Publico aqui minha monografia no curso de administração.
2 REFERENCIAL
TEÓRICO
Amitai Etzioni
(1976) assinala os poderes coercitivo, utilitário e normativo como os meios de
adesão e obediência que a organização desenvolve para angariar membros,
participantes e colaboradores.
“Os meios de controle, aplicados
por uma organização, podem ser classificados em três categorias analíticas:
física, material ou simbólica. A utilização de uma arma, um chicote ou uma
prisão é física, pois atinge o corpo. (...) O controle baseado na aplicação de
meios físicos é considerado como poder coercitivo”.
As recompensas materiais consistem
em bens e serviços. (...) A utilização de meios materiais com a finalidade de
controle constitui o poder utilitário. (...).
(...) A utilização de símbolos com
a finalidade de controle é denominada poder normativo.” (ETZIONI, 1976, pp.
94-95)
Esses poderes
são predominantes nas organizações militar, empresarial e religiosa.
Carroll Quigley (1983), igualmente,
salienta os três aspectos do poder, que são a força, a riqueza e a persuasão.
“O poder é simplesmente a habilidade de obter a
anuência da vontade de outra pessoa. Algumas vezes, isto é sintetizado como a
habilidade de obter obediência, mas este é um nível bastante mais elevado de uma
relação de poder. Estas relações podem operar em vários níveis, mas podemos
dividi-los em três. No mais alto, está a habilidade de obter cooperação plena.
Num nível mais baixo está a obediência a ordens específicas, e num nível mais
baixo, está a simples anuência, que não passa da permissão tácita de agir sem
interferência. Todas estas são relações de poder que diferem apenas no grau e
tipo de poder necessário para obtê-las.” (QUIGLEY, 1983, p. 13)
Olavo de Carvalho (2004) dirá que a identificação plena
entre mandante e mandado se dá na relação de autoridade entre pai e filho, ou
mãe e filho. Nela, o bebê se entrega totalmente ao discernimento da mãe, que a
sua vez procura abrigá-lo e conduzi-lo. A relação de amor é a base original da
autoridade. Ela envolve um fascínio semelhante ao entre homem e deus, uma
mistura de amor e temor, em doses variadas. O mesmo fascínio que o pavor ou a
manipulação amoral podem suscitar. Daí a autoridade de líderes cruéis e
psicopatas, numa inversão sinistra e paródica da relação original.
A autoridade
cativa um apreço, uma deferência humilde. Não à toa o Livro de Urântia usa a
palavra autoridade:
“Jesus, olhando bem fundo nos seus olhos, disse, em
uma voz que demonstrava autoridade: "Mulher, vai buscar o seu marido e
traze-o aqui". Essa ordem trouxe Nalda de volta a si. Ela notou que havia
entendido mal a bondade do Mestre; e percebeu que havia interpretado mal o
sentido das suas palavras. E chegou a ficar amedrontada; e começou a
compreender que estava diante de uma pessoa excepcional (...).” (LIVRO DE
URÂNTIA, 1976, p. 1613)
A autoridade não é uma relação de poder ainda, está numa
esfera de pré-poder. É a identificação imediata com algo superior, fora do
concebido, que inibe o trivial e demanda uma aura solene, grave.
Ao longo de sua
obra, Platão (2015) nota três dimensões do ser humano, a religiosa-sacerdotal,
que busca intimidade com o mundo espiritual, a político-militar, que dá ordens
com base na autoridade, e a utilitária-empresarial, que busca satisfazer
necessidades e confortos materiais.
Olavo de
Carvalho (2006) desenvolveu o estudo das castas indianas, elaborando uma
tipologia aplicável a pessoas e organizações de acordo com as atividades a que
se dedicam. A casta brâmane é a responsável pela transmissão de verdades
espirituais; a casta xátria ordena a sociedade com base na autoridade e na
honra, podendo usar a força física para defendê-la de inimigos externos, o que
é o caso de uma guerra, e de inimigos internos, punindo fora-da-lei de acordo
com seu código criminal; a casta vaixa empreende e toca negócios para
enriquecer a si e a sociedade produzindo bens e serviços que as pessoas desejem.
Quando estes bens atendem a necessidades, quando são úteis, a atividade vaixa é
valorosa, porém quando se volta a realizar caprichos, seu valor é duvidoso. Os
shudras são os trabalhadores que, seja porque não se capitalizaram para tocar
seu próprio negócio, seja porque assim o escolheram, prestam serviços para
outrem em sua organização.
