habeo hasternos eosdem oculos. Et sum carcerarius affectus qui non finit. Deus mei fidei, qui me custodiui vitam, voluit ut presiderem huic sollemnitati. Ille non me portauisset a tam longe, si quoque non me daret, ex sua bonitate, virtutes patientiae, aequilibri, fortitudinis, idealismi, firmitatis et visionis maxumis nostrae curae prae illa natione et sua historia.
terça-feira, abril 24, 2012
quinta-feira, abril 12, 2012
Ministros do STF e juristas em geral que opinaram sobre o julgamento pelo aborto ou preservação de fetos anencéfalos estão numa cruzada mental contra o cristianismo. Porque a Igreja defende uma política, eles são contra. Tornaram-se escravos da Igreja Católica, não menos que o devoto repetindo mecanicamente a cúria.
quarta-feira, abril 11, 2012
Oratio inauguralis secunda
"Cum malitia versum nullum, cum caritate ad omnes, cum firmitate in iure sicut Deus nos dat ut videmaus iurem, conitamur ut perficiamus opem in quo nos sumus, ut nectamus vulnes nationis, ut curemus illum qui pertulerit praelium et suam viduam mulierem et suum orfanum, ut facessamus omnis quod possit attingere et alere iustam et perpetuam pacem inter nobis et cum omnibus nationibus."
Abraham Lincoln
terça-feira, abril 10, 2012
Amizade
I kept wondering up to this day
how to make others their reasons sway,
But now I must say: It is a treason
to impose upon others your own way.
Then, now, my friend, I wish you to think
what you think, because we are two links
to God, if so, if not, unity in Him sole.
Amizade não tem nada que ver com compartilhamento de objetivos, como queria Aristóteles. Ao contrário, tem que ver com a indiferença para com as opiniões do amigo, não importa o que ele pensa, seja diferente, seja semelhante, o amigo respeita sua autonomia. Querer concordar com o amigo é um elemento utilitário na amizade.
how to make others their reasons sway,
But now I must say: It is a treason
to impose upon others your own way.
Then, now, my friend, I wish you to think
what you think, because we are two links
to God, if so, if not, unity in Him sole.
Amizade não tem nada que ver com compartilhamento de objetivos, como queria Aristóteles. Ao contrário, tem que ver com a indiferença para com as opiniões do amigo, não importa o que ele pensa, seja diferente, seja semelhante, o amigo respeita sua autonomia. Querer concordar com o amigo é um elemento utilitário na amizade.
A proximidade de objetivos, claro, aproxima pessoas e gera empatia. Mas não sustenta, sozinha, uma amizade. É preciso querer que o amigo tenha as suas idéias, não as nossas.
Vou traduzir um texto de Simone Weil sobre amizade. Não tenho o original em francês, por isso traduzirei da versão inglesa.
"Existe no entanto um amor pessoal e humano que é puro e que conserva uma insinuação e uma reflexão do amor divino. Esse amor é a amizade, desde que nos atenhamos estritamente ao verdadeiro significado da palavra.
Preferência por um ser humano é necessariamente algo diferente de caridade. A caridade não discrimina. Se a encontramos de maneira mais abundante em determinado local, é porque a aflição deu ensejo para propiciar ali uma ocasião de troca de compaixão e gratidão. Está igualmente disponível para toda humanidade, uma vez que a aflição pode atingir a todos, oferecendo a eles uma oportunidade para essa troca.
