Em geral tinha o corpo e o espírito moles, não indolentes, mas lassos, sempre com um sorriso a agradar e vaidoso de uma vida à parte em que seria um bon-vivant, a tocar seu violão e derreter corações, mas às vezes assumia um espírito de resistência, como se a outra pessoa -- em especial se um ente querido, porque mais próximo -- existisse para lhe interferir, e, quando pego de surpresa, um mero olhar seu era como uma patada, um olhar do qual se queria esconder, como do de Medusa, e responderia denodado e hostil -- porque desviada sua atenção -- a uma chamada inopinada.
quarta-feira, janeiro 05, 2011
domingo, janeiro 02, 2011
terça-feira, dezembro 28, 2010
quinta-feira, dezembro 16, 2010
Impressiona como o diálogo O Político, de Platão, tão desinteressante, para não dizer ruim, na primeira metade, com classificações estéreis, como a que mereceu zombaria de Diógenes, o Cínico -- 'Para Platão, o homem é um pássaro sem asas' --, torna-se um diálogo pujante na segunda metade, sobre o ofício do governante e o papel das leis no trabalho de governo. Valeu, Platão.
quarta-feira, dezembro 15, 2010
sábado, dezembro 04, 2010
quarta-feira, novembro 17, 2010
A cidadela do espírito
Yo no soy Yo
"Jesus retratou a profunda segurança do mortal sabedor de Deus ao dizer: “Para um crente do Reino, que conhece Deus, que importa se todas as coisas terrenas entrarem em colapso?” As seguranças temporais são vulneráveis, enquanto as seguranças espirituais são inexpugnáveis. Quando as torrentes da adversidade humana, do egoísmo, da crueldade, do ódio, da malícia e da inveja afluírem à porta da alma humana, podeis manter-vos na certeza de que há um bastião interior, a cidadela do espírito, que permanece absolutamente inatingível; e isso é verdadeiro, ao menos, para todo aquele ser humano que tenha entregado a guarda da sua alma ao espírito residente do Deus eterno." (Livro de Urântia, 2007, doc. 100, II, p. 1096)
Soy este
que va a mi lado sin yo verlo
que, a veces, voy a ver,
y que, a veces, olvido.
El que calla, sereno, cuando hablo,
el que perdona, dulce, cuando odio,
el que pasea por donde no estoy,
el que quedará en pié cuando yo muera.
(Juan Ramón Jiménez)
que va a mi lado sin yo verlo
que, a veces, voy a ver,
y que, a veces, olvido.
El que calla, sereno, cuando hablo,
el que perdona, dulce, cuando odio,
el que pasea por donde no estoy,
el que quedará en pié cuando yo muera.
(Juan Ramón Jiménez)
"Jesus retratou a profunda segurança do mortal sabedor de Deus ao dizer: “Para um crente do Reino, que conhece Deus, que importa se todas as coisas terrenas entrarem em colapso?” As seguranças temporais são vulneráveis, enquanto as seguranças espirituais são inexpugnáveis. Quando as torrentes da adversidade humana, do egoísmo, da crueldade, do ódio, da malícia e da inveja afluírem à porta da alma humana, podeis manter-vos na certeza de que há um bastião interior, a cidadela do espírito, que permanece absolutamente inatingível; e isso é verdadeiro, ao menos, para todo aquele ser humano que tenha entregado a guarda da sua alma ao espírito residente do Deus eterno." (Livro de Urântia, 2007, doc. 100, II, p. 1096)
domingo, novembro 14, 2010
Poder Próprio e Poder Alheio
por Shinran
Poder próprio é o esforço para alcançar o nascimento, seja invocando nomes de Budas outros que o de Amida e praticando bons atos outros que o nembutsu, de acordo com suas circunstâncias particulares e oportunidades; seja esforçando-se para torna-se merecedor (do nascimento) consertando a confusão em seus atos, palavras e pensamentos, confiante em seus próprios poderes e guiado por seu próprio cálculo.