Mário Ferreira
dos Santos (1964) apontará que a fé, a valorização da virtude, a prudência e a
caridade são as virtudes das respectivas castas.
As organizações militares,
empresariais e religiosas têm características marcantes que permitem distingui-las.
Cada qual delas tem um valor preponderante, que se reflete na sua estrutura
organizacional inclusive.
2.1
Organizações militares
Os militares têm uma
organização baseada na força, na intimidação física, na ameaça do uso da força
para alcançar seus objetivos.
A organização militar é o paradigma para entender outras
organizações baseadas no uso da força.
Os objetivos da organização militar a caracterizam menos
do que o meio de consegui-los, que é o uso da força. Militares podem derrubar
governos; invadir outros países; podem simplesmente acumular força como
elemento dissuasório de possíveis agressores, o que caracteriza, aliás, a
maioria dos exércitos do mundo hoje, menos agressores, que defensores dos
países; seu objetivo importa pouco para caracterizá-la, o qual pode variar 180
graus, desde o assalto até a paz pelas armas, segundo o adágio: “Si vis pacem,
para bellum”, todas as organizações militares, entretanto, deverão se basear na
sua capacidade de mobilizar força física.
“A revolução na tecnologia militar significa que a missão militar de
dissuasão da violência torna-se cada vez mais central, em comparação com os
preparativos de aplicação da violência. Esta modificação tende a inclinar o
pensamento militar e a organização para o lado do civilismo, à medida que os
líderes militares mais se preocupam com variadas gamas de políticas e
diretrizes sócio-econômicas.
O caráter anterior e periódico da organização militar (expansão rápida,
desmobilização rápida) foi substituído por uma manutenção ou expansão
permanentes. O caráter permanente da organização militar removeu uma fonte
importante de conflito entre civis e militares, isto é, a tendência civil de
abandonar a organização militar depois de finda a guerra. Ao contrário ,em face
do alto grau de modoficação tecnológica, multiplicaram-se os conflitos internos
entre as forças armadas.” (ETZIONI, 1973, p. 199)
Como as decisões na organização militar não podem ser tão
discutidas a ponto de se perder o trunfo da reação rápida em uma emergência, a
ponto de se perder em discussões infrutíferas quando a necessidade é a ação, e
havendo a necessidade de uma linha de comando clara, em que o subordinado sabe
a quem deve obedecer, a estrutura da organização militar mantém uma
configuração linear.
“A classificação decrescente das organizações, segundo o grau de
acentuação da coerção, é a seguinte: campos de concentração, prisões,
reformatórios tradicionais, hospitais de internamento para doenças mentais e
campos de prisioneiros de guerra. A classificação decrescente das organizações,
segundo a predominância do grau de poder utilitário, é a seguinte: organizações
de operários, tais como as fábricas, organizações de funcionários, tais como as
companhias de seguro, os bancos, as repartições públicas e as organizações
militares de tempo de paz. O poder normativo predomina nas organizações
religiosas, nas político-ideológicas, nas escolas superiores e universidades,
nas associações voluntárias, nas escolas e nos hospitais terapêuticos de
doenças mentais. (ETZIONI, 1976, pp. 96-97)
Neste trecho,
Etzioni fala sobre o tipo de controle exercido sobre os membros inferiores das
organizações. Repare-se que as organizações militares são inseridas no grupo em
que o poder utilitário é predominante. O controle através do aspecto utilitário
é importante, difícil imaginar um soldado que não receba soldo, embora há
registro de milícias voluntárias.
O poder
específico da organização militar, porém, é o coercitivo. As organizações
militares existem com o objetivo de exercer a força física, caso necessário,
seu objetivo é a ameaça do uso de força física, que se concretiza, se o país
que representam é atacado. Igualmente, o objetivo das forças policias é a
ameaça do uso de força física, não contra inimigos externos, como no caso dos
militares, mas contra fora-da-lei.
Em certas
empresas de segurança, os dois componentes, coercitivo e utilitário, estão de
tal modo intrincados que não há preponderância de um sobre o outro. O objetivo
da organização é lucrar prestando serviços que envolvem a ameaça de força
física para proteção de seus clientes.
Exércitos se alimentam de impostos, ou
saques, da riqueza alheia, portanto. Empresas, por sua vez, precisam gerar sua
riqueza. Elas não tomam de outros. Para tocar seu negócio, precisa ela própria
produzir a riqueza. As organizações empresarias, naturalmente, buscam o lucro.