Preferência por um ser humano pode ser de dois tipos. Ou estamos procurando algum bem particular nele, ou precisamos dele. De uma maneira geral, todas as conexões se enquadram em um desses dois. Nós nos dirigimos a algo, ou porque há um bem dele que queremos, ou porque não podemos viver sem ele. Algumas vezes os dois motivos coincidem. Com freqüência, porém, não. Cada um é distinto e bem independente. Nós comemos alimentos de que não gostamos, se não temos nada mais, porque não podemos agir de outro modo. Um homem razoavelmente avaro busca acepipes, finuras, mas pode facilmente viver sem eles. Se não temos ar, sufocamos; lutamos para conseguí-lo, não porque esperamos obter alguma vantagem dele mas porque precisamos dele. Vamos em busca do ar marinho sem sermos levados por qualquer necessidade, porque gostamos. Com freqüência, acontece automaticamente de o segundo motivo tomar o lugar do primeiro. Essa é uma das principais infelicidades de nossa espécie. O homem fuma ópio para alcançar uma condição especial que considera superior; com freqüencia, com o passar do tempo, o ópio o reduz a uma condição miserável que ele considera degradante, com o qual porém não consegue mais deixar de viver. Arnolfo comprou Agnes de sua mãe adotiva, porque lhe parecia seria uma vantagem ter consigo uma menina, uma menina que tornaria gradualmente numa boa esposa. Mais tarde ela só lhe causou um tormento lacerante e degradante. Mas com a passagem do tempo sua ligação a ela tornou-se um elo vital, que o forçou às seguintes palavras saídas de seus lábios:
"Mas sinto em tudo isso que serei ferido."
Harpagon começou achando que o ouro era uma vantagem. Mais tarde, ele se tornou nada mais do que o objeto de um encosto obsessivo, não obstante um objeto cuja perda causaria sua morte. Como diz Platão, há uma grande diferença entre as essências do Necessário e do Bom.
Não há contradição alguma entre buscar nosso próprio bem num ser humano e desejar que seu bem aumente. Por esta mesma razão, quando o motivo que nos impele para junto de alguém é apenas uma vantagem para nós mesmos, as condições da amizade não são realizadas. A amizade é uma harmonia sobrenatural, uma união de opostos.
Quando um ser humano é em algum grau necessário para nós, não podemos desejar o seu bem salvo se paramos de desejar o nosso próprio. Onde há necessidade há constrangimento e dominação. Nós temos o poder sobre aquilo de que precisamos, a não ser que o possuamos. O bem central de todo homem é dispor de si livremente. Ou o renunciamos, o que é um crime de idolatria, uma vez que só pode ser renunciado em favor de Deus, ou desejamos que o ser de que necessitamos seja privado da livre disposição de si próprio.
Qualquer tipo de mecanismo pode unir seres humanos com laços de afeição que têm a férrea dureza da necessidade. O amor materno é sempre deste tipo; igualmente também o é o paterno às vezes, como em Père Goriot de Balzac; igualmente o é o amor carnal na sua forma mais intensa, como em L'Ecole des Femmes e em Phèdre; igualmente, com muita freqüência, o é o amor entre marido e mulher, principalmente por conta do hábito. Os amores filial e fraterno mais raramente serão desta natureza.
Há ainda grau de necessidade. Qualquer coisa é necessária em algum grau se sua perda implica uma diminuição de energia vital. (Esta palavra é usada aqui com o sentido preciso e estrito que deve ter se o estudo do fenômeno vital estiver tão avançado quanto o de corpos que caem.) Quando o grau de necessidade é extremo, a privação leva à morte. Este é o caso quando quando toda a energia vital de um ser está intimamente associada com outro por alguma conexão. Nos graus menores, a privação leva a uma diminuição mais ou menos considerável. Assim uma total privação de comida leva à morte, enquanto uma privação parcial apenas diminui a força vital. Não obstante, a quantidade necessária de comida é considerada aquela necessária para que uma pessoa não fique fraca.
A causa mais freqüente de necessidade nas ligações de afeto é uma combinação de simpatia e hábito. Como no caso da avareza ou da compulsão por bebida, aquilo que de início foi uma busca por um bem desejado transforma-se numa necessidade com a passagem do tempo. A diferença da avareza, compulsão por bebida, e qualquer vício, no entanto, é que nas ligações de afeto os dois motivos -- busca por um bem desejado e necessidade -- podem muito bem coexistir. Eles podem também estar separados. Quando a conexão de um ser para com outro baseia-se na necessidade e nada mais, ela é algo assustador. Poucas coisas no mundo podem atingir um tal grau de feiúra e horror. Sempre há algo horrível quando um ser humano procura o que é bom é só encontra necessidade. As histórias que contam de um ser amado que de uma hora para outra aparece com uma cabeça de morte simbolizam melhor isso. A alma humana possui um arsenal de mentiras com o qual estatui uma defesa contra esta feiúra, e, em imaginação, cria vantagens falsas onde só há necessidade. É por essa mesma razão que a feiúra é um mal, porque conduz à mentira.
