quinta-feira, abril 19, 2018

A heresia urantiana

Um espectro ronda o Cristianismo, é o Livro de Urântia.
Mas é um espectro que não se esvanece no ar.
Este artigo comparará dogmas católicos com o que diz o Livro de Urântia.
……
Dogmas são, em primeiro lugar, as revelações de Jesus e dos Apóstolos que os Evangelhos deram a conhecer.
O credo católico tem doze dogmas:
1.º Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra.
2.º E em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor.
3.º Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria.
4.º Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado.
5.º Desceu à Mansão dos Mortos, ressuscitou ao terceiro dia.
6.º Subiu aos Céus, onde está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso.
7.º De onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
8.º Creio no Espírito Santo.
9.º Na Santa Igreja Católica; na comunhão dos Santos.
10.º Na remissão dos pecados.
11.º Na ressurreição da carne.
12.º Na vida eterna. Amém”
Comparemos, então, cada qual, com o livro:

1. Não há maiores problemas, uma ou outra observação pode ser feita. Mas Deus Pai é o Criador fundamental.
2. Jesus não é filho unigênito, Jesus é Filho de Deus, mas não é o único, nem o principal. Jesus é o Filho de Deus Criador de nosso universo.
3. José e Maria já eram casados quando Jesus foi concebido.
O Livro diz que a visita de Gabriel à Maria foi o único acontecimento de índole sobrenatural ligado à gravidez. Sim, Jesus era Deus, Filho do Homem e Filho de Deus, mas os reveladores urantianos não sabem explicar como se deu a encarnação, que segue sendo um mistério.
4. Sim.
5. A Mansão dos Mortos, ou inferno, não existe realmente. As almas iníquas são aniquiladas. As demais, se assim o desejarem, seguem a ascensão aos céus.
Jesus ressuscitou, claro.
6. Sim.
7. Não é bem Jesus, esse julgamento é feito pelos Anciãos dos Dias.
8. Sim.
9. Na igreja cristã, melhor dizendo. O Cristianismo, anota o Livro, se fragmentou porque prevaleceu a ânsia pela uniformidade. O Livro diz que os diferentes tipos de personalidades devem ter sua expressão; que a unidade, não a uniformidade, deve ser buscada.
Sim, homens santos existem.
O Livro faz uma menção pouco abonadora ao inchaço dos santos católicos na Idade Média, porém.
10. Sim.
11. Sim.
12. Sim.
……
Dogmas também são as proclamações ex cathedra do Papa, proclamações que devem guardar ligação necessária com as revelações evangélicas.
Ex cathedra significa que foram feitas com a autoridade da cadeira de Pedro, o primeiro papa; seriam, portanto, infalíveis, uma vez que Jesus teria dado a Pedro as chaves dos céus:
“E eu te declaro: tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra, será desligado nos céus.”
Esta passagem bíblica, goste ou não, é a fonte histórica do centralismo romano da Igreja, uma vez que Pedro escolheu Roma como sua sede.
Já aqui o Livro de Urântia não está bem de acordo com os Evangelhos. Jesus não criou a igreja, a igreja visível. Jesus estabeleceu uma fraternidade espiritual e deu a seus apóstolos, não a Pedro apenas, as chaves do reino exterior, isto é, deu-lhes autorização para que decidissem as questões de ordem econômica, social, organizacional, cultural, relacionadas à fraternidade do espírito. Essas questões, entretanto, não podem ser confundidas com a fraternidade do espírito, a verdadeira Igreja.
Isto terá conseqüências brutais para a igreja católica romana. De imediato, a obrigação de se sujeitar ao Papa, cuja negação é chamada de cisma, cai por terra. Irmandade, deferência pela figura do sucessor de Pedro, o primus inter pares, talvez, mas não sujeição automática.
Selecionei algumas das proclamações aceitas como ex cathedra (as demais, 5 a 10, me exigiriam conferir o que disseram aqueles que o Papa refutava, fica para uma próxima)[1]:
1. Em 449, a carta do Papa São Leão Magno a Flaviano, bispo de Constantinopla, expunha a sã doutrina sobre o mistério da Encarnação de “em Cristo há uma só Pessoa (a Divina) e duas naturezas” (divina e humana).
Perfeito, Jesus é uma personalidade com duas naturezas, divina e humana.
2. Em 680, a carta do Papa S. Agatão “aos imperadores” afirmava, em termos definitivos, haver em Cristo duas vontades distintas, a Divina e a humana, sendo, porém, que a vontade humana ficava em tudo moralmente submissa à vontade divina.