Elas se dedicam a fornecer um serviço e produto em troca de dinheiro.
As organizações
empresariais têm as mais variadas estruturas.
“A empresa, como organismo vivo,
deve estar apta para a contingência natural e inelutável de crescimento. Não
lhe resta outra opção, senão a de expandir para sobreviver. O crescimento é
sinal de vitalidade e garantia de sobrevivência. Portanto, a estrutura
empresária deve ser adaptável a novas condições econômicas e humanas; seu
planejamento ideal não deve constituir óbice à realidade de seu
desenvolvimento. Os desequilíbrios e as disfunções naturais do crescimento, que
uma administração com objetivos definidos deve estar apta a corrigir, encontram
na dinâmica de podêres, acionada pelo exercício regular da delegação de
autoridade, a resposta correta para o esforço total de expansão.” (MATOS, 1966)
Nos primórdios ainda da
organização matricial, Lodi (1970) procurava detalhar seus elementos:
“(...) a organização matricial
estabelece que: a) a organização é por projetos, b) cada projeto agrupa
diversas fôrças-tarefas recrutadas dos departamentos de serviço originais, c) a
duração de cada projeto e, portanto, de cada fôrça-tarefa é limitada à duração
do contrato e do cronograma, d) toda a organização é, portanto, provisória e
temporária, e) e finalmente mantém-se definida uma relação de
linha-staff com os departamentos de apoio (...).” (LODI, 1970)
As empresas se permitem
explorar novos modelos de estruturas organizacionais, elas são mais inovadoras
que as organizações militares.
“O
principal interesse dessas organizações está no controle instrumental de alguns
problemas – como a produção e a competência – e não controle de relações e
normas estabelecidas pelos trabalhadores, desde que estas não prejudiquem as
atividades instrumentais.” (ETZIONI, 1976, p. 105)
O que não equivale a dizer
que as organizações militares sejam avessas a mudanças. Não, grandes invenções,
depois usadas por empresas, foram primeiro desenvolvidas num contexto militar.
No próprio quesito organizacional, mais e mais as forças armadas têm destacado
grupos pequenos, num modelo linha-staff, para atuar na guerra em redes, em que
os exércitos tradicionais têm relevância menor.
“A
liderança baseada nos hábitos militares tradicionais tem que dividir o poder
com os peritos, não apenas em assuntos técnicos, mas também em assuntos de
relações organizacionais e humanas. Adaptações organizacionais específicas dos
meios militares sobrepujam os próprios desenvolvimentos na sociedade civil, já
que os militares precisam insistir e persistir para obter inovações e reagem
mais rapidamente às mudanças sociais.” (ETZIONI, 1973, p. 202)
Na
organização militar há tensões organizacionais que giram em torno do esforço
contínuo para desenvolver uma hierarquia de patentes apropriada à nova
estrutura complexa de aptidões. Em teoria, pela tradição e pela imagem, o
sistema de patentes militares é uma pirâmide contínua, com linhas de autoridade
diretas e insofismáveis e canais de comando escalonado. Mas, na realidade, foi
transformado em uma hierarquia cuja configuração se assemelha a um losango.”
(ETZIONI, 1973, p. 205)
O valor norteador da
organização militar é a valorização da virtude: “a organização militar se
orienta para o dever e para a honra”. (ETZIONI, 1973, p. 203) Mal internalizado
ou deliberadamente deturpado, o valor se torna a cobiça pela glória da
conquista.
Há personalidades com uma
autoridade independente do cargo, que encantam seus subordinados. Napoleão
Bonaparte talvez seja o melhor exemplo. Ele ia à frente dos solados nos campos
de batalha, que o seguiam.
2.2 Organizações empresarias
“Organizações econômicas
são aquelas cujos objetivos primários consistem em produzir bens e serviços,
cambiá-los ou organizar e manipular processos monetários.” (ETZIONI, 1976, p.
138)
Na organização
empresarial, o valor preponderante é o desejo de sustentar-se a si, aos seus,
de gerar riqueza e conforto. A contraparte deste valor, sua corrupção, é a mera
ganância, avareza, desejo de possuir sem pensamento algum sobre como usar o
acumulado.
