domingo, setembro 08, 2013

Nobres, burgueses e continuidade histórica

Meu colega Marcio Hack escreveu no facebook que em nossa época todo mundo parece querer enterrar seu passado, que é difícil em sua própria família desencavar histórias de vida de seus avós, etc. Comentei que esse fenômeno é menor na Europa, onde, devido à nobreza e ao sentimento que inspirou na sociedade, as pessoas têm um maior apreço pelo seu passado. Li em algum lugar uma vez que em Portugal era preciso demonstrar que até a quinta geração anterior ninguém havia feito trabalhos braçais para que você pudesse ser considerado um nobre. Deixando de lado a questão do trabalho, isso implicava que o aspirante a nobre estudasse e conhecesse as histórias de vidas de seus antepassados. No Brasil, falemos a verdade, muitos de nós mal sabemos o nome de nossos avós, e de nossos bisavós sabemos no máximo um tanto do que fizeram, de onde vieram. Claro que nos países americanos a imigração contribuiu para a ruptura com o passado, essa, aliás, é uma razão da vitalidade americana, mas, por outro lado, a continuidade histórica das famílias e países é duramente conquistada. Um nobre na Europa, ou ex-nobre, não só não mantém segredo de suas origens familiars, como a exibe com orgulho muitas vezes, quem não sabe sobre os brasões das famílias? Na América, EUA em particular, os ricaços donos de empresas globais, cujos negócios atravessam gerações dinásticas, ao contrário, fazem segredo sobre suas histórias de sucesso, como alcançaram a riqueza e a mantém, os Rotschild, Rockefeller, Ford, a corporação, não querem gente bisbilhotando suas vidas, o que deve ser um sentimento burguês.* A nobreza européia, a casta xátria, que remonta aos senhores feudais, tem, como um bom militar, orgulho de suas façanhas guerreiras e gosta de incensá-las. Duas maneiras de ver o mundo. Mas que é bom saber quem foi seu bisavô, ah, isso é.
 
 
*Alguns empresários de sucesso de fato lançam livros sobre como chegaram lá, como administrar sua empresa, etc, mas geralmente são os pioneiros de um negócio cuja continuidade histórica e dinástica não é certa. Será que os netos dos donos do Google, caso mantenham o poder que seus avós têm, quererão escrever livros sobre suas habilidades negociais? Ou se esquivarão da curiosidade alheia?         

Um comentário:

Danielhenlou disse...

Na nota 145 das Anotações, escrevi que "nas eras de luz e vida (...) o homem vive em média quinhentos anos. Dá para imaginar conviver com um antepassado seu que viveu a era das Grandes Navegações? Claro que é mais provável que seu antepassado fosse um camponês que mal sabia que as Grandes Navegações estavam acontecendo, mas, de qualquer modo, ele seria um registro da época.

Pois então, nessas eras a participação imaginativa no passado comum do povo será menos precária. Saberemos com uma memória viva – literalmente — por que uma coisa foi feita de determinada maneira e não de outra, e para onde estamos indo."

Continuidade histórica é isso aí. Ou saber que em seu planeta existe um casal de Adão e Eva vivendo há milhares de anos; sim, não tivessem cometido a falta, Adão e Eva estariam vivendo conosco, de carne e osso, materialmente.