Poder alheio é confiar-se ao décimo oitavo entre os votos de Amida Tathagata, o Primeiro Voto de nascimento através do nembutsu1 , que Amida selecionou e adotou dentro de todas as outras práticas. Uma vez que esse é o voto de Tathagata, Honen disse: "No Poder Alheio, nenhum trabalho é trabalho verdadeiro.""Trabalho" [que é negado] é um termo indicando cálculo. Uma vez que o cálculo da pessoa em busca de nascimento é poder próprio, ele é "trabalho." Poder Alheio é nos confiarmos ao Primeiro Voto, é nosso nascimento ficar firmemente assentado; logo também é sem o trabalho de alguém. De sorte que, por outro lado, você não deve ficar ansioso de que Tathagata não o receberá porque você pratica erros. Um ser idiota possui por natureza paixões cegas, logo você precisa admitir-se como um ser de mal cármico. Por outro lado, você não deve imaginar que merece alcançar nascimento porque você é bom. Você não pode nascer na terra verdadeira e realmente realizada por meio desse cálculo de poder próprio. Foi-me ensinado que com o shinjin de poder próprio uma pessoa só pode alcançar o nascimento no reino da indolência, na terra limítrofe, no palácio-matriz, ou na cidade da dúvida. [Lamp for the Latter Ages, Letter 2, I, pp. 525-526; See also The Virtue of the Names of Amida Tathagata, I, p. 658]
......
Retirado do livro The Essential Shinran, A Buddhist Path of true Entrusting, compilado e editado por Alfred Bloom, World Wisdom, 2007, pp.87-88.
1 A verdade de que somos seres limitados e imperfeitos, que nos toca transformando nossa insegurança existencial em profunda gratidão pela vida, "é trazida a realidade vívida dizendo-se o nembutsu -- "Namu-amida-butsu" --, o profundo desejo, chamado de Primeiro Voto de Amida, tocando cada um de nós, de modo a podermos ser liberados da auto-ilusão. Ao se dizer o nembutsu, afirma-se que este eu limitado, "namu", (...) é sustentado por "amida-butsu", a Luz e a Vida ilimitadas, sem fronteiras." (Unno, Taitetsu. Disponível em: http://www.livingdharma.org/Tannisho/TannishoHowToRead.html. Tradução minha)
Tradução minha.
Shinran (1173-1263) foi um reformador da tradição budista. Como vemos na passagem acima, ele acentuou a doação a Amida sobre práticas determinadas que se acreditava conduziriam o fiel ao nascimento na Terra Pura. Não deixamos de notar que seu ensinamento muito se assemelha ao do próprio Jesus, que acentuou o amor ao Pai em lugar do mero cumprimento da lei.
sábado, novembro 06, 2010
Um bastardo de Tarantino
No filme Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino, faltou aparecer a bondade. Nada a dizer do personagem de Brad Pitt, um carniceiro vocacionado, que tem ainda humor, o que nunca será ruim. Havia possibilidade de um encontro de bondade entre o soldado alemão travestido de ator e a dona judia do cinema na Paris ocupada, porém ela não se verifica. O único momento de atenção que a rapariga lhe dedica surge de um encantamento estético por vê-lo na tela de cinema, quando o tinha estatelado no chão próximo de si, após ferí-lo de morte. Ele tampouco aceitará essa atenção derradeira, cravejando-lha de balas em seguida. Ambos morrem sem amor entre si.
O cineasta que passeia pelo absurdo como se ele fosse corriqueiro não fez seu melhor filme. Bastardos inglórios não acena com a possibilidade de redenção, como Pulp Fiction, nem justifica sua violência pelo instinto materno, como Kill Bill. É apenas a expiação do bode nazista. Mas chega a ser engraçado nas participações do personagem de Brad Pitt.
