por Jefrrey Nyquist
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O cineasta Robert Buchar está tentando montar um documentário sobre o fim da Guerra Fria e o colapso do comunismo na Europa. O título provisório é “The Grand Deception – Uncertain History.” [A Grande Fraude – História Incerta]. Baseado em entrevistas com ex-agentes de inteligência do bloco comunista, funcionários graduados da CIA e estudiosos, o filme mostra que o colapso do comunismo não foi espontâneo. A diretiva para a mudança veio de Moscou. O “Poder do Povo” nada teve a ver com esse colapso. De acordo com Buchar, “ao longo dos últimos três anos não pude descobrir qualquer órgão da mídia interessado nesse tópico”. “Autoridades”, “especialistas” e âncoras de TV nos diziam, repetidas vezes, que as revoluções no Leste Europeu foram causadas pelo descontentamento popular. De acordo com os partidários do conservadorismo americano, a União Soviética caiu porque Ronald Reagan a derrubou. Não foi bem assim, diz Buchar: “A versão dos eventos apresentada ao público é bastante diferente daquilo que realmente aconteceu”.
Sobre este tema, Buchar entrevistou vários insiders e analistas. O ex-chefe do departamento de contra-inteligência da CIA responsável pelo bloco soviético, Tennent H. “Pete” Bagley [1], contou a Buchar que havia uma obscura mão por trás do colapso do comunismo no Leste Europeu. “Havia uma verdade diferente a esse respeito”, diz Bagley. “[...] e essa é uma verdade que foi tão bem ocultada que eu não sei se um dia sequer virá à tona...”. De acordo com Ludvik Zivcak, um oficial da polícia secreta comunista cuja tarefa foi a de organizar a demonstração que serviu de gatilho à “Revolução de Veludo” [2] na Tchecoslováquia, “Muitas pessoas pensam ou acreditam que, em 1989, houve um levante em massa da nação. Considerando o que eu fiz, ou onde trabalhei, não houve levante algum. Hoje é difícil encontrar quem escreveu o script, mas este não foi escrito nos EUA. Os EUA simplesmente pegaram o bonde quase no final. Assim, o enredo foi escrito, muito mais provavelmente, no Leste Europeu”.
De acordo com o pesquisador dissidente e ex-preso político soviético Vladimir Bukovsky, “a KGB foi parte integrante de toda a perestroika de Gorbachev.” Bukovsky relatou a Buchar que o Ocidente “nunca entendeu o sistema soviético como tal”, falhando ao não compreender “porque era inerentemente agressivo” e perigoso. O Ocidente assinou tratados inúteis com a Rússia, “Como se um pedaço de papel pudesse algum dia deter o monstro.” O Ocidente não entendeu Stalin, nem Khrushchev ou Brezhnev e jamais compreenderia o lado sinistro da ofensiva de paz de Gorbachev. “Deste modo, acreditariam em qualquer nonsense”, enfatiza Bukovsky. “[Acreditariam] até no incrível nonsense de que havia uma disputa entre reformistas e a linha-dura no Politburo e na liderança do PCUS”.[3]
No fim da Guerra Fria, durante a Cúpula de Malta, mantida entre o presidente Bush (pai) e Gorbachev, a seguinte troca de idéias ficou registrada para a posteridade: o então Secretário de Estado James Baker levantou a questão de defender os valores ocidentais e os russos ficaram perturbados e agitados. O presidente George H. W. Bush interveio com um comentário decisivo: “Vamos evitar palavras descuidadas e outras discussões sobre ‘valores’. Do fundo de nossos corações, saudamos as mudanças vindouras”. Isso era tudo que os russos queriam ouvir. Valores americanos e ajuda na queda do comunismo não eram bem-vindos porque a KGB estava montando a sua própria versão de democracia e a sua própria versão de capitalismo.[4] Bukovsky interpreta esse diálogo da seguinte maneira: “Gorbachev simplesmente disse a Bush que mudaria completamente os regimes na Europa Oriental... e que pedia seriamente aos EUA e aos seus aliados ocidentais que não se envolvessem. Para não criar mais problemas, porque era uma transição muito frágil, um período muito delicado, etc. “Nós as faremos [as mudanças], não se preocupe, só não se meta. Não estrague tudo”. E Bush não se meteu.
Portanto, as mudanças foram iniciadas a partir de Moscou e aos EUA foi dito que ficassem de fora. Era um assunto da KGB administrar o colapso do comunismo, e agora vemos – mais claramente do que vimos em 1991 – para onde esse colapso nos levou. A atitude européia mudou para uma posição de confrontação à política externa americana. Para nossa consternação, um alto oficial da KGB é o presidente da Federação Russa. Ex-agentes e funcionários das polícias secretas comunistas são os líderes de muitos dos países “ex-membros” do Pacto de Varsóvia. A opressão da dissensão é levada a cabo ao estilo dos assassinatos entre gangues (tal como nas mortes de Anna Politkovskaya e Paul Klebnikov). O encarceramento de dissidentes é conduzido sob pretextos legais. O jornalista e político tcheco Jan Stetina disse a Buchar que: “Depois de alguns anos ficou claro que o termo ‘queda do comunismo’ não reflete a realidade. O entusiasmo não durou muito e eu diria que hoje estamos num estado de desilusão”. O dissidente e ex-prisioneiro político tcheco Petr Cibulka explicou: “Eu fui solto da prisão em 17 de novembro de 1989 e durante as duas primeiras semanas eu acreditei que estavam acontecendo mudanças. Mas bastaram apenas mais algumas semanas para que eu percebesse que as mudanças eram apenas cosméticas, mudanças de cenário; que o poder continuaria nas mãos dos comunistas e que eles não precisavam se preocupar quanto a perder o que quer que fosse”. Cibulka declarou ainda: “Isto não é uma revolução, mas outra trapaça comunista”.