Falando de maneira geral, podemos existir que a aflição está presente onde quer que a necessidade, sob a forma que seja, é imposta de maneira tão drástica que a dureza excede a capacidade de mentir da pessoa que recebe o impacto. É por essa razão que as almas mais puras são as mais expostas à aflição. Para quem é capaz de prevenir a reação automática de defesa, que aumenta a capacidade da alma de mentir, a aflição não é um mal, não obstante sempre machuque e em certo sentido seja uma degradação.
Quando um ser humano está conectado com outro por uma ligação de afeição que contém algum grau de necessidade, é impossível pretendermos que a autonomia seja preservada tanto em si mesmo quanto no outro. É impossível devido ao mecanismo da natureza. No entanto, torna-se possível pela intervenção miraculosa do sobrenatural. Este milagre é a amizade.
"A amizade é uma igualdade feita de harmonia", disseram os pitagóricos. Existe harmonia porque há uma união sobrenatural entre dois opostos, quais sejam, necessidade e liberdade, os dois opostos que Deus combinou quando criou o mundo e os homens. Existe igualdade porque cad aum deseja preservar a faculdade de livre consentimento tanto em si quanto no outro.
Quando alguém deseja colocar-se sob o domínio de um ser humano ou consente em subordinar-se a ele, não há traço de amizade. Pilades de Racine não é amigo de Orestes. Não há amizade onde há desigualdade.
Uma certa reciprocidade é essencial na amizade. Se a boa vontade falta integralmente em um dos dois lados, o outro deveria suprimir sua própria afeição, em respeito ao livre consentimento que ele não deveria desejar forçar. Se em um dos dois lados, não há respeito pela autonomia do outro, este outro deve cortar essa ligação em respeito a si mesmo. Da mesma maneira, aquele que consente em ser escravo não pode ganhar a amizade. Mas a necessidade contida na ligação de afeto pode existir em um lado apenas, e neste caso só há amizade de um lado, se nos ativermos ao significado estrito e exato da palavra.
Uma amizade enferruja tão logo a necessidade triunfe, ainda que por um momento apenas, sobre o desejo de preservar a faculdade do livre consentimento em ambos os lados. Em todas os assuntos humanos, a necessidade é o princípio da impureza. Qualquer amizade é impura se um mero traço do desejo de agradar ou o desejo contrário de dominar está presente nela. Numa amizade perfeita estes dois desejos estão totalmente ausentes. Os dois amigos consentiram em ser dois e não um, eles respeitam a distância que o fato de serem duas criaturas distintas coloca entre eles. O homem tem o direito de desejar união direta apenas com Deus.
A amizade é um milagre pelo qual uma pessoa consente em ver de uma certa distância, e sem chegar mais perto, o ser mesmo que lhe é necessário como a comida. Requer a força de alma que Eva não teve; e não obstante ela não tinha necessidade do fruto. Se estivesse com fome no momento em que olhou para a fruta, e se a despeito disso ficasse olhando para ela indefinidamente, sem dar um passo em sua direção, teria praticado um milagre análogo ao da amizade perfeita.
Através desse milagre sobrenatural de respeito pela autonomia humana, a amizade se parece muito com as formas puras de compaixão e gratidão por que a aflição clama. Em ambos os casos, os termos contrários da harmonia são a necessidade e a liberdade, ou em outras palavras subordinação e igualdade. Estes dois pares de opostos são equivalentes.
Uma vez que o desejo de agradar e o desejo de comandar não estão presentes na amizade pura, ela tem em si, ao mesmo tempo que a afeição, algo que não difere muito de uma completa indiferença. Embora seja uma ligação entre duas pessoas, num certo sentido é impessoal. Deixa intacta a impessoalidade. De modo algum nos impede de imitar a perfeição de nosso Pai no paraíso, que distribui livremente a luz do sol e a chuva por todo canto. Ao contrário, a amizade e essa distribuição são as condições mútuas uma da outra, em muitos casos em qualquer grau. Porque, como praticamente todo ser humano está unido a outros por ligações de afeto que guardam em si algum grau de necessidade, ele não pode caminhar rumo à perfeição exceto se transformar essa afeição em amizade. A amizade tem algo de universal. Consiste em amar um ser humano como gostaríamos de amar cada alma em particular de todas que formam a espécie humana. Da mesma maneira que um geômetra olha uma figura determinada para deduzir as propriedades universais do triângulo, aquele que sabe como amar dirige a um ser humano em particular um amor universal. Tão logo desejamos que essa autonomia seja respeitada em mais do que um ser humano desejamos para todos, pois deixamos arrumar a ordem do mundo num círculo cujo centro é aqui embaixo. Transportamos o centro do círculo para além dos paraísos.
