por Ângelo Monteiro
Teci-me de sombras para a tarde
me estender sobre as mais pobres coisas.
Tarde sem Vésper e véspera,
em que nada se espera
nem mesmo a lua má anunciada.
Tarde, ó tarde, ó tarde sem mais volta
não preparas nem o ocaso do Sonho
nem o acaso da morte.
Entretanto estou em ti, postiça tarde.
Estou para perder o já perdido
estou para encontrar o fogo que não arde
não me perco de ti, postiça tarde.
Tarde perdida em si, sem ânsia de morrer
nem de viver na lua que surgir.
Tarde de um mundo morto, tarde sem lua perto
que ilumine em cada coisa o seu deserto.
Tarde sem alma e homem, tarde jamais ferida
pela centelha do morrer da vida.
tarde de um tempo inteiramente cego: tarde que eu nego.
Do livro As Armadilhas da Luz.
...
Urca e Tango Jalousie, por Sergio Lemos
I
Memória do assoalho, a tarde-pântano,
exalada de tábuas, rodapés.
Laivos da noite, rápido, esquivando-se
embrulhados na luz da tarde-mel.
Pelos vidros de cor, pé-ante-pé,
a poeira luminosa ia avançando.
Oh a tarde de laranjas bocejando,
papel de pão, as moscas, o café.
E a década sinistra de quarenta
vinha doce, tranqüila, sonolenta
como um gato lambendo nossa mão.
Vila Isabel -- o rádio era criança.
A Shirley Temple. Ocupada a França.
E os vidros de merengue com limão.
Do livro A Luz no Caleidoscópio
...
por Daniel H. Lourenço
O universo imóvel na tarde quente,
sinérgicos lemos uma folha farfalhar
na árvore da avenida Portugal.
O vento assobia como se estivesse piscando para a gente,
lá fora da sombra, entretanto,
é um mundo frugal.
Ao entardecer, a brisa do mar traz moedas e conchas
onde disfarço os ouvidos para escutar o tao.
terça-feira, dezembro 08, 2009
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5 comentários:
Daniel,
os poemas são lindos e as fotos inspiradoras. Em "A Tarde do Mundo" o verso "Estou para encontrar o fogo que não arde" me evocou Camões (soneto "O amor é fogo que arde sem se ver").
A Urca é um pequeno paraíso que parece conservar - ao menos para mim - a atmosfera dos anos 1940 e 1950. Não é saudosismo, mas é bom visitar um bairro que não tem pressa e que não te apressa. É um lugar que convida à contemplação, para onde se olha se encontra uma paisagem maravilhosa. Não é um bairro de passagem o que faz dele um lugar silencioso e isso é muito bom. E o céu... não há adjetivos para descrevê-lo, sobretudo em noite de lua cheia. Um beijo, Stella
Meu caro Daniel,
Obrigado por compartilhar.
As pessoas tem certa preguiça para descobrir a poesia, então, nem sempre posts poéticos são muito lidos. Dommage!
O que vejo nesses versos é uma bela escolha sobre um tema aparentemente ingênuo: o escorrer do tempo. Aqui é visto como na imagem da tarde como metáfora da finitude humana ("mundo frugal"?!). E depois retomado como lirismo maroto (quase blague) da tarde como "gato lambendo nossa mão".
Quanto às ilustrações só consigo visualizar a última (praça no Rio?).
Abraço fraterno.
Beto.
Como vai, Beto?
Fora da sombra, as pessoas derretem ao sol, é um mundo se esvaziando, frugal.
A poesia de Sergio Lemos evoca um lirismo maroto, de fato, um fim de tarde em casa de vó.
Já na última, o fim da tarde é ocasião de escutar o início da noite e seus caminhos, barcos balouçando ao mar, o tao como eu disse.
A última foto é de praça na praia Vermelha, bairro da Urca.
Um ótimo abraço.
Daniel
Ora, pois: o último poema é de sua autoria?
Não ficou claro pra mim.
Muito bom.
Abraço e Bom Natal!
Sim, o último é meu.
Não costumo colocar autoria quando é meu, mas talvez seja melhor passar a fazê-lo.
Grato pelo elogio.
Um abraço e um bom Natal para ti também.
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