segunda-feira, outubro 25, 2010
A unidade espiritual
Políticos como Heloísa Helena ou teólogos como Leonardo Boff, que misturam socialismo com cristianismo, ou mesmo líderes cristãos em geral que baixam cartilhas sobre como ser um bom fiel, fariam bem em conhecer as seguintes palavras de Jesus, reveladas no Livro de Urântia:
"Eu vim ao mundo para proclamar a liberdade espiritual, com o fito de que os mortais pudessem ter o poder de viver vidas individuais de originalidade e de liberdade, diante de Deus. Eu não desejo que a harmonia social e a paz fraterna sejam compradas com o sacrifício da livre personalidade e da originalidade espiritual. O que eu vos peço, meus apóstolos, é a unidade espiritual -- e isso vós podeis experimentar na alegria da vossa dedicação unida a fazer de todo o coração a vontade do meu Pai no céu. Vós não tendes que ver de um modo igual, nem tendes de sentir do mesmo modo, nem mesmo pensar da mesma maneira, para serdes espiritualmente iguais. A unidade espiritual deriva da consciência de que cada um de vós é residido, e crescentemente dominado, pela dádiva espiritual do Pai celeste. A vossa harmonia apostólica deve crescer do fato de que a esperança espiritual de todos vós é idêntica pela origem, natureza e destino."
"Desse modo podeis experimentar a unidade perfeccionada de propósito espiritual e compreensão espiritual, que nasce da consciência comum da identidade dos vossos espíritos residentes vindos do Paraíso; e podeis desfrutar de toda a profunda unidade espiritual, mesmo havendo grande diversidade entre vossas atitudes individuais de pensamento intelectual, sentimentos, temperamento e conduta social. As vossas personalidades podem ser diversas de um modo animador e mesmo marcadamente diferentes, enquanto as vossas naturezas espirituais e frutos espirituais, de adoração divina e amor fraterno, podem ser tão unificados que todos aqueles que contemplarem as vossas vidas certamente tomarão conhecimento dessa identidade de espírito e dessa unidade de alma; (...)" (Livro de Urântia, doc. 141, 5)
"Desse modo podeis experimentar a unidade perfeccionada de propósito espiritual e compreensão espiritual, que nasce da consciência comum da identidade dos vossos espíritos residentes vindos do Paraíso; e podeis desfrutar de toda a profunda unidade espiritual, mesmo havendo grande diversidade entre vossas atitudes individuais de pensamento intelectual, sentimentos, temperamento e conduta social. As vossas personalidades podem ser diversas de um modo animador e mesmo marcadamente diferentes, enquanto as vossas naturezas espirituais e frutos espirituais, de adoração divina e amor fraterno, podem ser tão unificados que todos aqueles que contemplarem as vossas vidas certamente tomarão conhecimento dessa identidade de espírito e dessa unidade de alma; (...)" (Livro de Urântia, doc. 141, 5)
sexta-feira, outubro 22, 2010
"Cum enim utilitas ad se rapere, honestas contra revocare ad se videtur (...)"
"Quando deveras a utilidade desaparecer, então se verá o honesto reaparecer."
Cícero, Dos Deveres.
"Quando deveras a utilidade desaparecer, então se verá o honesto reaparecer."
Cícero, Dos Deveres.
"Não afirmamos que o homem seja dominado pela busca do prazer ou a ambição de mando; pelo contrário, mantemos a opinião de que ele é animado no mais profundo de si, para não dizer "espiritualizado", pela "vontade" de sentido. A vontade de poder vê e procura exclusivamente o útil, ou seja, "um valor para mim"; a vontade de sentido, no entanto, vê, outrossim, a dignidade e dela cuida, e isto significa "um valor em si". Assim, a vontade de poder é uma vontade de sentido que degenerou." (Frankl, Viktor. O homem incondicionado, em Fundamentos antropológicos da psicoterapia, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978, p. 177)
segunda-feira, outubro 18, 2010
quarta-feira, outubro 13, 2010
As primeiras letras de Agostinho
"Portanto, eu pecava quando criança, ao antepor todos aqueles conhecimentos vãos dos poetas a estes mais úteis, ou antes, quando simplesmente detestava a estes e amava àqueles." (Agostinho, Confissões, I, 13)
Não, Agostinho, preferir as aventuras de Enéas à alfabetização da tenra idade não é pecado. Denota um menino desejoso de aventuras que de quebra fertiliza sua imaginação moral. Aprender a ler e a escrever claro que é necessaríssimo, mas gostar mais de Virgílio do que do professor primário não é ruim. Faça como você fez depois, reconheça o seu trabalho; não rejeite a "ficção mais verdadeira que a vida."