A amizade não tem esse poder se os dois seres que se amam, por meio de um uso ilegal da afeição, pensam que formam um apenas. Então não haverá amizade no verdadeiro sentido da palavra. Isso é o que se pode chamar de uma união adúltera, ainda que se dê entre o marido e a mulher. Não há amizade se a distância não é mantida e preservada.
O mero fato de ter prazer em pensar da mesma maneira que o ser amado, ou em todo caso o fato de desejar essa concordância de opinião, ataca a pureza da amizade ao mesmo tempo que sua integridade intelectual. É bem freqüente. E ao mesmo tempo a amizade pura é rara.
Quando as ligações de afeição e necessidade entre seres humanos não são transformadas sobrenaturalmente em amizade, não apenas a afeição é de uma ordem impura e baixa, mas também estará misturada com o ódio e a repulsão. Isso é mostrado muito bem em L'Ecole des Femmes e em Phèdre. O mecanismo é o mesmo em afeições outras que o amor carnal. É fácil entender isto. Nós odiamos aquilo de que dependemos. Nós sentimos aversão por aquilo que depende de nós. Algumas vezes a afeição não apenas se mistura com o ódio e a repulsão; ela se transmuda inteiramente neles. A transformação pode mesmo ser imediata algumas vezes, de modo que qualquer afeição mal consegue se mostrar; este é o caso quando a necessidade é revelada logo de cara. Quando a necessidade que aproxima pessoas não tem nada que ver com emoções, quando se deve apenas a circunstâncias, a hostilidade normalmente mostra suas garras desde o início.
Quando Cristo disse a seus discípulos: "Amem-se uns aos outros", não era a conexão (attachment) que ele revelava como regra. Já que era um fato que havia ligações entre eles devido aos pensamentos, à vida, e aos hábitos que compartilhavam, ele incitou-os a transformar essas ligações em amizade, de modo que não lhes fosse permitido torná-la uma conexão impura ou ódio.
Uma vez que, pouco antes de morrer, Cristo deu esse novo mandamento em adição aos dois grandes mandamentos de amor pelo próximo e do amor por Deus, podemos considerar que a amizade, como o amor pelo próximo, tem algo de sacramental. Cristo talvez quisesse sugerir isso em referência à amizade cristã quando disse: "Quando há dois ou três reunidos em meu nome, ali estarei eu presente." A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita que pertence à Trindade e é a essência mesma de Deus. É impossível que dois seres humanos sejam um enquanto respeitam a distância que os separa, a não ser que Deus esteja presente em cada um deles. O ponto em que os paralelos se encontram é o infinito."
......
Completo eu, a amizade guarda a distância de respeitar, e mais que respeitar, querer que o outro tenha suas opiniões, mas, além disso, e já resvalando para o que se chama mais propriamente de amor, o amigo quer ver com seus olhos, compartilhar -- embora sem curiosidade, que pode acionar seu mecanismo de defesa --de seus motivos íntimos, entendê-lo, amá-lo.
"Existe no entanto um amor pessoal e humano que é puro e que conserva uma insinuação e uma reflexão do amor divino. Esse amor é a amizade, desde que nos atenhamos estritamente ao verdadeiro significado da palavra.
Preferência por um ser humano é necessariamente algo diferente de caridade. A caridade não discrimina. Se a encontramos de maneira mais abundante em determinado local, é porque a aflição deu ensejo para propiciar ali uma ocasião de troca de compaixão e gratidão. Está igualmente disponível para toda humanidade, uma vez que a aflição pode atingir a todos, oferecendo a eles uma oportunidade para essa troca.
