"De manhã, pus-me a recapitular todos esses episódios; e sobre todos pairava a figura inflada, mescla de suíno e de símio, do célebre jornalista Raul Gusmão. O próprio Oliveira, tão parvo e tão besta. tinha alguma coisa dele, do seu fingimento de superioridade, dos seus gestos fabricados, da sua procura de frases de efeito, de seu galope para o espanto e para a surpresa. Era já o genial, com quem viria travar conhecimento mais tarde, que me assombrava com o seu maquinismo de pose e me colhia nos alçapões de apanhar os simples. E senti também que o espantoso Gusmão e o bobo Oliveira me tinham desviado da observação meticulosa a que vinha submetendo o padeiro de Itaporanga. Achava extraordinário que um varejista de um vilarejo longínquo cultivasse e mantivesse amizades tão fora do seu circulo; não se explicava bem aquele seu norteio para os jornalistas, a especial admiração com que os cercava, o carinho com que tratava todos.
No teatro e na rua, cumprimentou mais de uma dezena deles e apontou-me, sem lhes falar, uma dúzia de outros. É de tal jornal diário, dizia; é de tal semanário; “faz guerra, faz marinha”... Conhecia minuciosamente toda a vida jornalística. Informava-me sobre os nomes dos redatores, dos proprietários, dos colaboradores; sabia a tiragem de cada um dos grandes jornais, como a de cada semanário de caricaturas... Havia nisso uma mania pueril ou o que era? Não se manifestava homem de leituras, político ou dado às letras; não lhe senti a mais elementar preocupação intelectual; todo ele me pareceu convergindo para os negócios, para as coisas de dinheiro, especulações... Por isso, a sua jovialidade e sociabilidade não impediram que, aqui e ali, repontassem em mim alguns propósitos sobre a sua honestidade."
Barreto, Lima. Recordações do escrivão Isaías Caminha.
Percebe-se nesse trecho o quanto o escritor Lima Barreto influenciou Olavo de Carvalho. No início de sua carreira como colunista político Olavo usava e abusava de expressões como "fingimento de superioridade", afetação, maneirismos, presunção, nas quais se enxerga a nítida influência do Lima Barreto de Recordações. O mestre da filosofia disse em uma aula a que assiti que lera toda a obra de Lima Barreto antes dos vinte anos de idade. Lembrando de sua vida e morte trágicas, Olavo confidenciara que dissera a si mesmo então que não deixaria o Brasil vencê-lo, como o fizera este com Lima Barreto.
A lamentar no escritor de boas histórias é o abuso dos advérbios, sobretudo os terminados em 'mente' - de que o trecho escolhido não dá mostra -, os quais na língua portuguesa "pesam", conforme nos contava outro mestre, esse da área de tradução, o falecido Daniel Brilhante de Brito.
domingo, agosto 17, 2008
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Um comentário:
Devo ter ouvido a mesma coisa do Olavo uma porção de vezes, tanto que decidi enfrentar a trilogia barretiana (Policarpo, Isaías e Gonzaga de Sá) tão desprezada por mim por efeito do ensino escolar, na busca de uma fenomenologia da inveja e da impostura brasileira. A essa lição só devo agradecer.
O Olavo bem que nos deve um belo ensaio sobre o Lima Barreto.
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