Menosprezas o "espetáculo vão" do poeta mas não consegues deixar de citar-lhe "a sombra de Creusa", porque o amas, porque é bom que o ames.
domingo, outubro 03, 2010
O que acha meu alterego?
"Quien habla solo espera hablar con Dios un día."
(Machado, Antonio. Campos de Castilla)
(Machado, Antonio. Campos de Castilla)
"As crianças, quando começam a aprender a fazer uso da linguagem, têm a propensão de pensar em voz alta, de expressar os seus pensamentos em palavras, mesmo quando não há ninguém por perto para ouvi-las. Com o alvorecer da imaginação criativa, elas evindenciam uma tendência de conversar com companheiros imaginários. Desse modo, um ego que se forma, busca manter a comunhão com um altergo fictício. Por meio dessa técnica, a criança aprende muito cedo a converter o seu monólogo em um diálogo fictício, no qual esse alterego responde ao seu pensamento verbal e à expressão dos seus desejos. Boa parte dos pensamentos dos adultos é mentalmente construída na forma de conversas.
(...)
(...) É inteiramente apropriado, quando faz uma prece, que o homem se esforce para captar o conceito do Pai Universal no Paraíso. Mas a técnica mais eficaz, para os propósitos mais práticos, será retornar ao conceito de um alterego próximo, exatamente com a mente primitiva tinha o hábito de fazer, e então reconhecer que a idéia desse alterego evoluiu de uma mera ficção até a verdade, que é Deus, residindo no homem mortal, por meio da presença factual do Ajustador, de um modo tal que o homem pode colocar-se face a face com Ele, como se fosse um alterego real, genuíno e divino, que reside nele e que é a própria presença e a essência do Deus vivo, o Pai Universal." (Livro de Urântia, doc. 91, 3)
(...)
(...) É inteiramente apropriado, quando faz uma prece, que o homem se esforce para captar o conceito do Pai Universal no Paraíso. Mas a técnica mais eficaz, para os propósitos mais práticos, será retornar ao conceito de um alterego próximo, exatamente com a mente primitiva tinha o hábito de fazer, e então reconhecer que a idéia desse alterego evoluiu de uma mera ficção até a verdade, que é Deus, residindo no homem mortal, por meio da presença factual do Ajustador, de um modo tal que o homem pode colocar-se face a face com Ele, como se fosse um alterego real, genuíno e divino, que reside nele e que é a própria presença e a essência do Deus vivo, o Pai Universal." (Livro de Urântia, doc. 91, 3)
terça-feira, setembro 28, 2010
A língua que não conversa
"(...) é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e construir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra." (Saussure, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 132)
Fosse assim, um bebê e até mesmo um adulto não conseguiriam expressar um significado qualquer, porque teriam que conhecer todas as palavras da língua para poder expressar, com uma delas, sabendo de sua diferença face às demais, um significado para seu semelhante. Que trabalheira, não?
Mas o homem, porém, não cria a linguagem apenas para transmitir um significado, ele a cria para revelar-se a si próprio ao outro, esperando reciprocidade, num processo de descoberta mútua. O homem conversa com o Ser que não poderia não ser e se relaciona com Ele, e o ouve, e também fala sozinho -- "Quien habla solo espera hablar con Dios un día" (Antonio Machado) --; mal se pode dizer que um transmite ao outro algum significado conceitual. Trata-se de troca de valores e experiências, como não? O homem também cria a linguagem para erigir as instituições que fundarão sua vida social. Por isso é boba a alegação de que a língua de Virgílio e Cícero não era o verdadeiro latim, uma vez que a população em geral não se expressava com o refinamento dos dois. O latim que condenou Catilina e concebeu a aventura de Enéas formava o imaginário popular e edificava o governo de todos os romanos. Estudamos esse latim, não o que o mesquinho Zé da esquina falou. Aquele é o que pode tentar ser o mais verdadeiro e fiel possível às emoções e necessidades de um povo e de qualquer homem em sua experiência real no mundo, esse é a pululação quotidiana de nossos fingimentos e desejos baixos, falso acerto de contas com um cosmos que nos aterroriza.
