ligeira


por Alfred Tennyson


Meia légua, meia légua,

meia légua em frente,

todos no Vale da Morte

cavalgaram com os seis centos.

“Para a frente a Brigada Ligeira!

Carreguem contra as armas!”, disse ele.

Para o Vale da Morte

cavalgaram os seis centos.


Para a frente a Brigada Ligeira!

Havia algum homem desanimado?

Todavia, o soldado não sabia

De algum que tivesse disparatado.

Eles não têm de responder,

eles não têm de se perguntar,

eles só têm de fazer e de morrer.

Para o Vale da Morte

cavalgaram os seis centos.


Canhão à direita deles,

canhão à esquerda deles,

canhão à frente deles

saraivaram e trovejaram;

atingidos por balas e obuses,

com audácia eles cavalgaram e bem,

para as mandíbulas da Morte,

para a boca do inferno

cavalgaram os seis centos.


Reluziram todos os seus sabres despidos,

reluziram ao rodopiarem no ar

sabrando os artilheiros lá

carregando contra um exército, enquanto

todo o Mundo se maravilhava.

Mergulhados no fumo das baterias

através da linha deles romperam a direito;

cossacos e russos

cambaleantes das sabradas

estilhaçaram-se e fenderam-se.

Então eles cavalgaram para trás, mas não,

não os seis centos.


Canhão à direita deles,

canhão à esquerda deles,

canhão à frente deles

saraivaram e trovejaram;

atingidos por balas e obuses,

enquanto cavalos e heróis caíam,

eles que haviam lutado tão bem

vieram através da mandíbulas da Morte,

de volta da boca do inferno,

tudo o que restava deles,

o que restava dos seis centos.


Quando irá a sua glória desvanecer-se?

Oh, a carga bravia que eles fizeram!

Todo o Mundo se maravilhou.

Honrem a carga que eles fizeram!

Honrem a Brigada Ligeira,

Nobres seis centos.


......


Créditos: www.arlindo-correia.com/220310.html

sábado, março 27, 2010

Como os militares começaram a atuar na vida política brasileira

"Um dos princípios da "política positiva" de Augusto Comte era a evolução da ciência da guerra para fins de paz, com a transferência dos deveres da segurança externa para a ordem interna. Por isso, Comte dizia que o "exército se mudará finalmente em gendarmeria, quando todo receio de invasão estiver definitivamente dissipado".

Daí as preocupações que levaram o exército republicano a defender a solidariedade continental (tratado com a Argentina), transferindo sua atenção para uma espécie de tutela interna, que não demorou a se tornar opressiva.

Os militares passaram a a ver no exército não uma força de defesa externa, mas um instrumento de reforma interna do país. A disciplina viu-se, assim, subvertida pela reivindicação do direito de livre exame, atitude protestante que, depois de instalada a república, levou Floriano àquela espécie de calvinismo caboclo, brutal tirania em guarda da pureza republicana. (...)" (Arinos, Afonso e Jânio Quadros, História do povo brasileiro, V Volume, A República, as oligarquias estaduais, São Paulo: J. Quadros editores culturais S. A., 1968, p. 42)

quarta-feira, março 24, 2010

Democracia é a concordância de que pode haver discordâncias.

segunda-feira, março 22, 2010

Comparada com a política de Obama para o Oriente Médio, nem parece que a de Lula é pró-palestina. Porém, se o mulato conseguir o estabelecimento dos dois Estados, um judeu e um palestino, ele pode vir a ser o Reagan da direita. Pelo que se viu do empenho para a aprovação do "health care bill", o homem é determinado.

domingo, março 21, 2010

Passando a limpo a guerra do Paraguai

"É fantasiosa a imagem construída por certo revisionismo histórico de que o Paraguai pré-1865 promoveu sua industrialização a partir de "dentro", com seus próprios recursos, sem depender dos centros capitalistas, a ponto de supostamente tornar-se ameaça aos interesses da Inglaterra no Prata. Os projetos de infra-estrutura guarani foram atendidos por bens de capital ingleses e a maioria dos especialistas estrangeiros que os implementaram era britânica. (...)

Também é equivocada a apesentação do Paraguai como um Estado onde haveria igualdade social e educação avançada. A realidade era outra e havia uma promíscua relação entre os interessados do Estado e os da família Lopez, a qual soube se tornar a maior proprietária "privada" do país enquanto esteve no poder." (Doratioto, Francisco. Maldita guerra: Nova história da guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 30)

"Carlos Antonio López morreu em 10 de setembro de 1862. Momentos antes de expirar, alertou Solano López de que o Paraguai "tem muitas questões pendentes, mas não busque resolvê-las pela espada, mas sim pela caneta, principalmente com o Brasil." Carlos López agiu para obter um lugar para o Paraguai no plano internacional, mas tinha consciência da debilidade de seu país, daí o pragmatismo de sua política externa, pautada pelos limites do possível. O falecido presidente não era um aventureiro, nem um teimoso, e "como bom administrador tradicional, conhecia os limites do seu poder." Bem diferente seria a atuação de seu filho mais velho, ao ocupar a presidência paraguaia." (Idem, p. 41)

domingo, março 14, 2010

Quando Dom Pedro I cassa a Constituinte de 1823, os deputados saem do salão saudando-o.