A autoridade de uma
personalidade capaz de entregar bens e resultados, gerar riquezas para sua
empresa e a sociedade em geral, é menos nítida do que as autoridades religiosas
e militares, mas existe, embora só costume ser sentida por quem tem um contato
mais próximo com ela. Empresários de sucesso que saem em capas de revista de
negócio não inspiram realmente autoridade alguma, quem acredita que as matérias
não passam de propaganda do negócio ou vaidade paga?
Podemos destrinchar
elementos da empresa: para ser capaz de fornecer um produto ou serviço,
primeiro esse produto ou serviço precisa ter sido criado. O papel do inventor é
evidente.
Não só, a fim de abrir uma
empresa, o futuro sócio precisa dispor de capital ou buscá-lo junto a uma
instituição financeira, a qual concentra a poupança de um conjunto de pessoas.
Os três pilares da
sociedade capitalizada se delineiam: poupança, invenção e empreendedorismo,
este a capacidade de transformar em produtos acabados e desejáveis invenções,
admiráveis embora, mas sem utilidade prática ainda. Por isso:
“Na
maioria das organizações econômicas, considerações tecnológicas geralmente se
subordinam aos critérios econômicos e não há lugar para o domínio do
perfeccionismo ideal e de realizações puramente tecnológicas, que não possam
vincular-se à produção, nas condições econômicas existentes ou previstas para o
futuro próximo. Daí que aqueles que tomam as decisões econômicas geralmente
estão em posição de autoridade mais elevada do que os peritos. Na universidade,
onde a meta é o conhecimento, onde interesses “improdutivos” de pesquisa são
considerados objetivos básicos, e onde as considerações econômicas (como as
decisões relacionadas com a distribuição de verbas) se subordinam àquelas
considerações “especiais”, é legítimo e também funcional (de acordo com esta
análise) que se subordine a administração aos “peritos”, por exemplo, aos
conselhos administrativos ou outros órgãos da faculdade. Assim, estudando a
distribuição de atividades, decisões críticas e incidências, situações
conflitantes e hierarquias organizacionais, podemos determinar qual a
orientação primária, qual a secundária, e assim por diante.” (ETZIONI, 1976, p.
139)
O trabalho do inventor,
que pode ser um trabalho diletante, na indústria será submetido ao crivo da
utilidade. O automóvel foi encarado como uma curiosidade de menor alcance
quando inventado. Médicos, porém, logo enxergaram nele a diferença que
propiciaria para um socorro rápido.
Um banco precisa de um
forte esquema de segurança. A interface das organizações econômica e militar
fica clara. Sem quem proteja seus cofres, o banco não se sustenta. Da
atividade-meio da segurança, a ser realizada por uma firma contratada especificamente
para esse fim, ou por seus próprios funcionários, depende toda a confiança do
regime bancário. Na era eletrônica, a segurança se afasta de seu elemento
característico, que é a força, para englobar o conhecimento técnico da
segurança da informação, contra o assalto de hackers.
Se pensarmos que a riqueza
pode ter origem em dez fontes, como delineado por Jesus e narrado no Livro de
Urântia:
“E, como ajuda no
estudo das fontes da tua grande fortuna, eu sugeriria que tivesses em mente os
dez métodos diferentes de acumular a riqueza material:
1. A riqueza
herdada — riquezas que se originam de pais e de outros ancestrais.
2. A riqueza
descoberta — riquezas que vieram de recursos não cultivados da mãe Terra.
3. A riqueza do
comércio — riquezas obtidas pelo lucro justo na troca e no intercâmbio de bens
materiais.
4. A riqueza
indevida — riquezas que se derivaram de uma exploração injusta ou da
escravização do semelhante.
5. A riqueza dos juros — a renda proveniente
das justas e honestas possibilidades de ganho do capital investido.
6. A riqueza do gênio — riquezas provindas de
recompensas de dons criativos e inventivos da mente humana.
7. A riqueza acidental — riquezas que se
derivam da generosidade de um semelhante ou que têm origem nas circunstâncias
da vida.
8. A riqueza roubada — riquezas asseguradas
pela injustiça, a desonestidade, o roubo ou a fraude.
9. A riqueza de fundos — riquezas colocadas
nas tuas mãos pelos teus semelhantes para algum uso específico, agora ou no
futuro.
10. A riqueza ganha — riquezas derivadas
diretamente de teu próprio trabalho pessoal, a recompensa justa e honesta dos
esforços diários de tua mente e teu corpo.” (LIVRO DE URÂNTIA, 1976, pp.
