Bem no iniciozinho do Capital, depois da fazer uma distinção salutar entre valor de uso e de troca de uma mercadoria, aquela definida como a utilidade qualitativa que uma mercadoria tem, essa como a quantidade proporcional de bens ou dinheiro aceita a ser dada em sua troca, Marx diz que o valor de uma mercadoria, valor por excelência, sem genitivos, deriva da quantidade de trabalho empregada para produzí-la.
Mas vamos pensar num exemplo: um carioca sai de seu confortável apartamento rumo à Amazônia à procura de um tipo raro de pedra, que só existe em uma região remota da floresta. Abre flancos pela mata densa, afugenta animais, dorme ao relento, caça, por fim consegue achar sua pedra e a traz para o Rio. Monta então uma banquinha no meio da rua e a apresenta ao distinto público. "Vejam que maravilha de pedra excêntrica achei, me custou um trabalhão trazê-la para cá e lapidá-la ao gosto da senhora freguesa." A dona dá uma olhada, acha a pedra feia, e não a quer em seu quarto. Outras pessoas passam, acham curioso o anúncio do rapaz, mas vão embora sem a pedra. O que aconteceu? Ninguém quer a pedra, seu valor econômico é zero, apesar de todo o trabalho para conseguí-la.
Marx tinha começado bem e se embananou todo. Por mais que valorizemos o trabalho, devemos valorizar também o serviço, que significa tentar adivinhar do que as pessoas precisam, que significa não fetichizar nossos gostos como valores absolutos, justificados a posteriori pelo empenho de trabalho a satisfazê-los. Os valores bons o são porque são bons, não porque tivemos que trabalhar por eles. Muito embora a dedicação em alcançá-los também tenha grande significado.
Voltando ao tema econômico, é claro que a dificuldade na produção de uma mercadoria impactará em seu valor de troca. Por exemplo, ninguém pagaria caro por gasolina se ela brotasse de um poço cavado no quintal. Antes de ser refinada, a gasolina foi petróleo em geral difícil de extrair. Mas, como há quem a deseje, alguém pode se dar o trabalho de produzí-la, cobrando caro por isso, claro. Se ninguém a quisesse, entretanto, produzí-la em escala seria, se não um capricho pessoal, um fetichismo egoísta.*
Se não identificado e desmascarado, o fetichismo egoísta, porque outras pessoas não o compartilham, por definição não o compartilham, conduzirá a delírios de injustiças contra si e de perseguição pessoal.
A criação artificial de sentimentos de necessidade é um efeito colateral, um mal, da economia voltada para o lucro como princípio. Só a motivação do serviço procura enxergar as reais necessidades das pessoas para suprí-las. Da mesma maneira que numa relação erótica, o prazer sensual é maior quanto maior for o envolvimento amoroso, e tende a se esvaziar se buscado por si mesmo, o lucro viria como conseqüência da vontade de servir ao próximo.
*O processo de descobrir necessidades econômicas das pessoas, provendo-as, sujeita-se a fracassos, mas nem por isso se trata de um fetiche; ao contrário, trata-se de empreender.
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