Para toda filosofia sã o milagre ou fato extraordinário não é aquilo contrário ao curso ordinário de forças e leis do mundo, mas aquilo que é o efeito de uma causa situada para além da observação, do conhecido. O que constitui o milagre não é a impossibilidade de explicá-lo (porque a inteligência não explica melhor o curso normal das coisas, ela o reconhece), é sua estranheza, é a contradição em que se encontra face à experiência comum. Ou, esta espécie de milagre, não apenas a metafísica a admite a priori, uma vez que admite que todas as causas são veladas; mas ela a admite ainda a posteriori, uma vez que a isto é forçada todas as vezes que a observação a constata. E o número desses milagres é infinito; o mundo está cheio deles. O progresso, longe de diminuir os fatos cujas causas restam por conhecer, tende a aumentá-los sem parar. Se ele faz desaparecer alguns, cada dia, esclarecendo em seus detalhes o horizonte já um pouco descoberto, faz nascer também outros, cada dia; e é sua glória, porque ele o faz elevando-se a novas alturas, e descobrindo sem parar horizontes mais vastos. A razão é sempre a velha máxima escolástica: naturalia praesumuntur, non praeternaturalia, seu supernaturalia. Não está errada, porque em toda natureza há apenas o natural; mas a natureza não lhe é de todo revelada, e procurando pelo natural ela toca sem cessar no desconhecido, no sobrenatural. A metafísica é precisamente a ciência daquilo que está acima do dado, do conhecido, do observado; a ciência do que se deduz racionalmente do observado, do conhecido e do dado, scientia rerum supernaturalium e naturalibus inductarum. Ou, se é algo que ela induz com confiança, é porque abaixo e por baixo nada se explica realmente; pois o milagre, o sobrenatural, está por toda a parte; pois só há uma causa dando razão a tudo, a maior e mais misteriosa de todas, Deus; pois procurar Nele a causa ou as causas, é procurar onde Ele esteja; de modo que entre sua intervenção ordinária e sua intervenção extraordinária, no âmbito do que aconteça segundo Sua vontade, qualquer linha de demarcação será um traço arbitrário. (Mattar, Jacques. Philosophie de religion, tome 1, pp. 448-450, tradução minha)
sexta-feira, maio 06, 2011
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