Bonifácio e seus irmãos
deixam a Constituinte
e nem olham para o Príncipe,
cumprimentam o canhão.

terça-feira, março 09, 2010

Formalismo

-- O senhor foi eliminado do certame.

-- Mas como, por quê?

--O senhor não utilizou a caneta adequada.

--Como não, utilizei a caneta esferográfica na cor preta, como dizia o edital.

-- O edital diz que o senhor deve utilizar a caneta esferográfica de tinta preta transparente.

-- Ah -- exclamou enfastiado. -- OK, mas quem sabe disso?

-- O sistema, o sistema sabe tudo.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Senhor Raúl Castro, derrube essa tirania.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

J'aime le rire,

Non le rire ironique aux sarcasmes moqueurs,
Mais le doux rire honnête ouvrant bouches et coeurs"
(Victor Hugo, Les Contemplations, Aurore, VI, La Vie Aux Champs)

"E resta saber por fim se o estilo não é uma disciplina do pensamento. Em verso, o avô sabe, é muitas vezes a necessidade de uma rima que produz a originalidade de uma imagem... E quantas vezes o esforço para completar bem a cadência de uma frase, não poderá trazer desenvolvimentos novos e inesperados de uma ideia..."
(Eça de Queiroz, Os Maias, IX)

"Apenas um poeta pode ver poesia na prosa lugar-comum da existência rotineira." (Livro de Urântia, doc. 48, 7)

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Tomás e João no café do curso sobre filosofia medieval

-- Duns Scot inventa classificações sobre o vazio, trata-se de um individualista que está na raiz da modernidade ou da dessacralização do homem dentro do cosmos.

-- Calma, não é bem assim. Ele foi beatificado, se você ler seus escritos verá que ele procura seguir fielmente as Escrituras, de maneira inclusive até mais estrita que Tomás de Aquino.

-- Você está errado em defendê-lo, cara, reconheça, não adianta.

-- Só estou dizendo que Santo Tomás não é dono da verdade, embora doutor comum da Igreja. Ele mesmo chegou a minimizar o que escrevera. É bom procurar a verdade onde quer que ela esteja.

-- Você é muito voluntarista. -- Sai.

-- Que seja. -- Fica.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Protesto contra a qualidade das estradas.

Porque o veículo saculeja muito e o passageiro não pode seguir viagem lendo. Para quem já usa óculos, definitivamente não é bom.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Comissão Pessoal da Vaidade

Em entrevista à Tribuna do Advogado, publicação mensal que adora dar voz a militantes de direitos humanos, o senhor Marcos Rolim omite cinicamente que os militantes contra a ditadura, longe de meramente resisistirem à sua atuação, queriam substituí-la por uma muito pior, a se dar crédito ao modelo que tinham em mente, a ditadura cubana. Comparada a esta, o regime militar brasileiro foi de fato uma ditabranda, onde morreram por volta de 300 militantes armados e 200 soldados que a defendiam.

O senhor Marcos Rolim foi um dos redatores do famigerado -- dá-lhe Guimarães Rosa! -- PNDH-3, ou Programa Nacional dos Direitos Humanos, terceira geração, que cria, entre aberrações, a Comissão Nacional da Verdade, cujo nome pomposo quase faz chorar a mãe desavisada que perdeu o filho adolescente desaparecido. A Comissão para estudar os fatos e devolver os ossos, como em circunstância distinta pediu a velha imaginada por Adonias Filho, não é ruim em si. O mal é o seu aproveitamento político pelas viúvas da revolução. O senhor Marcos Rolim quer fazer acreditar que os militantes armados eram resistentes heróicos. Balela! Se houve mocinhos durante o regime militar, esses foram os que a ele se opuseram, sem desejar, porém, radicalizá-lo sob seu comando. Gerardo Mello Mourão, o poeta e deputado federal, foi um mocinho. Marcos Rolim não. Ele é apenas um cínico fingindo estar do lado dos bons da história, dos quais por isso mesmo se pode suspeitar serem vilãos.

quinta-feira, janeiro 21, 2010

For Hans Carossa

by Rainer Maria Rilke

Losing too is still ours; and even forgetting
still has a shape in the kindgdom of transformation.
When something's let go of, it circles; and though we are
rarely the center
of the circle, it draws around us its unbroken, marvelous
curve.

Translated by Stephen Mitchell

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Já na Roma antiga.

O barbudo Calístrato desposou o robusto Afro
segundo a lei que une uma donzela a um homem.
Acenderam-se tochas, cobriu-se o rosto com o véu,
e nem te faltaram os teus cantos, Talassião.
Fixou-se até o dote. Não te parece, Roma,
que já chega? Esperas, se calhar, que ele até dê a luz?

Marcial, Epigramas. Vol. IV, livro XII, 42, p. 123 (trad. de José Luiz Brandão)

Créditos para o saite Super Flumina.

Por uma outra visão

Os americanos são uns egoístas. Eles vão ao Haiti, ajudam o país a se recuperar do terremoto e vão logo embora, não ficam sequer para a reconstrução política, medida que só reservam para casos "mais importantes", como um Japão ou Iraque. Nem mesmo um protetorado à moda de Porto Rico eles desejam para os pobres haitianos. Esses americanos são mesmo uns egoístas, só querem fazer o serviço e se picar.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Conserving what?

Em três programas de rádio, a BBC investiga o que o conservadorismo is all about.

Ouça os programas em inglês aqui.