Saussure analisa a linguagem em seu nível lógico antes que no da impressão ou experiência real que o homem deseja compartilhar e trocar com seu semelhante. Tem-se a impressão de que Saussure analisa conceitos tecnológicos conhecidos por uma comunidade restrita de cientistas ou técnicos. Ele, no entanto, não era tonto para crer que as palavras não terão qualquer referência a um mundo real, o que equivaleria dizer que a linguagem seria um dicionário sem mundo exterior1, um sistema de palavras que se remeteriam umas às outras sem referência a um elemento externo, o qual, na carona de Gödel, e por analogia, diríamos ser auto-contraditório.
Indicar o significado de algo já realizado, ao invés do apelo, do chamado à realização ou à compreensão e ao reconhecimento de algo na vida criativa interior é uma das críticas de Rosenstock tanto à teoria naturalista-representativista quanto à estruturalista de Saussure e quejandos.
O pai que ampara seu bebê pelos braços incentivando-o a andar, o chefe que manda seu empregado buscar papéis, ou o estudioso da língua que diz "Eu te amo" à sua esposa não estão apenas transmitindo significados, estão encorajando, dando ordens, trocando experiências com a pessoa a quem se dirigem -- e que lhes presta mais ou menos atenção --, conforme a situação. Muitas vezes, aliás, troca-se uma experiência melhor pelo silêncio do que por palavras -- "Espera que cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio" (Drummond). Por isto, os limites da linguagem não são os limites da interação com o cosmos, como queria Wittgenstein. O contrário seria mais justo. O homem intenta através da linguagem -- uma de suas melhores maneiras de fazê-lo --, dizer sua interação com o cosmos, 'no matter how short of it he may be'. As palavras são, ou deveriam ser, nossa tentativa de melhor nos fazer entender -- e também de entender --, de relacionar-nos em suma, com o semelhante, o Superior e até com o inferior -- você nunca conversou com um cão? Quando sei que Viktor Frankl conversava com sua esposa já falecida, a linguística saussuriana parece-me surda à experiência real do homem no amor do Cosmos.
Indicar o significado de algo já realizado, ao invés do apelo, do chamado à realização ou à compreensão e ao reconhecimento de algo na vida criativa interior é uma das críticas de Rosenstock tanto à teoria naturalista-representativista quanto à estruturalista de Saussure e quejandos.
O pai que ampara seu bebê pelos braços incentivando-o a andar, o chefe que manda seu empregado buscar papéis, ou o estudioso da língua que diz "Eu te amo" à sua esposa não estão apenas transmitindo significados, estão encorajando, dando ordens, trocando experiências com a pessoa a quem se dirigem -- e que lhes presta mais ou menos atenção --, conforme a situação. Muitas vezes, aliás, troca-se uma experiência melhor pelo silêncio do que por palavras -- "Espera que cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio" (Drummond). Por isto, os limites da linguagem não são os limites da interação com o cosmos, como queria Wittgenstein. O contrário seria mais justo. O homem intenta através da linguagem -- uma de suas melhores maneiras de fazê-lo --, dizer sua interação com o cosmos, 'no matter how short of it he may be'. As palavras são, ou deveriam ser, nossa tentativa de melhor nos fazer entender -- e também de entender --, de relacionar-nos em suma, com o semelhante, o Superior e até com o inferior -- você nunca conversou com um cão? Quando sei que Viktor Frankl conversava com sua esposa já falecida, a linguística saussuriana parece-me surda à experiência real do homem no amor do Cosmos.
......
1 Quando falo em exterior não me refiro apenas a coisas do mundo material, refiro-me também aos sentimentos, como tal interiores, do homem, às instituições que criou, etc, trata-se de um mundo exterior apenas ao dicionário, não à mente-alma-espírito humana.
sábado, setembro 25, 2010
O sonho da borboleta
"Certa vez eu, Chuang Chou, sonhei que era uma borboleta, adejando daqui para acolá, com todos os fins e propósitos de uma borboleta. Só tinha consciência de minha felicidade como borboleta sem saber que eu era Chou. Depressa acordei e ali estava eu, eu mesmo, na verdade. Agora não sei se eu era um homem sonhando ser borboleta, ou se eu sou uma borboleta sonhando ser um homem. Entre um homem e uma borboleta há, naturalmente, uma distinção. A transição é chamada transformação de coisas materiais." (Zhuangzi)
A distinção é que o homem desperto pode pensar que é borboleta, mas a borboleta do sonho não pensaria que seja homem.