Preferência por um ser humano pode ser de dois tipos. Ou estamos procurando algum bem particular nele, ou precisamos dele. De uma maneira geral, todas as conexões se enquadram em um desses dois. Nós nos dirigimos a algo, ou porque há um bem dele que queremos, ou porque não podemos viver sem ele. Algumas vezes os dois motivos coincidem. Com freqüência, porém, não. Cada um é distinto e bem independente. Nós comemos alimentos de que não gostamos, se não temos nada mais, porque não podemos agir de outro modo. Um homem razoavelmente avaro busca acepipes, finuras, mas pode facilmente viver sem eles. Se não temos ar, sufocamos; lutamos para conseguí-lo, não porque esperamos obter alguma vantagem dele mas porque precisamos dele. Vamos em busca do ar marinho sem sermos levados por qualquer necessidade, porque gostamos. Com freqüência, acontece automaticamente de o segundo motivo tomar o lugar do primeiro. Essa é uma das principais infelicidades de nossa espécie. O homem fuma ópio para alcançar uma condição especial que considera superior; com freqüencia, com o passar do tempo, o ópio o reduz a uma condição miserável que ele considera degradante, com o qual porém não consegue mais deixar de viver. Arnolfo comprou Agnes de sua mãe adotiva, porque lhe parecia seria uma vantagem ter consigo uma menina, uma menina que tornaria gradualmente numa boa esposa. Mais tarde ela só lhe causou um tormento lacerante e degradante. Mas com a passagem do tempo sua ligação a ela tornou-se um elo vital, que o forçou às seguintes palavras saídas de seus lábios:
"Mas sinto em tudo isso que serei ferido."
Harpagon começou achando que o ouro era uma vantagem. Mais tarde, ele se tornou nada mais do que o objeto de um encosto obsessivo, não obstante um objeto cuja perda causaria sua morte. Como diz Platão, há uma grande diferença entre as essências do Necessário e do Bom.
Não há contradição alguma entre buscar nosso próprio bem num ser humano e desejar que seu bem aumente. Por esta mesma razão, quando o motivo que nos impele para junto de alguém é apenas uma vantagem para nós mesmos, as condições da amizade não são realizadas. A amizade é uma harmonia sobrenatural, uma união de opostos.
Quando um ser humano é em algum grau necessário para nós, não podemos desejar o seu bem salvo se paramos de desejar o nosso próprio. Onde há necessidade há constrangimento e dominação. Nós temos o poder sobre aquilo de que precisamos, a não ser que o possuamos. O bem central de todo homem é dispor de si livremente. Ou o renunciamos, o que é um crime de idolatria, uma vez que só pode ser renunciado em favor de Deus, ou desejamos que o ser de que necessitamos seja privado da livre disposição de si próprio.
Qualquer tipo de mecanismo pode unir seres humanos com laços de afeição que têm a férrea dureza da necessidade. O amor materno é sempre deste tipo; igualmente também o é o paterno às vezes, como em Père Goriot de Balzac; igualmente o é o amor carnal na sua forma mais intensa, como em L'Ecole des Femmes e em Phèdre; igualmente, com muita freqüência, o é o amor entre marido e mulher, principalmente por conta do hábito. Os amores filial e fraterno mais raramente serão desta natureza.
Há ainda grau de necessidade. Qualquer coisa é necessária em algum grau se sua perda implica uma diminuição de energia vital. (Esta palavra é usada aqui com o sentido preciso e estrito que deve ter se o estudo do fenômeno vital estiver tão avançado quanto o de corpos que caem.) Quando o grau de necessidade é extremo, a privação leva à morte. Este é o caso quando quando toda a energia vital de um ser está intimamente associada com outro por alguma conexão. Nos graus menores, a privação leva a uma diminuição mais ou menos considerável. Assim uma total privação de comida leva à morte, enquanto uma privação parcial apenas diminui a força vital. Não obstante, a quantidade necessária de comida é considerada aquela necessária para que uma pessoa não fique fraca.