1462-1463)
A riqueza própria da organização empresarial desponta como a de
número 3. Mas as de números 5 e 9 são características de instituições
financeiras. Além disso, a de número 6, como já dissemos, é essencial ao
aumento da produtividade e portanto da riqueza.
A riqueza de número 10 é
própria do trabalho assalariado, isto é, da pessoa que emprega seus dons
físicos e mentais a serviço de uma organização empresarial, sem ser seu dono.
Os trabalhadores também se
organizam, em associações de empregados e sindicatos, os quais podem ter mais
influência política que associações empresariais.
“Existem
sindicatos que se apoiam muito no poder coercitivo, a fim de vigiar os membros
que se desviam, tal como ocorre nos sindicatos que estão no limiar de
organizações “criminosas”; existem “sindicatos comerciais”, nos quais o
controle se estrutura, em grande parte, através da capacidade dos
representantes do sindicato para “mostrar serviço”, isto é, garantir aumento de
ordenado e outras vantagens materiais. Finalmente, existem sindicatos nos quais
o controle se baseia na manobra de símbolos ideológicos, tais como o
compromisso com uma ideologia socialista.” (ETZIONI, 1976, p. 97)
Um fenômeno das sociedades
capitalizadas é que fundos de poupanças de trabalhadores já estão entre os mais
capitalizados. Isto quer dizer que os trabalhadores não são meros proletários,
que só possuem prole e o necessário à sobrevivência, eles também conseguem
poupar; embora indiretamente, são também capitalistas.
2.3 Organizações religiosas
O modelo das
organizações baseadas na produção de símbolos é a organização religiosa. Basta
pensar na profusão de símbolos associados a Jesus e os santos católicos para se
fazer idéia disso.
As organizações
religiosas fazem parte daquele grupo mais amplo de atividades que conduz o
imaginário de todas as pessoas através dos símbolos que criaram. Esse grupo
inclui profetas, poetas, filósofos, no primeiro nível, e seus divulgadores:
jornalistas, publicitários, num segundo nível.
A autoridade
deste primeiro grupo deriva de sua sabedoria, amor, ligação com a divindade e
capacidade envolvente de contar histórias que expliquem a origem do universo e
o destino do homem, que ao menos deem conta das perplexidades do homem.
A organização
religiosa se dedica especificamente ao símbolo do encontro do homem com o
espírito.
O valor
específico da organização religiosa é a fé, que rapidamente se deteriora em
crença teológica, quando a experiência autêntica é substituída pela defesa
argumentativa e pelo sentimento de grupo ante ataques ao simbolismo gerado.
Num sentido
mais amplo, a deturpação do simbolismo que abre a imaginação para reconhecer e
compreender experiências de vida as quais sem ele ficariam opacas é a
manipulação psicológica.
“O controle em
organizações normativas”, como Etzioni chama as organizações que se apoiam em
primeiro lugar no símbolo, “é muito mais dependente de qualidades pessoais do
que nas organizações coercitivas.” (ETZIONI, 1976, p. 102)
“Por isso, através de diversos processos de seleção
e socialização, as organizações normativas procuram preencher as posições da
organização, de onde se exerce o controle, com indivíduos que exercem
influência pessoal e combinam, portanto, o poder normativo da posição (por
exemplo, a posição de padre) com o poder pessoal (por exemplo, a personalidade
convincente), ou seja, com líderes formais. Os indivíduos sem poder pessoal são
frequentemente transferidos para posições da organização onde não se exerce
controle, como o trabalho de escritório ou o intelectual. Esses esforços
sistemáticos das organizações normativas para proporcionar lideranças nas
posições formais, bem como o êxito muito grande desses esforços tornam menos
provável o aparecimento de líderes informais.”
Nas
organizações religiosas, na realidade, o símbolo nascido da experiência
original foi diluído e enquadrado em ritos mais ou menos formais que prometem
reviver a experiência original.
Entre as
organizações de tipo simbólico e coercitivo, se insere a organização política,
a qual manipula símbolos capazes de capitalizar insatisfações dispersas e se
propõe a resolver ou amenizar a fonte imaginada dessas insatisfações, para isso
se valendo do poder de governo, tão logo lá chegue, que é um poder coercitivo,
em parte, e em parte um poder de gerir e distribuir as riquezas dos impostos.