quinta-feira, setembro 23, 2010
A psicologia transpessoal de Wilber e o Livro de Urântia
Ken Wilber, é preciso esclarecer tua idéia de que o destino da alma é ceder lugar ao Espírito, quando "na onipresente consciência, tua alma expande-se para alcançar o Cosmos inteiro, de sorte que o Espírito permanece sozinho, como o mundo simples daquilo que é." (Wilber, Ken. Integral Psychology. Boston & London: Shambala, 2000, p. 108, tradução minha) Desejas dizer que, "conforme Moisés, a alma pode lobrigar, mas jamais realmente ingressar na Terra Prometida", que a alma deve transformar-se no Espírito para fazê-lo? A alma é a realidade da relação única entre a mente e o espírito e "resulta em um valor universal, de duração eterna, inteiramente original, novo e único." (Livro de Urântia, 2007, doc. 111, p. 1218) Ken Wilber tratará da alma quando trabalha os níveis do desenvolvimento interno do homem:
"Da mesma maneira, olhando com profundidade para dentro da mente, na parte mais interior do eu, quando a mente fica bastante, bastante tranqüila, e, naquele infinito Silêncio, se ouve calmamente, a alma começa a sussurrar, e sua voz de pluma leva a um ponto a mais do que a mente jamais poderia imaginar, além de qualquer coisa que a racionalidade poderia tolerar, além de qualquer coisa que a lógica suportaria. Em seus sussurros gentis, estão as míseras pistas do amor infinito, lampejos de uma vida que o tempo esqueceu, coriscos de felicidade que não se mencione, uma interseção infinita onde os mistérios da eternidade sopram vida no tempo mortal, onde o sofrimento e a dor esqueceram como pronunciar seus próprios nomes, a interseção calma e secreta do tempo com o próprio atemporal, uma interseção chamada alma." (Wilber, idem, p. 106, tradução minha)
Uma descrição belíssima.
No Livro de Urântia, o Espírito mencionado por Wilber equivale ao Ajustador do Pensamento, um fragmento do Pai Eterno nas mentes de Seus filhos mortais planetários, Seu amor "tornado realidade e encarnado nas almas dos homens." (Livro de Urântia, idem, doc. 107, p. 1176) O destino do homem que haja escolhido com firmeza cumprir a vontade do Pai ao longo de uma carreira eterna é fusionar-se com Ele. Dir-se-á então que o homem se torna Ajustador, ou que o Ajustador se torna homem? "Nenhuma das duas coisas", "as duas identidades transformaram-se numa única." (Livro de Urântia, idem, doc. 112, p. 1238) Cada homem, lembremos a Wilber, deve ter seu Ajustador de Pensamento, ele não é um espírito comum aos homens em geral. Viktor Frankl, sem o saber, referir-se-ia a Ele ao dizer que "quando você estiver conversando consigo com plena sinceridade e suprema solidão -- este a quem você se dirige pode ser adequadamente chamado de Deus." As diferenças com Ken Wilber podem ser detalhes técnicos de nomenclatura, ao invés de uma discordância fundamental, mas a alma humana terá se tornado imortal pela aceitação sem reservas dos desejos do Espírito, ou seja, do Pai.
Ken Wilber considera também o caráter pessoal do homem em cada nível do "Great Nest of Being" que lhe acontece viver:
"Mas dizer que as mais profundas ondas do eu estão arqueologicamente expostas não significa em absoluto dizer que elas estão simplesmente dadas de antemão, como um tesouro enterrado no peito e à espera de excavação. Apenas significa que essas ondas mais profundas são todas potenciais básicos da condição humana (e sentiente). (...) cada indivíduo descobre as profundezas criando as características de superfície de cada onda que será unicamente sua (o que você faz com seu corpo, mente, alma e espírito cabe a você trabalhar). Como sempre, devemos construir o futuro que nos é dado; e o terapeuta que trabalha por todo o espectro ("full-spectrum therapist") é um assistente nesta extraordinária viagem ao mesmo tempo de descoberta e de criação." (Wilber, idem, pp. 109-110, tradução minha)
Sobre o tema, o Livro de Urântia dirá que a personalidade "unifica todas as atividades e que, por sua vez, lhes confere as qualidades de identidade e de criatividade." (Livro de Urântia, idem, doc. 112, p. 1227) "O propósito da evolução cósmica é conseguir a unidade de personalidade, por meio da predominância crescente do espírito, que é a resposta da vontade ao ensinamento e ao guiamento do Ajustador do Pensamento." (Livro de Urântia, idem, doc. 112, p. 1229) A personalidade, portanto, efetiva o caráter único do desenvolvimento de cada homem.