A causa mais freqüente de necessidade nas ligações de afeto é uma combinação de simpatia e hábito. Como no caso da avareza ou da compulsão por bebida, aquilo que de início foi uma busca por um bem desejado transforma-se numa necessidade com a passagem do tempo. A diferença da avareza, compulsão por bebida, e qualquer vício, no entanto, é que nas ligações de afeto os dois motivos -- busca por um bem desejado e necessidade -- podem muito bem coexistir. Eles podem também estar separados. Quando a conexão de um ser para com outro baseia-se na necessidade e nada mais, ela é algo assustador. Poucas coisas no mundo podem atingir um tal grau de feiúra e horror. Sempre há algo horrível quando um ser humano procura o que é bom é só encontra necessidade. As histórias que contam de um ser amado que de uma hora para outra aparece com uma cabeça de morte simbolizam melhor isso. A alma humana possui um arsenal de mentiras com o qual estatui uma defesa contra esta feiúra, e, em imaginação, cria vantagens falsas onde só há necessidade. É por essa mesma razão que a feiúra é um mal, porque conduz à mentira.
Falando de maneira geral, podemos existir que a aflição está presente onde quer que a necessidade, sob a forma que seja, é imposta de maneira tão drástica que a dureza excede a capacidade de mentir da pessoa que recebe o impacto. É por essa razão que as almas mais puras são as mais expostas à aflição. Para quem é capaz de prevenir a reação automática de defesa, que aumenta a capacidade da alma de mentir, a aflição não é um mal, não obstante sempre machuque e em certo sentido seja uma degradação.
Quando um ser humano está conectado com outro por uma ligação de afeição que contém algum grau de necessidade, é impossível pretendermos que a autonomia seja preservada tanto em si mesmo quanto no outro. É impossível devido ao mecanismo da natureza. No entanto, torna-se possível pela intervenção miraculosa do sobrenatural. Este milagre é a amizade.
"A amizade é uma igualdade feita de harmonia", disseram os pitagóricos. Existe harmonia porque há uma união sobrenatural entre dois opostos, quais sejam, necessidade e liberdade, os dois opostos que Deus combinou quando criou o mundo e os homens. Existe igualdade porque cad aum deseja preservar a faculdade de livre consentimento tanto em si quanto no outro.
Quando alguém deseja colocar-se sob o domínio de um ser humano ou consente em subordinar-se a ele, não há traço de amizade. Pilades de Racine não é amigo de Orestes. Não há amizade onde há desigualdade.
Uma certa reciprocidade é essencial na amizade. Se a boa vontade falta integralmente em um dos dois lados, o outro deveria suprimir sua própria afeição, em respeito ao livre consentimento que ele não deveria desejar forçar. Se em um dos dois lados, não há respeito pela autonomia do outro, este outro deve cortar essa ligação em respeito a si mesmo. Da mesma maneira, aquele que consente em ser escravo não pode ganhar a amizade. Mas a necessidade contida na ligação de afeto pode existir em um lado apenas, e neste caso só há amizade de um lado, se nos ativermos ao significado estrito e exato da palavra.
Uma amizade enferruja tão logo a necessidade triunfe, ainda que por um momento apenas, sobre o desejo de preservar a faculdade do livre consentimento em ambos os lados. Em todas os assuntos humanos, a necessidade é o princípio da impureza. Qualquer amizade é impura se um mero traço do desejo de agradar ou o desejo contrário de dominar está presente nela. Numa amizade perfeita estes dois desejos estão totalmente ausentes. Os dois amigos consentiram em ser dois e não um, eles respeitam a distância que o fato de serem duas criaturas distintas coloca entre eles. O homem tem o direito de desejar união direta apenas com Deus.
A amizade é um milagre pelo qual uma pessoa consente em ver de uma certa distância, e sem chegar mais perto, o ser mesmo que lhe é necessário como a comida. Requer a força de alma que Eva não teve; e não obstante ela não tinha necessidade do fruto. Se estivesse com fome no momento em que olhou para a fruta, e se a despeito disso ficasse olhando para ela indefinidamente, sem dar um passo em sua direção, teria praticado um milagre análogo ao da amizade perfeita.
Através desse milagre sobrenatural de respeito pela autonomia humana, a amizade se parece muito com as formas puras de compaixão e gratidão por que a aflição clama. Em ambos os casos, os termos contrários da harmonia são a necessidade e a liberdade, ou em outras palavras subordinação e igualdade. Estes dois pares de opostos são equivalentes.