3 ANÁLISE
O referencial
teórico apresentou as diferenças-tipo entre organizações militares,
empresariais e religiosas, e abriu a partir delas um espectro de organizações
com matizes de cada um dos tipos de poderes que caracterizam as organizações.
A organização
militar é calcada no uso da força física e da intimidação psicológica.
A organização
religiosa, formadora de símbolos, trabalha no nível psicológico-espiritual.
A organização
de tipo político-partidário combina elementos das duas, produzindo símbolos que
vão ao encontro dos desejos e das insatisfações de uma população para mandar
nela, inclusive pela força física, assim que esta lhe esteja disponível. Ela
trabalha elementos simbólicos para montar sobre a estrutura principal de uso da
força, o Estado.
No nível
utilitário da vida, os homens se organizam para produzir bens que satisfaçam
suas necessidades físico-biológicas.
O empreendedor
pega uma invenção e lhe dá um acabamento comercial, proporcionando seu uso ao
público. Para isso, o empreendedor deverá ter juntado uma poupança para
investir ou pegará emprestada a poupança alheia disponibilizada através dos
bancos.
Nem todas as
empresas envolvem uma inovação de ruptura, porém. Sequer uma inovação
incremental às vezes. O dono do bazar da esquina pode muito bem tocar seu
negócio sem ter feito inovação de negócio alguma.
Se a
organização empresarial produz bens, a organização militar tem o poder de pegar
estes bens adquiridos. “O imposto se chama imposto porque é imposto”, segundo a
frase famosa de Carlos Drummond de Andrade. Ele revela o poder da organização
político-militar de tirar das pessoas o que produziram.
Empresas de
segurança combinam elementos das organizações empresarial e militar, porque
existem para defender a integridade patrimonial e física, esta é sua missão, só
não coagem aqueles a quem se propõem a defender a pagar-lhes nada. Existe um
acordo, um contrato, em que a empresa entrega segurança e o assegurado paga por
isso. Neste sentido, as empresas de segurança se diferenciam das organizações
militares, das milícias no Rio de Janeiro ou das máfias, porque não obrigam
ninguém a lhe pagar, a lhe dar bens, não ameaçam para se sustentar
biologicamente.
Enquanto trocam bens e
serviços, as empresas de segurança se assemelham a uma organização empresarial,
o serviço que prestam, porém, é de natureza militar.
Organizações
religiosas vivem de doações, sobretudo. Na Idade Média, profissões que exigiam um
saber técnico elaborado, como a de médico e advogado, eram pagas não exatamente
em retribuição ao serviço, mas por gratidão. O pagamento à consulta era, por
este motivo, chamado de honorário, que remete a honra. É bastante normal darmos
um presente a uma pessoa que nos fez algo por liberalidade, nada ficou acertado
de antemão, quanto e o quê seria trocado, mas a pessoa que recebeu o serviço se
sente grata e deseja agradar quem a ajudou, quem fez algo por si. Este
princípio é primordial em organizações de tipo simbólico.
As
universidades nasceram das escolas monacais e carregavam um forte sentido
simbólico. As obrigações administrativas e de forma a que estão submetidos
professores e alunos nas universidades, porém, prejudica a produção de um saber
mais voltado ao conteúdo, revelador da experiência real; ao invés disso, a
forma tem uma importância própria, para além do modo com que o conteúdo aparece,
o que é um problema desde os primórdios da universidade, pior hoje, porém. Num
quadro maior, trata-se de saber como a organização social voltada para a
produção do conhecimento influi nessa mesma produção.
A forte
presença de partidos políticos e o investimento de capitalistas mais
interessados num resultado determinado do que na pesquisa científica em si levantam
a questão se a universidade tem só o selo de produção do conhecimento ou se
realmente o tem produzido.
Que professores
e alunos tenham partidos não é em si um problema, mas se são incapazes de
conversar com colegas com perspectivas e experiências variadas, de se abrir ao
que pensem, só fazem por amesquinhar a universidade, cujo prestígio social,
cada vez mais baixo, será usado para dar credibilidade, para dar ares
científicos, ao que não passa de propaganda partidária.
O simbolismo
que produzirão pode ter uma influência poderosa, mas pode também esbarrar nas
vozes daqueles que não quiseram render as homenagens, os rapapés, tão
necessários a uma passagem ou carreira bem-sucedidos neste ambiente degradado,
aos assuntos e àqueles que, na realidade, merecem desprezo.