Atualização de 30 de janeiro de 2011: Veja também, leitor, uma comparação entre a obra de Viktor Frankl e o Livro de Urântia, aqui, realizada por Luiz Carlos Dolabella Chagas, tradutor para nosso idioma do Livro de Urântia. Advirta-se que o texto está em inglês.
segunda-feira, setembro 20, 2010
Direita
Urge a formação de um partido de direita no Brasil, mesmo que esse partido nasça dentro de um partido já existente. Por exemplo, o Democratas, agora com Indio da Costa corajosamente denunciando a aliança entre o PT e as Farc, poderia ser esse partido. Há, porém, dois empecilhos, os próprios Democratas não querem ser qualificados como direitistas (Indio da Costa, em entrevista a Veja, disse que se deve procurar a eficiente terceira via de Anthony Giddens, ao invés de se ocupar com definições partidárias), e o cacife do partido, Cesar Maia, é um comunista enrustido -- ele usou um broche comunista em seu último dia de governo como prefeito do Rio de Janeiro, como homenagem a seus ideais de outrora. Não vejo qualquer problema na pessoa ser fiel a seus ideais de juventude, como queria Schiller, mas deve sê-lo na medida em que eles apontam para os valores supremos, ainda que com idéias ruins, como o são as comunistas, as quais devem ser abandonadas. Permaneça o bom ideal e as idéias se aprimorem pela experiência. Cesar Maia provavelmente confundiu ambos.
Um partido de direita deve articular as seguintes políticas:
Defesa intransigente da democracia liberal. Não se admite que a direita, às vezes até covardemente, abandone o jogo da democracia para implorar a ação dos quartéis. Se é função das Forças Armadas assegurar pela força a ordem contra movimentos nazi-comunistas, não é preciso que elas sejam governo para tanto porém.
Apoio internacional a países e partidos defensores da democracia liberal, inclusive a participação em foros internacionais de debate. A UnoAmérica poderia ser o embrião de uma organização do tipo. A direita se perde em dois extremos, o liberalismo e o nacionalismo, políticas que muitas vezes são antagônicas. O liberalismo prima pela universalidade, ao passo que o nacionalismo apela ao singular, um coletivo singular, a nação. Sem 'ismos', respeitem-se as lealdades formadas dentro da nação, porém abra-se a possibilidade para novas lealdades no nível internacional. A direita deve atuar com decisão, prudência e confiança em governos transnacionais.
Redução de tributos e apoio à iniciativa empresarial. O desenvolvimento de novas tecnologias e projetos produtivos é tornado possível pela acumulação de capital -- outro nome para poupança -- de indivíduos e grupos de indivíduos. "O abuso do capital, da parte de alguns capitalistas injustos, não contradiz o fato de o capital ser a base da sociedade industrial moderna. Por meio do capital e das invenções, a geração atual desfruta de um nível mais elevado de liberdade do que qualquer outra que a haja precedido na Terra." (Livro de Urântia, 2007, doc. 69, p. 777)
Defesa dos valores tradicionais, sobretudo na medida em que comunguem dos valores supremos. "Os costumes têm sido o fio de continuidade a manter a civilização unida." (Livro de Urântia, 2007, doc. 68, p. 767) Peter Drucker dizia que o progresso deve ser acompanhado da continuidade. "(...) Nenhuma civilização que haja abandonado as suas tradições sobreviveu, a não ser adotando costumes melhores e mais adequados." (Livro de Urântia, doc. 68, p. 767) Um partido de direita deve gostar do bom, seja novo ou velho. Se for novo, ótimo, se for velho, tão logo o novo seja testado e estimado como inferior na comparação, prevaleça o velho.