O ex-prisioneiro político tcheco Vladimir Hucin relatou a Buchar: “Eu assinei a Carta 77 [5] depois de solto da prisão em 1986. Quando mais tarde eu tive acesso a documentos dos arquivos da STB (polícia secreta comunista), descobri quantas pessoas da Carta 77 estiveram envolvidas com a STB, quantos agentes a STB tinha nesse grupo. Isso foi um grande desapontamento para mim”. Conforme o historiador tcheco Pavel Zacek confirmou a Buchar: “A STB funcionou com muita eficácia. Eles se infiltraram em todos os grupos regionais de oposição. Eles manobraram de modo a colocar seus agentes nas principais posições de liderança do Fórum Cívico, além de recrutarem novos agentes entre os quadros dos partidos social-democratas populares da Tchecoslováquia. Não foram encontrados documentos sobre como essa operação foi conduzida...”.
Robert Buchar é um cineasta da Tchecoslováquia e que de lá fugiu em 1980, indo para os EUA em 1981. Trabalhou como operador de câmera para a rede de TV CBS e, desde 1990, ensina cinematografia no Columbia College, em Chicago. Em 1999 produziu o documentário Velvet Hangover [Ressaca de Veludo], que foi transformado em livro em 2003, sob o título Czech New Wave Filmmakers in Interviews [Novos Cineastas Tchecos em Entrevistas]. “Foi o trabalho que fiz para esse livro que me levou à idéia de rodar um filme”, explicou Buchar. “E foi o ex-dissidente e prisioneiro político tcheco Petr Cibulka quem me convenceu a fazê-lo quando me disse: ‘Se você não fizer o filme, ninguém mais o fará’. Assim, comecei a trabalhar neste documentário ‘The Grand Deception – Uncertain History’ em 2004 e finalizei a fotografia principal em junho de 2007. Estou editando entrevistas, mas está tudo parado, pois preciso levantar dinheiro para comprar imagens de arquivo de noticiários da época para terminar o filme. Talvez eu tenha de publicar o livro antes de acabar o filme”.
Na qualidade de ex-cidadão da Tchecoslováquia comunista, o que Buchar aprendeu dessas entrevistas? “De antemão, você tem uma idéia desse evento”, diz Buchar, “e essa idéia muda quando você ouve todos os detalhes descritos por testemunhas oculares. E então, é claro, ao ligar os pontos de diferentes lugares, você é levado a um quadro terrificante e a uma conclusão que me preocupa. As pessoas normalmente me olham de um jeito estranho quando digo que decidi fugir do meu país, porque, lá pelo final dos anos 70, eu cheguei à conclusão de que o processo de mudança do sistema já estava em curso e quando acontecesse de verdade seria orquestrado desde dentro, com um resultado predeterminado e inaceitável para mim. Eu só não imaginava que aconteceria tão cedo. Eu imaginava mais uns dez anos para que acontecesse”.
Os leitores podem estar curiosos quanto ao que Buchar pensa a respeito da reação ocidental ao colapso do comunismo. “Bem…”, diz ele, “uma coisa que eu aprendi e da qual eu não estava nada ciente antes – é o nível de incompetência da CIA no que diz respeito ao seu grau de compreensão do sistema comunista, do modo de operação nos países do Bloco Oriental; uma incompetência que ignorava a importância da ideologia e o nível da infiltração soviética na própria agência. É algo parecido ao que Bill Gertz chama de mentalidade ‘antianticomunista’ [contrária ao anticomunismo] na CIA. Isso foi realmente chocante para mim”.
© 2007 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM
[1] Ver CIA: Mito e História
[2] NT: A expressão "Revolução de Veludo" foi cunhada por jornalistas após os acontecimentos, aceita pela mídia mundial e em seguida, usada pela própria Tchecoslováquia.
[3] NT: Liderança do Partido Comunista da União Soviética, órgão colegiado e composto por muitos membros, dentre os quais eram escolhidos os membros do Politburo. O Politburo sempre contou, necessariamente, com membros da KGB e esteve sempre acima do comando das forças armadas soviéticas.
[4] Ou seja, captação de pesados investimentos estrangeiros, especialmente europeus, em petróleo e gás, e a máfia russa, desde sempre controlada pela KGB.
[5] Charta 77 (em Tcheco e Eslovaco) foi, nominalmente, uma iniciativa cívica informal na Tchecoslováquia, de 1977 a 1992, cujo nome deriva do documento Carta 77, de janeiro de 1977. Os seus membros fundadores e arquitetos foram Václav Havel, Jan Patočka, Zdeněk Mlynář, Jiří Hájek, e Pavel Kohout. Depois da “Revolução de Veludo” de 1989, muitos de seus membros desempenharam papéis importantes na política tcheca e eslovaca.
quinta-feira, outubro 11, 2007
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