Uma vez que o desejo de agradar e o desejo de comandar não estão presentes na amizade pura, ela tem em si, ao mesmo tempo que a afeição, algo que não difere muito de uma completa indiferença. Embora seja uma ligação entre duas pessoas, num certo sentido é impessoal. Deixa intacta a impessoalidade. De modo algum nos impede de imitar a perfeição de nosso Pai no paraíso, que distribui livremente a luz do sol e a chuva por todo canto. Ao contrário, a amizade e essa distribuição são as condições mútuas uma da outra, em muitos casos em qualquer grau. Porque, como praticamente todo ser humano está unido a outros por ligações de afeto que guardam em si algum grau de necessidade, ele não pode caminhar rumo à perfeição exceto se transformar essa afeição em amizade. A amizade tem algo de universal. Consiste em amar um ser humano como gostaríamos de amar cada alma em particular de todas que formam a espécie humana. Da mesma maneira que um geômetra olha uma figura determinada para deduzir as propriedades universais do triângulo, aquele que sabe como amar dirige a um ser humano em particular um amor universal. Tão logo desejamos que essa autonomia seja respeitada em mais do que um ser humano desejamos para todos, pois deixamos arrumar a ordem do mundo num círculo cujo centro é aqui embaixo. Transportamos o centro do círculo para além dos paraísos.
A amizade não tem esse poder se os dois seres que se amam, por meio de um uso ilegal da afeição, pensam que formam um apenas. Então não haverá amizade no verdadeiro sentido da palavra. Isso é o que se pode chamar de uma união adúltera, ainda que se dê entre o marido e a mulher. Não há amizade se a distância não é mantida e preservada.
O mero fato de ter prazer em pensar da mesma maneira que o ser amado, ou em todo caso o fato de desejar essa concordância de opinião, ataca a pureza da amizade ao mesmo tempo que sua integridade intelectual. É bem freqüente. E ao mesmo tempo a amizade pura é rara.
Quando as ligações de afeição e necessidade entre seres humanos não são transformadas sobrenaturalmente em amizade, não apenas a afeição é de uma ordem impura e baixa, mas também estará misturada com o ódio e a repulsão. Isso é mostrado muito bem em L'Ecole des Femmes e em Phèdre. O mecanismo é o mesmo em afeições outras que o amor carnal. É fácil entender isto. Nós odiamos aquilo de que dependemos. Nós sentimos aversão por aquilo que depende de nós. Algumas vezes a afeição não apenas se mistura com o ódio e a repulsão; ela se transmuda inteiramente neles. A transformação pode mesmo ser imediata algumas vezes, de modo que qualquer afeição mal consegue se mostrar; este é o caso quando a necessidade é revelada logo de cara. Quando a necessidade que aproxima pessoas não tem nada que ver com emoções, quando se deve apenas a circunstâncias, a hostilidade normalmente mostra suas garras desde o início.
Quando Cristo disse a seus discípulos: "Amem-se uns aos outros", não era a conexão (attachment) que ele revelava como regra. Já que era um fato que havia ligações entre eles devido aos pensamentos, à vida, e aos hábitos que compartilhavam, ele incitou-os a transformar essas ligações em amizade, de modo que não lhes fosse permitido torná-la uma conexão impura ou ódio.
Uma vez que, pouco antes de morrer, Cristo deu esse novo mandamento em adição aos dois grandes mandamentos de amor pelo próximo e do amor por Deus, podemos considerar que a amizade, como o amor pelo próximo, tem algo de sacramental. Cristo talvez quisesse sugerir isso em referência à amizade cristã quando disse: "Quando há dois ou três reunidos em meu nome, ali estarei eu presente." A amizade pura é uma imagem da amizade original e perfeita que pertence à Trindade e é a essência mesma de Deus. É impossível que dois seres humanos sejam um enquanto respeitam a distância que os separa, a não ser que Deus esteja presente em cada um deles. O ponto em que os paralelos se encontram é o infinito."
......
Completo eu, a amizade guarda a distância de respeitar, e mais que respeitar, querer que o outro tenha suas opiniões, mas, além disso, e já resvalando para o que se chama mais propriamente de amor, o amigo quer ver com seus olhos, compartilhar -- embora sem curiosidade, que pode acionar seu mecanismo de defesa --de seus motivos íntimos, entendê-lo, amá-lo.
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