Defesa dos valores tradicionais, sobretudo na medida em que comunguem dos valores supremos. "Os costumes têm sido o fio de continuidade a manter a civilização unida." (Livro de Urântia, 2007, doc. 68, p. 767) Peter Drucker dizia que o progresso deve ser acompanhado da continuidade. "(...) Nenhuma civilização que haja abandonado as suas tradições sobreviveu, a não ser adotando costumes melhores e mais adequados." (Livro de Urântia, doc. 68, p. 767) Um partido de direita deve gostar do bom, seja novo ou velho. Se for novo, ótimo, se for velho, tão logo o novo seja testado e estimado como inferior na comparação, prevaleça o velho.
Apoio ao agronegócio, responsável direito ou indireto pelo emprego de 35% da população do país e, atenção, pelo preço baixíssimo dos produtos primários no mercado brasileiro. No Brasil a carne custa R$10,00 o quilo. O modelo de pequenas propriedades rurais tem se revelado um fracasso, com raras exceções no sul do país, onde uma população de origem européia, com cultura camponesa e organizada em modernas cooperativas, consegue boa produção. Mais do que de capital, o pequeno agricultor precisa de assistência técnica.
Educação compulsória, seja organizada pelo Estado, paga pelo Estado porém escolhida pelos pais, ou paga e escolhida pelos pais.
Promoção da justiça social, o que se reflete, por exemplo, no reconhecimento da função social da propriedade, de resto já consagrado em nosso ordenamento jurídico, e no cuidado pelos desventurados. Não é errado querer promovê-la. O conceito não foi criado por socialistas, mas por um jesuíta no século XIX.1 "É assunto e dever da sociedade prover, ao filho da natureza, uma oportunidade justa e pacífica de buscar a automanutenção, de participar da autoperpetuação e, ao mesmo tempo, de desfrutar, em alguma medida, da autogratificação; e a soma de todas essas três constitui a felicidade humana." (Livro de Urântia, 2007, doc. 70, p. 794)
Trabalho forte de base. Os partidos brasileiros costumam ser dominados por políticos medalhões. Muito cacique para pouco índio. Um partido de direita deve realizar primárias para escolher seus candidatos.
1 E se relaciona à idéia aristotélica de justiça distributiva. Ver Shields, Leo. History and Meaning of a Social Justice, dissertação para obtenção do grau de doutor em filosofia. Notre Dame, Indiana: 1941.
sábado, setembro 18, 2010
Não se conserve o pensamento politicamente correto
Entrevistando Bruno Mazzeo no programa Globo News em Pauta, o jornalista Sergio Aguiar lhe perguntou como o pensamento politicamente correto atrapalhava o humor e se não se trataria de um conservadorismo.
Não, Sergio Aguiar, o pensamento politicamente correto surge no bojo do marxismo cultural dos anos 20, quando Antonio Gramsci, Georg Lukács e a Escola de Frankfurt advogam que a superestrutura da civilização ocidental é o obstáculo ao êxito da ideologia. Alcançará o auge e a partir de então uma hegemonia relativa nos anos 60, como a teoria da contra-cultura.
O conservadorismo se opõe ao pensamento politicamente correto, o qual freqüentemente o taxa, bem a seu feitio, de "hate speech" (discurso de ódio).
Está na hora de parar de considerar qualquer tema que desagrade como conservador.
Não, Sergio Aguiar, o pensamento politicamente correto surge no bojo do marxismo cultural dos anos 20, quando Antonio Gramsci, Georg Lukács e a Escola de Frankfurt advogam que a superestrutura da civilização ocidental é o obstáculo ao êxito da ideologia. Alcançará o auge e a partir de então uma hegemonia relativa nos anos 60, como a teoria da contra-cultura.
O conservadorismo se opõe ao pensamento politicamente correto, o qual freqüentemente o taxa, bem a seu feitio, de "hate speech" (discurso de ódio).
Está na hora de parar de considerar qualquer tema que desagrade como conservador.
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