por Tiago Ramos.
publicado em folhasdispersas.blogspot.comDiante da crescente mobilização popular anti-tabagista promovida em diversos lugares no mundo, normalmente orquestrada com apoio institucional de governos e campanhas milionárias, envolvendo desde processos judiciais, filmes e programas de TV até aquelas manifestações do dia a dia feitas por particulares reprovando os fumantes por, ora, fumarem, achei por bem dedicar algumas linhas ao assunto. Trato aqui da argumentos mas também de minha experiência pessoal, que acho pertinente a fim de mostrar diversos aspectos do problema e a fim, também, de sair abertamente “do armário” em relação ao meu próprio hábito.
Sendo batista de criação, e tendo por pai um professor de educação física, tudo que ouvi sobre o tabaco fazia-me crer que fumar um cigarro era pior do que abraçar o satanás. É que crente em geral não se preocupa tanto com coisas como mentir um pouquinho, falar mal de alguém pelas costas (com as mais santas intenções), trapacear no imposto de renda, ou outras coisinhas assim, mas se você passar a mão na mulher do vizinho, der um “tapa no beiço” de vez em quando ou fumar o cigarro, ah... As portas do inferno se abrem diante de você, pérfido pecador! Assim tive todos os incentivos para não fumar (e igualmente não beber e não sair com a mulher de ninguém) - desde a ira relativamente contida do professor Gilberto até a fúria do Soberano, o Senhor - conforme o que me diziam. Levei muitos anos para descobrir que depois de fumar eu não houvera me tornado uma pessoa malvada. Ainda possuía muito amor e Jesus no coração (falo sério) e mais, percebia agora muito melhor como se formava o mecanismo do preconceito (sentido na pele), pois ao investigar o assunto, não vi nada no ato de fumar que contrariasse o cristianismo, mas pelo contrário, vi no fumante uma pessoa até mais tolerante na convivência com os outros.
Curiosamente, aquele entendimento de origem puritana – fumar seria coisa do diabo, bad, very bad - que acabou sendo reforçado pelas pesquisas daqueles mesmos cientistas do Reich alemão que usavam judeus como ratos de laboratório (a Alemanha nazista foi a primeira nação a combater abertamente o tabagismo por razões de saúde - estranha coincidência com nosso cenário político atual) é hoje, muitos anos passados, abraçado por pessoas adeptas da religião do saudável, do light, do bem estar, da harmonia; gente cuja perspectiva de felicidade, por tanto, está menos no céu do que nesta Terra - mais um padrão mental perigosíssimo - e está disposta a condenar não só ao inferno, mas a um confinamento domiciliar, às vezes nem sequer isso, todo aquele que incorre em um hábito que polua seus sonhos de um mundo perfeito. Essas pessoas confundem o hábito com o monge, ou melhor, o hábito de fumar (que consideram nojento) com a pessoa do fumante, que passam a considerar nojenta. Ora, uma pessoa nojenta deveria ficar mesmo em casa, trancafiada, pois sua visão causaria um dano estético irreparável no ambiente ao redor do não fumante, o cheiro do cigarro acabaria com o aroma do perfume delicioso do não fumante, e por aí vai...
Esse tipo de anti-tabagismo não é falso moralismo, é moralismo nenhum. Mais uma formidável ocasião na qual o psicológico atropela o lógico: considera-se imoral aquilo que é meramente contrário ao próprio gosto. Aquilo que incomoda o nariz passa a ser visto como falta de caráter, por como seria boa a pessoa que impõe tamanha pena sobre meu narizinho, acostumado com o ar puro das caminhadas sob o sol da manhã, ou o cheiro inebriante de incenso durante uma seção de Yoga, algo maravilhoso, cósmico, e o mais importante: oriental! Afinal aqueles orientais é que sabiam das coisas. Esse negócio de tradição ocidental de liberdade individual está estragando a cor da aura de muita gente... Assim, o sujeito não é só um fumante, é um canalha, e como toda a mídia passa a fazer coro com a opinião desses tipos, e tantos outros tenham achado por bem fazer coro com a opinião da mídia – afinal ninguém tem tempo para pensar quando se pode comprar as idéias numa banca de jornal (onde antes se podia comprar também cigarros) e o circo está montado: agora é só entregar os fumantes aos leões.
