"II A dama Clodia Pulcher, de sua vila em Baiae na baía de Nápoles, para o mordomo de sua casa em Roma.
II A dama Clodia Pulcher, de sua quinta em Baiae na baía de Nápoli, para o mordomo de sua casa em Roma.
[3 de setembro de 45 AC]
Meu irmão e eu vamos oferecer um jantar no último dia do mês. Se quaisquer falhas ocorrerem desta vez, vou substituí-lo e pô-lo à venda.
Convites foram enviados ao Ditador, à sua esposa e tia; a Cícero; a Asinius Pollio; e a Gaius Valerius Catullus. Todo o jantar será servido à moda antiga, ou seja, as mulheres estarão presentes apenas na segunda parte do jantar e não se reclinarão.
Se o Ditador aceitar este convite, o protocolo estrito será seguido. Comece a treinar os serviçais imediatamente: a recepção no portão, a liteira, o tour pela casa, a saudação final. Providencie a contratação de doze trompetistas. Infome os sacerdotes de nosso templo que eles deverão executar a cerimônia adequada à recepção do Supremo Pontífice.
Não apenas você, meu irmão também, vai provar os pratos do Ditador em sua presença, como era feito outrora."
O cardápio dependerá das novas modificações nas leis suntuárias. Se elas forem aprovadas por volta do dia do jantar, apenas uma entrada será servida a todos os comensais. Será o ragu egípcio de frutos do mar que o Ditador uma vez lhe descreveu. Não sei nada a respeito; procure imediatamente seu chefe e aprenda como prepará-lo. Quando você se sentir seguro com a receita, faça-o pelo menos três vezes para garantir que esteja perfeito na noite do jantar.
Se a nova lei não tiver sido aprovada, serviremos uma variedade de pratos.
O Ditador, meu irmão e eu receberemos o ragu. Cicero receberá cordeiro no espeto à moda grega. A esposa do Ditador receberá a cabeça de carneiro com maçãs assadas que ela tanto elogiou. Você enviou a receita que ela lhe pediu? Se sim, mude a receita um pouquinho; sugiro que adicione três ou quatro pêssegos embebidos em aguardente albanesa. À senhora Julia Marcia e a Valerius Cattulus serão oferecidos esses pratos para sua escolha. Asinius Pollio provavelmente não comerá nada, como de costume, mas deixe preparado um tanto de leite quente de cabra e mingau lombardo. Deixo a escolha dos vinhos totalmente com você; observe as leis a respeito.
Eu vou querer vinte a trinta dúzias de ostras carregadas em redes dentro da água até Óstia. Algumas podem ser trazidas a Roma no dia do jantar.
Procure imediamente Eros, o mímico grego, e contrate-o para o evento. Provavelmente ele se fará de difícil, como de hábito; você pode mencionar por alto a qualidade dos convidados que estarei esperando. Quando terminar a conversa, pode dizer-lhe que, além do cachê usual, ainda vou lhe dar o espelho de Cleópatra. Diga-lhe que desejo que ele e sua trupe apresentem "Afrodite e Hefesto" e "A procissão de Osíris", de Heronda. Desejo que declame, sozinho, "O ciclo do tecedor de coroas", de Safo.
Vou deixar Nápoles amanhã. Fico durante uma semana com a família de Quintus Lentulus Spinther em Cápua. Estarei esperando uma carta sua contando-me como meu irmão tem passado os dias. Espere minha chegada por volta do dia 10.
Desejo um relatório seu sobre como podemos apagar todas essas pichações envolvendo nossa família em locais públicos. Quero que seja bem completo.
[O que Clódia quis dizer com esse último parágrafo é ilustrado numa passagem das cartas de Cicero e por alguns grafites específicos]
[escrito na primavera deste ano]
Atrás apenas do mestre de todos nós, Clodia se tornou a pessoa mais comentada em Roma. Versos de obscenidade extravagante a seu respeito são rabiscados nas paredee e pavimentos de todos os banhos e banheiros de Roma. Foi-me dito que há uma sátira extensa dedicada a ela no vestiário dos banhos de Pompeu; dezessete poetas já deram sua contribuição; ganha adições diárias. Foi-me dito que em boa parte gira em torno do fato de ela ser viúva, filha, sobrinha, neta e bisneta de cônsules e de que seu ancestral Appius foi o primeiro a percorrer a estrada na qual ela, agora, busca consolo, e quem sabe uma companhia remunerada.
A madame, dizem, ouviu falar dessas homenagens. Três esfregadores se dedicam a cada noite à atividade subrreptícia de apagar rastros. Eles estão exaustos; não têm como dar conta.
Nosso senhor (César) não precisa contratar gente para apagar calúnias. Há versos indecentes por todo o lado; porém, para cada defamador, ele possui três advogados. Seus veteranos se rearmaram com esponjas.
A poesia virou uma febre em nossa cidade. Me foi dito que os versos desse Catullus recém-chegado – versos também dirigidos a Clodia, embora numa veia diferente – estão igualmente rabiscados em nossos prédios públicos. Os vendedores de tortas sírios aprenderam-nos de cor. O que você pensa a respeito? Sob o poder absoluto de um único homem nossos ofícios nos são arrancados, ou perdem sua graça. Não somos cidadãos, mas escravos, e a poesia é o recurso de um ócio imposto.
II-B Grafite rabiscado nos muros e pavimentos de Roma.
......
Clodius Pulcher no Senado diz a Cícero:
minha irmã não cederia; não me mostraria o pezinho, ele diz.
Oh, retruca Cícero, pensamos que ela fosse mais generosa.
Pensamos que ela lhe mostraria acima do joelho, ele diz.
......
Os ancestrais dela entregaram a via Ápia. Caesar
pegou essa Ápia e ela se entregou de outra maneira.
Kkkkkkkkk
......
A garota de um pêni é uma milionária,
mas avara e nada preguiçosa;
orgulhosa que só ela exibe seus cinquënta pénis na alvorada.
......
Mês a mês, Caesar comemora a Fundação da Cidade.
Hora a hora, a extinção da República.
......
[Encontrou-se, com variações, a canção popular seguinte desenhada em lugares públicos por toda a parte.]
O mundo é de Roma e os deuses a deram a Caesar;
Caesar é um descendente dos deuses, e um deus.
Ele, que nunca perdeu uma batalha, é um paia para cada soldado.
Ele plantou a sola do sandália ma boca do homem rico,
mas, para o pobre, é um amigo e um confortador.
Sendo assim, você sabe que os deus amam Roma:
eles a deram a Caesar, seu descendente e um deus.
......
[Os versos seguintes de Catullus parecem ter sido adotados pelo público geral decara; em um ano já haviam alcançado as partes mais remotas da Repúblicas na forma de aforismos proverbiais anônimos:]
Os sóis se põem e podem, de novo, nascer;
Mas tão logo nossa breve luz se põe
A noite é para sempre e deve ser dormida.