Na obra Anotações, disse, como questão preliminar necessária ao esclarecimento do que fosse um contrato, que o dinheiro é um direito de aquisição de um bem a ser determinado.
Mas a todo direito corresponde um dever. De quem é o dever de pagar por esse bem? Naturalmente, de quem criou o dinheiro. Como o dinheiro é usado para comprar bens, quem primeiro o emitiu e o usou para adquirir um bem, deve, em última instância, ser responsável por dar algo em troca desse bem.
O dinheiro, portanto, é uma dívida; uma dívida de quem o emite e o usa. O governo dispunha-se a pagar sua dívida em ouro, mas hoje não o faz mais. O governo não pode falir, embora ele tenha dívidas, não pode falir como uma empresa.
Quem emite o dinheiro tem, por definição, o poder de fazê-lo ser aceito. Esse poder, portanto, implica a obrigação de outro de aceitá-lo. Mas essa obrigação pode se tornar meramente nominal se não for sustentada pela confiança de que o dinheiro será repassado com benefício. Desmoralizar o dinheiro significa não querer aceitá-lo.*
Então, o dinheiro surge de uma estranha situação em que seu emissor obriga o receptor a um crédito que jamais lhe pagará. Mas o receptor, por sua vez, passa a ter o direito de comprar de outrem; e assim vai.
Atualização de 31/07/2014: A não ser que Abraão dê um real para cada gado de tributo que cobrou em determinado exercício, dizendo que no exercício seguinte só aceitará como pagamento de tributo reais. E assim faz, cobrando um décimo de cada real que deu.
(continua)
Será mesmo, no entanto, que esse direito, o dinheiro, ao contrário de todos os direitos, não tem a contrapartida de um dever? Não exatamente. O dever do governo é pago não a quem detém singularmente o dinheiro, mas ao grupo de pessoas que governa, coordenando suas atividades. Bem ou mal, e sem direito a apelação, o governo paga sua dívida assim, isto é, governando aqueles a quem governa.
*Caso o dinheiro fosse emitido por uma organização não monopolista, isto é, que não o Estado, a obrigação de aceitá-lo não existiria. Nessa situação o dinheiro seria aceito tão apenas por ter convencido seu receptor de ser o que é, ou seja, um meio de troca largamente aceito, e não apenas o material, ouro, papel, etc, onde se o inscreveu.
Nesse caso, o dinheiro só se confirma como direito quando é aceito, antes disso ele é uma expectativa de direito.