quarta-feira, janeiro 14, 2009

Proprietários nas favelas

No artigo acadêmico O debate jurídico em torno da urbanização de favelas no Rio de Janeiro, Rafael Soares Gonçalves defende, ao invés da outorga de títulos de propriedade aos moradores das favelas, títulos imobiliários que possam "implicar numa atuação estatal mais forte, impondo certos limites à utilização do bem --como a concessão do uso para fins de moradia precariamente regulamentada pela medida provisória no 2020-- o que permite tanto assegurar o valor comercial do bem conforme regulamentado, como desencorajar uma descontrolada especulação imobiliária local."

O artigo todo é bastante bom, e me permitiu entender melhor a situação político-social das favelas, porém não posso concordar com o autor em preferir à outorga de títulos de propriedade, conforme propugnado pelo economista Hernando de Soto na obra O Mistério do Capital, o qual é citado por Rafael, a outorga de títulos sujeitos a certas limitações definidas pelo Poder Público. Não consigo entender por que ele defende isso. Logo no capítulo seguinte ele cita um caso de tentativa do Poder Público em aliança com uma rede de hotéis de demover a favela do Vidigal para a construção de um hotel no local, projeto este que não vingou. Nos EUA, no caso Kelo versus cidade de New London, que chegou à Suprema Corte daquele país, o Poder Público tentou com êxito desapropriar todo um conjunto habitacional para em seguida repassá-lo a um fundo de investimento que desejava a construção de um parque comercial no local. De modo que o argumento de que o Estado deva assitir os favelados para que eles não sejam vítimas de especulação imobiliária me parece fraco. E, mesmo considerando que o Estado fosse com toda a certeza possível proteger os moradores da especulação imobiliária, o que ele não vai, como apontamos, ainda assim seria melhor para os favelados possuírem o direito pleno de propriedade, sem mediação do Poder Público, pois um cidadão tem o direito de vender o imóvel se desejar fazê-lo.

O processo de regularização fundiária nas favelas traria a injustiça de tornar proprietários uma série de "latifundiários" das favelas, como os chama Rafael, que alugam os vários imóveis que possuem de fato para os favelados, porém junto com eles pequenos proprietários também receberiam seu título. Se, junto com o título, eles teriam que pagar tributos ao Poder Público, esse é o preço da legalidade, o preço que todo cidadão do asfalto paga. No caso de os tributos ficarem muito altos, aquele cidadão dono de propriedade na favela sempre terá o direito de vender seu imóvel para adquirir outro mais barato em outra localidade. Todo cidadão do asfalto, como passei a chamar quem tem seu título de propriedade devidamente regularizado, age desse modo. Por que os favelados não deveriam agir?

A atitude de indulgência excessiva frente a essa situação não desagrada de todo aos favelados, que continuam vivendo em seus imóveis sem precisar pagar os tributos correspondentes à legalidade, porém o preço dessa lerdeza em resolver o problema é o que todos cariocas sabemos: A ocupação das favelas pelos traficantes de drogas. A outorga do título de propriedade teria também o condão de criar nos favelados um maior zêlo pelo local onde vivem, em razão de que teriam a segurança jurídica de saberem que não poderiam ser expulsos da favela.

Que o exemplo do morro Dona Marta, recentemente ocupado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, sirva de parâmetro. Os imóveis da favela não páram de aumentar de valor e os moradores pensam em fazer obras em suas casas, agregando capital.

A melhor forma de tornar os favelados cidadãos é dar a eles os mesmos direitos que os cidadãos podem ter: títulos de propriedades plenos, na forma dos artigos nono e seguintes do Estatuto da Cidade. Falta agora quebrar a proibição genérica insculpida no parágrafo terceiro do art. 183 da Constituição Federal ao usucapião de imóvel público.

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