--Você leu esse livro de poesia, A Luta Corporal, do Ferreira Gullar? Uma droga, não é mesmo?
--Sim, tampouco gostei.
--Os temas dele são só o desespero, os versos são livres claro. Reconheço que ele escreve bem, tem talento, mas de que serve se for para escrever sobre temas imprestáveis? Tá tudo uma droga e vai piorar. Ou, como os russos dizem, depois da tempestade, vem a inundação. Digo, ele pensa assim, eu não.
-- Mas você não acha que é um exercício razoável fazer de conta que está tudo ruim, falar da morte, do desejo de que tudo acabe, etc? Grandes autores trataram do desespero.
--Sim, estou por dentro disso. Mas o desespero dele não tem sentido. É um desespero por princípio, não aquele desespero silencioso, que todo homem pode ter, mas que volta e meia passa, se arranjamos algo de bom para fazer e nos dedicar, seja um curso de teatro, filosofia, dança. Parece que para o Gullar o mundo não tem jeito mesmo. Ponto final. Então, por que ele escreve isso?
--Ora, às vezes eles querem se expressar, só isso, jogar o desespero para fora, não sei direito.
--Nem eu sei. Alguns livros eu tenho vontade não apenas de me desfazer deles, mas de queimá-los, sabia?
--Isso inclui o livro do Gullar?
--Talvez, estou pensando no caso dele. Mas, por exemplo, O Manifesto do Partido Comunista é um livro que não quero que ninguém leia, joguei fora, podia ter vendido num sebo, mas joguei fora. Porque não quero que ninguém leia.
--Não seja tolo. O livro é influente, também não morro de amores pelo Marx, mas o livro deve ser lido.
--Por que deve ser lido? Vá lá, sei que é influente, mas acho um crime dar de ler a uma criança, a um jovem imberbe ainda, o Manifesto para ele. Que vá ler Platão, ou Aristóteles.
--E depois, bem depois, o Manifesto poderia ser lido, suponho?
--Supôs bem.
--E o que diria de quem chama isso de autoritarismo? Ou seja, essa tentativa de jogar para debaixo do tapete obras ruins para serem lidas só por gente madura?
--Chamaria de uma atitude platônica, ao invés de autoritária. Platão sabia que o jovem deve ser formado por obras edificantes. Vá lá que ele não gostava dos poetas, sobretudo da imitação tola...
--Eu tampouco gosto, tem imitação que não é tola, é macaquice.
--Foi o que eu disse. Indigna de um ser humano. Eu acho que não é errado você dar a ler ao jovem As nuvens, de Aristófanes, por exemplo, onde o autor satiriza Sócrates do início ao fim. Injustamente até, diria eu. Mesmo assim, é bom contrabalançar asperezas da filosofia com um pouco do senso do ridículo. Mas abusar da inteligência com filosofias pequenas, feito a de Marx, não.
--Pode ser, pode ser.