Jesus não tinha duas vontades, tinha uma só, porque a mente de Jesus é uma só.
3. Em 1302, o Papa Bonifácio VIII, através da Bula “Unam Sanctam”, “declara, afirma, define e pronuncia que toda criatura humana está sujeita ao Romano Pontífice”.
Já tratado acima.
4. Em 1336, através da Constituição “Benedictus Deus”, o Papa Bento XII definiu que, logo após a morte corporal, as almas totalmente puras são admitidas à contemplação da essência de Deus face à face.
Não, podem queimar etapas, mas têm um longo caminho pela frente.
Não se trata bem de queimar etapas, é que já as vivenciaram em sua alma, na sua experiência na vida mortal.
11. Em 1854, pela bula “Inefabilis Deus”, o Papa Pio XI definiu o dogma da Imaculada Conceição de Maria.
O pecado original nem existe.
Houve, sim, o pecado de Adão e Eva, que teve enormes conseqüências na história da humanidade, mas foram pecados deles. Os pecados de Adão e Eva não são transmitidos hereditariamente.
12. Em 1950, pela Constituição “Munificientíssimus Deus”, o Papa Pio XII definiu o dogma da Assunção de Nossa Senhora ao Céu, de corpo e alma.
Nada indica que Maria não tenha morrido normalmente.
……
Agora separei alguns dogmas listados na Wikipedia os quais eventualmente não tenha comentado.
“Em Deus há três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo; e cada uma delas possui a essência divina que é numericamente a mesma.”
Sim, perfeito.
A Virgindade Perpétua de Maria: “A Santíssima Virgem Maria é virgem antes, durante e depois do parto de seu Divino Filho, sendo mantida assim por Deus até a sua gloriosa Assunção”.
Não. Casada com José, Maria teve relações sexuais, que geraram Jesus e seus irmãos.
Cristo nos resgatou e reconciliou com Deus por meio do sacrifício de sua morte na cruz: “Jesus Cristo quis oferecer-se a si mesmo a Deus Pai, como sacrifício apresentado sobre a ara da cruz em sua morte, para conseguir para eles o eterno perdão.”
Não era necessário que Jesus morresse na cruz para que nossos pecados fossem perdoados.
Ele morreu na cruz porque era a vontade do Pai que ele não se escusasse ao julgamento do Sinédrio e de Roma. Jesus foi assassinado, e isso nunca foi necessário para o perdão dos pecados.
A salvação sempre esteve disponível e estaria também se Jesus tivesse morrido de velhice.
A cruz, no entanto, foi uma oportunidade única para Jesus mostrar seu serviço, sua devoção, ao semelhante, que era também sua criatura.
Eu poderia escrever mais sobre o significado da cruz, mas pareceria floreio; Jesus não fez floreio algum, ele te amou.
Dos Sacramentos, pode-se dizer que apenas a Eucaristia foi instituída por Jesus.
O próprio batismo, que Jesus realizou como demonstração de apoio à missão de João, não foi estabelecido por ele. Os apóstolos de João, então preso, em conjunto com os apóstolos de Jesus, decidiram que o batismo seria um sinal exterior, o primeiro, de adesão à Fraternidade dos Céus. O significado mesmo do batismo foi deixado em aberto, os seguidores de João solicitavam o arrependimento, os de Jesus apenas a fé.
O matrimônio deve ser um assunto da ordem civil e social, não da religião. Por mais que a vida em casal possa dar frutos espirituais, ela é uma ligação humana.
Jesus ordenou formalmente seus Apóstolos, mas não instituiu o Sacramento da Ordem.
“Cristo está presente no sacramento do altar pela transubstanciação de toda a substância do pão em seu corpo e toda substância do vinho em seu sangue.”
O Livro se queixa de que a simbologia da última ceia tenha sido aprisionada em fórmulas.
O Livro diz que Jesus sempre está presente na ceia que o rememora.
A Morte e sua origem: “A morte, na atual ordem de salvação, é consequência primitiva do pecado”.
Bobagem, os homens morrem com ou sem pecado.
Morrem materialmente. A morte espiritual é sim conseqüência da adoção da iniqüidade.
O Purgatório: “As almas dos justos que no instante da morte estão agravadas por pecados veniais ou por penas temporais devidas pelo pecado vão ao purgatório. O purgatório é estado de purificação”.

Nem purgatório, nem inferno, como já dito.
“No fim do mundo, Cristo, rodeado de majestade, virá de novo para julgar os homens.”
Jesus voltará a nosso planeta, mas não será no fim do mundo para julgar os homens.

Ver a 2a parte.