"Revoluções proletárias podem ser realizadas por massas não proletárias, elevadas para a tarefa por uma vanguarda ela própria formada por não proletários, desde que todos estejam imbuídos da teoria apropriada – a qual, por sua vez, é o produto de intelectuais não proletários." (James Gregor)
O proletariado, portanto, é apenas um símbolo aglutinador. Se a teoria de Marx já tinha o problema de ter sido inventada por um intelectual não proletário, quando a própria teoria afirmava que o proletariado desenvolveria a consciência de sua exploração, no curso do século XX os intelectuais marxistas abandonam por completo a tese de que o proletariado realizará sua auto-libertação. Lênin diz que, deixada por si, a consciência do proletariado não passará da noção de que precisa se organizar em sindicatos, tacitamente aceitando o regime burguês-capitalista-imperialista e abandonando, portanto, qualquer tentação revolucionária. Para alcançar esse patamar de consciência, seria preciso, então, a vanguarda revolucionária, responsável por desenvolver uma consciência possível do proletariado.
Mas, e quando não há proletariado algum cuja consciência teria que ser desenvolvida? Quando a massa a ser guiada é campesina, por exemplo, como na China dos anos 1930? A própria revolução criaria seu proletariado? Restará, pois, o símbolo aglutinador, o símbolo de um conjunto de pessoas – ou nações – oprimidas a se alçar contra seus opressores. É o que proletariado significará. O próprio fascismo usará a expressão nação proletária, em oposição às nações plutocratas. Mas o fascismo é assunto para outra hora. Embora Lênin, Mao Tsé-Tung e Mussolini tenham muitos elementos teóricos em comum, uma diferença fundamental é que Mussolini deixou de se qualificar como marxista (para quem não sabe, até os anos 1910 ele era o líder do partido socialista italiano), enquanto Lênin e Mao Tsé-Tung, ainda que alterassem, tal como Mussolini, a teoria de Marx, sempre se qualificaram como marxistas ortodoxos. Lênin e Stalin perseguiriam os marxistas que qualificaram de heterodoxos.
Lênin dá ênfase ao conceito de imperialismo. Ora, para resistir ao imperialismo dos regimes capitalistas, seria preciso desenvolver uma consciência anti-colonial. É o que será feito no Comintern, a internacional comunista dirigida de Moscou. Qual noção ajudaria muito na luta anti-colonial? A noção de nacionalismo; aquela mesma que levara o proletariado a abandonar sua missão histórica para matar camaradas de classe na grande guerra de 1914; mas que, agora, não cairia mal. O movimento marxista viverá, então, a tensão entre internacionalismo e nacionalismo, disfarçado este em luta anti-imperial. A luta anti-imperial, aliás, seria a noção usada por Stálin para justificar a aliança com Hitler que repartiria o Leste europeu.
Quem pegou o gancho do nacionalismo foi Mao Tsé-Tung, bebendo de Sun Yat-sen e de seu programa dos três princípios. Uma vez expulsos os japoneses, findo o século da humilhação, o socialismo com características chinesas ainda atravessaria uma longa marcha stalinista, inclusive por falta de opção, até a abertura comercial, facilitada pela aproximação com os EUA nos anos 70.
O relatório do congresso do partido comunista chinês de 2022 menciona marxismo milhares de vezes. Como a ideologia marxista se encaixa num país que viveu uma revolução capitalista nos últimos 40 anos e caminha para se tornar o país mais rico do mundo? Seria "a China tão comunista quanto a máfia siciliana é católica"?
A China é um país que controla com rédeas curtas a religião, mas Xi Jinping mencionará o "mandato dos céus" várias vezes. Ele fala também: "Os valores socialistas que advogamos hoje representam a herança e a atualização da impressionante cultura tradicional chinesa".
A economia chinesa tem a participação do Estado em cada grande empresa. A China tem cara de fascismo, mas não irá, como Mussolini, rejeitar seu passado marxista.
Do relatório acima citado:
"Para defender e desenvolver o marxismo, devemos integrá-lo às realidades específicas da China. Tomar o marxismo como nosso guia significa aplicar sua visão de mundo e metodologia para resolver problemas na China; não significa memorizar e recitar suas conclusões e linhas específicas, e menos ainda tratá-lo como um dogma rígido. Devemos continuar a libertar nossas mentes, buscar a verdade nos fatos, acompanhar os tempos e adotar uma abordagem realista e pragmática. Devemos basear tudo o que fazemos nas condições reais e nos concentrar na solução de problemas reais que surgem em nossos esforços de reforma, abertura e modernização socialista na nova era. Devemos continuar respondendo às questões colocadas pela China, pelo mundo, pelas pessoas e pelos tempos; ao fazê-lo, devemos encontrar as respostas certas e adequadas às realidades da China e às necessidades de nossos dias, chegar a conclusões compatíveis com leis objetivas e desenvolver novas teorias que estejam em sintonia com os tempos, de modo a fornecer uma melhor orientação para a prática da China.
Para defender e desenvolver o marxismo, devemos integrá-lo à bela cultura tradicional da China. Somente criando raízes no rico solo histórico e cultural do país e da nação, a verdade do marxismo pode florescer aqui. Com uma história que remonta à antiguidade, a bela cultura tradicional da China é extensa e profunda; é a cristalização da sabedoria da civilização chinesa. Nossa cultura tradicional defende muitos princípios e conceitos importantes, incluindo a busca do bem comum para todos; considerando o povo como fundamento do Estado; governando pela virtude; descartando o ultrapassado em favor do novo; selecionando funcionários com base no mérito; promovendo a harmonia entre a humanidade e a natureza; buscando incessantemente o auto-aperfeiçoamento; abraçando o mundo com virtude; agindo de boa fé e sendo amigável com os outros; e fomentando a vizinhança. Essas máximas, que tomaram forma ao longo de séculos de trabalho e vida, refletem a forma de ver o universo, o mundo, a sociedade e a moral do povo chinês e são bastante consistentes com os valores e proposições do socialismo científico."
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