Com relação à concepção generalizada de que o cigarro deve ser banido por causa do dano provocado por fumo passivo, duas coisas podem ser ditas a respeito. A primeira é que ao contrário da crença popular, fumantes costumam ser pessoas educadas, fumam nas áreas para fumantes de restaurantes, não soltam baforadas nas caras dos bebês, se estão visitando alguém, perguntam antes se podem fumar no quintal ou na varanda, e por aí vai. Se alguém, no entanto, falta com a educação, a resposta mais simples é reclamar com a pessoa, não é chamar a polícia e aplicar uma multa! Nenhum ser humano normal precisa ser convencido pela lei a cumprir regras de boa educação (e sim, os fumantes são, para fins de direito, seres humanos normais). A segunda está publicada neste interessante artigo: http://www.data-yard.net/science/articles/lies.pdf o qual mostra o tipo de informação viciada que está alimentando o simulacro de moralismo dos anti-tabagistas.
Nossa sociedade mudou. Antes era puritana porque condenava o adultério e o hábito de beber. Agora estamos achando normal cantar a mulher alheia e vinho faz bem à saúde, de modo que está permitido. Fumar, no entanto, o único hábito que não altera seu estado mental e não implica em qualquer imoralidade está ficando proibido. Ao mesmo tempo, outras drogas são liberadas e, para meu grande espanto, as cruzadas moralizantes ainda são feitas contra o cigarro! É uma atitude mais que contra producente, é cretinice mesmo. Um exemplo de vítima dessa atitude é o príncipe dos pregadores, o reformado Charles Haddon Spurgeon, que fez o seguinte pronunciamento numa das ocasiões em que confrontado acerca de seu hábito de fumar charutos:
"Well, dear friends, you know that some men can do to the glory of God what to other men would be sin. And notwithstanding what brother Pentecost has said, I intend to smoke a good cigar to the glory of God before I go to bed to-night.
"If anybody can show me in the Bible the command, 'Thou shalt not smoke,' I am ready to keep it; but I haven't found it yet. I find ten commandments, and it's as much as I can do to keep them; and I've no desire to make them into eleven or twelve.
"The fact is, I have been speaking to you about real sins, not about listening to mere quibbles and scruples. At the same time, I know that what a man believes to be sin becomes a sin to him, and he must give it up. 'Whatsoever is not of faith is sin' [Rom. 14:23], and that is the real point of what my brother Pentecost has been saying.
"Why, a man may think it a sin to have his boots blacked. Well, then, let him give it up, and have them whitewashed. I wish to say that I'm not ashamed of anything whatever that I do, and I don't feel that smoking makes me ashamed, and therefore I mean to smoke to the glory of God."
In: Christian World, on September 25, 1874
Mudando um pouco a atenção do argumento para o problema teológico, que muito me preocupa ultimamente, devo lembrar que os argumentos do tipo “templo do espírito”, recomendando cuidado com o corpo ,baseiam-se normalmente no texto de I Corínthios 6:19-20. Se alguém é imbecil o suficiente para retirar esse texto do contexto e aplica-lo ao tabagismo, eu até posso perdoar ( se bem que já fui chamado de burro por que sou fumante, porém ao menos ainda sei ler...), mas creio que exista uma certa má-fé por parte daqueles que, mesmo com as melhores intenções, ignoram que a passagem começa no verso 12, e trata sobre imoralidade sexual, não sobre cigarros.
Os fumantes, espremidos entre evangélicos e seculares preocupados com os “pecados” alheios, estão suportando um mau bocado. Como já disse, fui chamado de burro por gente, francamente, muito mais burra do que eu. Já vi gente fazer cara feia para o meu cigarro mesmo estando a uma distância enorme. Assim sendo, mesmo um fumante cuidadoso acaba tendo contato direto com diversas amostras da estupidez humana, não em si mesmo, mas nos outros. Estou cada vez mais convencido de que falta amor no mundo...