"(...) é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e construir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra." (Saussure, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 132)
Fosse assim, um bebê e até mesmo um adulto não conseguiriam expressar um significado qualquer, porque teriam que conhecer todas as palavras da língua para poder expressar, com uma delas, sabendo de sua diferença face às demais, um significado para seu semelhante. Que trabalheira, não?
Mas o homem, porém, não cria a linguagem apenas para transmitir um significado, ele a cria para revelar-se a si próprio ao outro, esperando reciprocidade, num processo de descoberta mútua. O homem conversa com o Ser que não poderia não ser e se relaciona com Ele, e o ouve, e também fala sozinho -- "Quien habla solo espera hablar con Dios un día" (Antonio Machado) --; mal se pode dizer que um transmite ao outro algum significado conceitual. Trata-se de troca de valores e experiências, como não? O homem também cria a linguagem para erigir as instituições que fundarão sua vida social. Por isso é boba a alegação de que a língua de Virgílio e Cícero não era o verdadeiro latim, uma vez que a população em geral não se expressava com o refinamento dos dois. O latim que condenou Catilina e concebeu a aventura de Enéas formava o imaginário popular e edificava o governo de todos os romanos. Estudamos esse latim, não o que o mesquinho Zé da esquina falou. Aquele é o que pode tentar ser o mais verdadeiro e fiel possível às emoções e necessidades de um povo e de qualquer homem em sua experiência real no mundo, esse é a pululação quotidiana de nossos fingimentos e desejos baixos, falso acerto de contas com um cosmos que nos aterroriza.
Saussure analisa a linguagem em seu nível lógico antes que no da impressão ou experiência real que o homem deseja compartilhar e trocar com seu semelhante. Tem-se a impressão de que Saussure analisa conceitos tecnológicos conhecidos por uma comunidade restrita de cientistas ou técnicos. Ele, no entanto, não era tonto para crer que as palavras não terão qualquer referência a um mundo real, o que equivaleria dizer que a linguagem seria um dicionário sem mundo exterior1, um sistema de palavras que se remeteriam umas às outras sem referência a um elemento externo, o qual, na carona de Gödel, e por analogia, diríamos ser auto-contraditório.
Indicar o significado de algo já realizado, ao invés do apelo, do chamado à realização ou à compreensão e ao reconhecimento de algo na vida criativa interior é uma das críticas de Rosenstock tanto à teoria naturalista-representativista quanto à estruturalista de Saussure e quejandos.
O pai que ampara seu bebê pelos braços incentivando-o a andar, o chefe que manda seu empregado buscar papéis, ou o estudioso da língua que diz "Eu te amo" à sua esposa não estão apenas transmitindo significados, estão encorajando, dando ordens, trocando experiências com a pessoa a quem se dirigem -- e que lhes presta mais ou menos atenção --, conforme a situação. Muitas vezes, aliás, troca-se uma experiência melhor pelo silêncio do que por palavras -- "Espera que cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio" (Drummond). Por isto, os limites da linguagem não são os limites da interação com o cosmos, como queria Wittgenstein. O contrário seria mais justo. O homem intenta através da linguagem -- uma de suas melhores maneiras de fazê-lo --, dizer sua interação com o cosmos, 'no matter how short of it he may be'. As palavras são, ou deveriam ser, nossa tentativa de melhor nos fazer entender -- e também de entender --, de relacionar-nos em suma, com o semelhante, o Superior e até com o inferior -- você nunca conversou com um cão? Quando sei que Viktor Frankl conversava com sua esposa já falecida, a linguística saussuriana parece-me surda à experiência real do homem no amor do Cosmos.
Indicar o significado de algo já realizado, ao invés do apelo, do chamado à realização ou à compreensão e ao reconhecimento de algo na vida criativa interior é uma das críticas de Rosenstock tanto à teoria naturalista-representativista quanto à estruturalista de Saussure e quejandos.
O pai que ampara seu bebê pelos braços incentivando-o a andar, o chefe que manda seu empregado buscar papéis, ou o estudioso da língua que diz "Eu te amo" à sua esposa não estão apenas transmitindo significados, estão encorajando, dando ordens, trocando experiências com a pessoa a quem se dirigem -- e que lhes presta mais ou menos atenção --, conforme a situação. Muitas vezes, aliás, troca-se uma experiência melhor pelo silêncio do que por palavras -- "Espera que cada um se realize e consume / com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio" (Drummond). Por isto, os limites da linguagem não são os limites da interação com o cosmos, como queria Wittgenstein. O contrário seria mais justo. O homem intenta através da linguagem -- uma de suas melhores maneiras de fazê-lo --, dizer sua interação com o cosmos, 'no matter how short of it he may be'. As palavras são, ou deveriam ser, nossa tentativa de melhor nos fazer entender -- e também de entender --, de relacionar-nos em suma, com o semelhante, o Superior e até com o inferior -- você nunca conversou com um cão? Quando sei que Viktor Frankl conversava com sua esposa já falecida, a linguística saussuriana parece-me surda à experiência real do homem no amor do Cosmos.
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1 Quando falo em exterior não me refiro apenas a coisas do mundo material, refiro-me também aos sentimentos, como tal interiores, do homem, às instituições que criou, etc, trata-se de um mundo exterior apenas ao dicionário, não à mente-alma-espírito humana.
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