sexta-feira, março 21, 2008

Gay Cuba Libre!

por Dale Carpenter

Publicado no Independent Gay Forum

No momento em que você reflete como tem sido ruim para os gays nos EUA, algo o lembra quão pior poderia ser. Não muito tempo atrás, uma pequena cidade no México barrou “cachorros e homossexuais” da praia local. O Presidente Robert Mugabe de Zimbabwe baniu gays das feiras de livros de seu país e nos chama publicamente de “cachorros.” Em alguns países islâmicos, atos homossexuais ainda são punidos com a morte. Isso coloca em perspectiva o fracasso do Congresso em passar o Aplicativo Ato da Não Discriminação.

Agora chega o filme nomeado ao Oscar Antes que anoiteça para expor a horrível negação de direitos individuais em Cuba desde que Fidel Castro tomou o poder 42 anos atrás. Alguns vigorosos admiradores de Castro nos EUA manifestaram-se contra o filme (o qual, se algo se dirá contra ele, é muito brando para com o ditador). Um protestante disse a um jornal que, embora não tenha realmente visto o filme, fora informado que ele continha ”mentiras” sobre Cuba. A ironia é que tal protesto não autorizado em Cuba o teria colocado na prisão.

Dirigido por Julian Schnabel, Antes que anoiteça faz uma crônica da vida do escritor gay cubano Reinado Arenas (interpretado de forma sublime por Javier Bardem). Arenas, nascido na pobreza em 1948, de início apoiou a revolução Cubana com suas promessas de educação livre e previdência médica. Seu primeiro livro até ganhou um prêmio dos cães de guarda culturais de Castro.

Mas o romance da revolução logo morreu. Um dos primeiros atos do regime foi proibir assembléias de mais de três pessoas. A mídia logo ficou sob controle estatal. O governo recrutou uma rede de espiões nas vizinhanças pelo país para reportar atividade dissidente. Aqueles que ousavam criticar o governo mesmo que fossem simpáticos ao comunismo eram presos. Denunciados como “contra-revolucionários,” alguns eram forçados a admitir culpa por seus “crimes” políticos contra o estado em processos midiáticos dignos de Stálin.

O regime de Castro também foi cruelmente anti-gay. Já em 1965, o governo cubano começou a mandar homossexuais para fazendas-prisões e campos de trabalho onde eram brutalmente mal-tratados. De acordo com um pioneiro dos direitos gays, o ativista Frank Kameny, as reportagens dos jornais sobre esses campos deram ensejo aos primeiros piquetes em frente à Casa Branca por gays, que seguravam cartazes perguntando, “Cuba persegue gays; os EUA são muito melhores?” A repressão em Cuba foi portanto usada para envergonhar o governo dos EUA para tratar os gays de modo mais tolerante.

Não obstante, nos anos 60 e 70 Castro tinha seus devotos entre os ativistas pelos direitos civis gays na América alinhados com a Nova Esquerda. Alguns até iam anualmente para Cuba como parte da “Brigada Venceremos” (VB) a fim de ajudar na colheita da cana de açúcar do país.

Enquanto a assitência era bem-vinda, oficiais expressavam abertamente sua preocupação pela inclusão de americanos gays na VB. Um relatório de polícia de 1972 descrevia os gays Americanos como “particularmente perigosos nesse tempo porque formam uma ofensiva cultural imperialista contra a revolução Cubana.”

O mesmo relatório de polícia denunciava a hhomossexualidade no país como “uma patologia social que reflete a remanescente decadência burguesa” que “não tem lugar na formação do Novo Homem que Cuba está construindo.” Em outras palavras, a homossexualidade era um artefato do capitalismo que deveria ser purgado.

O próprio Arenas sentiu essa mudança de rumo. Como um associado o informou, o governo Castro desconfiava de artistas e escritores porque eles criavam a beleza e totalitários não podem controlar a beleza. O trabalho de Arenas logo foi censurado pelas autoridades. Ele foi forçado a contar com admiradores literários para contrabandear seus manuscritos para fora do país a fim de publicá-los. Arenas e seu círculo de amigos intelectuais gays eram cuidadosamente espionados por informantes e com freqüência perseguidos pela polícia.

Não muito tempo depois, Arenas foi preso sob falsas acusações de molestar uma criança. Depois de conseguir escapar, foi capturado e retornou à prisão, onde foi torturado e colocado numa solitária.

Tais experiências não têm sido pouco comuns para os gays cubanos sob o governo de Castro. Em 1970, um grupo anônimo de gays Cubanos conseguiram enviar uma carta para ativistas dos direitos civis gays nos EUA. Na carta, eles revelavam como as autoridades cubanas perseguiam gays através de métodos que variavam de “ataques físicos até tentativas de impor desistegração moral e física sobre os gays.” Esses fatos, a carta notava, estavam “em total contradição com as histórias de sucesso contadas fora” por alguns dos apologistas de extrema esquerda de Castro.

É claro, a vida dos gays nos EUA não era nenhum piquinique nos anos 60 e começo dos 70. Mas as privações, punições e negações de liberdades básicas em Cuba foram muito além do que qualquer cosia experimentada aqui. Conforme concluía a carta dos gays Cubanos: “Se numa sociedade de consumo, dirigida por capitalistas e oligarcas, como a sociedade em que vocês vivem, homossexuais experimentam sofrimentos e limitações, em nossa sociedade, governada por Marxistas e revolucionários, é pior.

Arenas tentou desesperadamente escapar de sue país aterrador, certa vez tentando sem êxito boiar até a Flórida num bote secreto. Outros usaram jangadas provisórias e até balões com o mesmo propósito. Arenas conseguiu finalmente chegar aos EUA na viagem de bote Mariel do ano 1980 junto com milhares de outros “criminosos” incluindo vários gays cubanos, soltos por Castro.

De modo que enquanto lamentamos as barreiras que faltam para a total igualdade nos EUA, somos felizes por viver num país onde as garantias básicas de livre expressão, imprensa livre, direito de assembléia e devido processo aplicam-se inclusive a nós. Por ruim que possa parecer algumas vezes, ninguém está saltando sobre madeiras flutuantes no mar aberto para sair.

tradução de Daniel Lourenço

Reinaldo Arenas se suicidou em 1990 na cidade de Nova Iorque. O filme Antes que anoiteça(2000) se baseia em suas memórias póstumas.

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